domingo, 19 de maio de 2013
Um pouco de Mia Couto (e de mim, miacouteando)
"No teu rosto"
"No teu rosto
competem mil madrugadas
No teus lábios
a raiz do sangue
procura suas pétalas
A tua beleza
é essa luta de sombras
é o sobressalto da luz
num tremor de água
é a boca da paixão
mordendo o meu sossego"
"Poema da despedida"
"Não saberei nunca
dizer adeus
Afinal,
só os mortos sabem morrer."
"(Escre)ver-me"
nunca escrevi
sou
apenas um tradutor de silêncios
a vida
tatuou-me nos olhos
janelas
em que me transcrevo e apago
sou um soldado
que se apaixona
pelo inimigo que vai matar."
Mia Couto nasceu na Beira, Moçambique, em 1955. É um dos grandes e modernos autores de lingua portuguesa. Sua poesia tem a solidão da África e a individualidade solitária de um africano, que no seu campo de visão vê um mundo distante.Sua escrita tem imagens ricas, novas, nunca antes postas. Não tem a pseudo lógica da coisas que vemos. Mia Couto não escreve - asssim como quase todo poeta - com a parte consciente do cérebro e sim com o seu inconsciente, só isto explica a criação de frases ou versos como: "No lugar do corpo onde esperou/ sua vida frutificar/ vai agora afagando a imobilidade"; "preciso ser um outro/ para ser eu mesmo"; "Magoa-me a saudade/ do tempo em que te habitava/ como o sal ocupa o mar/ como a luz recolhendo-se/ nas pupilas desatentas."
Hoje estou um pouco Mia Couto e escrevo:
Fundo do oceano,
vazio de águas...
Sou (O que sou?)
Um barco
submergido,
agora cercado
de carcaças
de animais
e de plantas.
Todos...
Estamos
em areia, pedra
e cal.
No alto...
A imensidão
de um continente
só paredes.
Aqui, o chão...
Em tudo,
espaços solitários
repletos de vazios.
Carlos Roberto Husek
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