quinta-feira, 30 de maio de 2013

Um pouco de Augusto Frederico Schimidt e algumas considerações


"A casa vai descendo o rio.
A casa é um navio que vai viajando.
A casa cercada por muros de pedra
Vai sendo levada, flutuando sempre, para longe.
Parece que está imóvel, com suas raízes na terra,
Pousada em alicerce sólido.

No entanto a casa desce com as águas do rio.
E é alguma coisa frágil e de leve com o seu jardim
Onde nas manhãs de sol as borboletas palpitam
Na breve ilusão da vida.
Nas árvores desse jardim cantam pássaros.

Quando a noite cai sobre a casa
É o que chegam as sombras dos habitantes desaparecidos,
E a casa desce as águas do rio,
Como um navio no tempo."

Esta é uma poesia de de Augusto Frederico Schimidt, no livro "O caminho do frio".
A nossa vida é assim. Parece sólida com muros de pedras, raízes na terra, manhãs de sol sobre a copa das árvores, pássaros que cantam e borboletas que palpitam... mas, flutua sobre uma base líquida e correntia, passageira e fugaz. A visão que temos do jardim e das coisas que nos cercam; das portas, das paredes, das janelas, do céu; e a sensação dos nossos pés pisando firme um chão sólido, tudo...tudo não passa de ilusão...Para onde vai o rio que nos leva, juntamente com as nossas idéias tão repletas de  certezas?! Somos sombras sobre um barco...

A vida é um nada
      que se concretiza
em fundações de espuma,
e nossas ilusões
     e nossas certezas
vão se perdendo,
               uma a uma.

Esta é a nossa interpretação da vida e do poema de Schimidt, poeta que morreu em 08 de fevereiro de 1965, no Rio de Janeiro, cidade em que veio ao mundo, com sua casa, seus jardins, seus muros... Uma época em que eu ainda pisava firme e estava amparado pelas minhas convicções. Descobri-me navegando, pouco tempo depois. Carlos Roberto Husek

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Um pouco de Giuseppe Ungaretti


"Agonia"                                              "Agonia"

"Morire come le allodole assetate      "Morrer como as callhandras sedentas
sul miraggio                                          na miragem

                                                       
O come la quaglia                                Ou como a codorniz
passaro il mare                                    cruzado o mar
nei primi cespugli                                sobre as primeiras moitas
perché di volare                                   porque já nã tem ânimo 
non ha più voglia                                 de voar

Ma non vivere di lamento                   Mas não viver se queixando
come un cardellino accecato."           como um pintassilgo cego."



"San Martino Del Carso"                  "San Martino Del Carso"

"Di queste case                                     Destas casas
non é rimasto                                        nada sobrou
che qualche                                           senão alguns
brandello di muro                                pedaços de muro

Di tanti                                                  De quantos
che mi corrispondevano                      me foram próximos
non è rimasto                                        nada sobrou
neppure tanto                                       nem tanto

Ma nel cuore                                        No coração porém
nessuna croce manca                           nenhuma cruz me falta

È il mio cuore                                       É o meu coração
il paese più straziato"                          a região mais destroçada."

Giuseppe Ungaretti, filho de emigrantes italianos, nasceu em 1888 em Alexandria, Egito. Viajou pelo mundo. Fez cursos em Paris. Foi professor de Literatura na universidade São paulo (1936) e catedrático de Literatura Italiana na Universidade de Roma (1942/1957). Estas poesias foram tirada de seu livro "Alegria". Morreu em Milão, em 1970. Carlos Roberto Husek

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Fragmentos do Livro Metal Invisível




Retrato

Virtual te desnudas
    em leves linhas
e reentrâncias fundas.
 

Desespero

A vida se esvazia
    nas palavras,
    escapa veloz,
por entre as letras
   e sucumbe no ar.


Diálogo sem volta

O velho

    "Apresento-me aqui,
      sentimento exposto,
   sobrancelhas arqueadas,
         rugas no rosto,
         andar trôpego,
       olhar esquecido,
       cabelos brancos,
       ombros caídos,
     sem nada para dizer,
        gestos vazios,
        pele marmórea,
        pés muito frios,
        lábios secos,
     gengiva desprotegida,
        terno surrado,
        corcunda altiva."

O tempo

       "Quem és?

O velho

       "Uma folha escrita,
 dobrada pelas mãos das horas."


O Nada

Cavo buracos,
fossas enormes,
 livres espaços,
íngremes despedidas,
repletas de vazios.

..................................

Cavo buracos vazios.


Cena I

No vale
  a vida
  vela
a morte.
Vergam-se
espíritos
 à vaga
lembrança
 do verso.
A poesia
vulgívaga
comprime-se.
  Advém
  do vezo
   do dia
   uma
vertigem
nostálgica.


O Era

Serei resto
  amido,
nitrogênio,
  átomo,
pó celular,
 vento.
 Serei só
  sombra,
esquecimento.


Ultimo poema

Quando nascerá
o último poema,
o poema-despedida,
aquele que não será lido,
   nem falado,
   mas se abrirá
como uma ferida?


Fragmentos

A morte descobrindo as palavras
    fecha-se e se tranca
    num caixão de vento.
A morte reduz-se em palavras.
    A morte que conheço
    é um substantivo,
    é um sentimento.
Algo morre a cada dia
e foge no pó dos sentidos.


Esquife

Os ponteiros do relógio
esquentam os segundos
enquanto na rua passa
   num caixão vazio
   o cadáver vivo
do momento do frio.


Solidão

O céu branco e a branca pele,
os olhos cinzas e os lábios frios,
e um gemido no imutável espaço,
o relógio a marcar compasso,
  no espírito um calafrio.


Penumbra

Rosto na sombra colado,
quem ouve meu grito agudo?
"ninguém", responde-me a sombra
          ao lado.
Momento de tensão,
estou louco, lúcido, abismado,
fujo do grito mudo,
mudo em grito calado.
Quem ouve meu grito agudo?
"Ninguém", responde-me a sombra
       ao lado.


Silêncio

Não posso falar agora
   deixa-me sonhar
   entregue ao sono.
Sou respiração contida
    no silêncio
vontade adormecida
    entre os dedos.

Não posso falar agora,
   há um sussurro
   de amenidades.
Deixa-me sonhar
   que serei breve.

Não posso falar agora
que estou inconsútil
       e leve.

Este livro foi lançado em 2003. Carlos Roberto Husek

terça-feira, 21 de maio de 2013

Destacando Casimiro de Abreu/outros e algumas considerações


"Minh`alma é triste"
                      Casimiro de Abreu

"Minh`alma é triste como a voz do sino
Carpindo o morto sobre a laje fria;
E doce e grave qual no templo um hino,
Ou como a prece ao desmaiar do dia..

Se passa um bote com as velas soltas,
Minh`alma  o segue n`amplidão dos mares;
E longas horas acompanha as voltas
Das andorinhas recortando os ares.

..............................................................

Dizem que há gozos no correr dos anos!...
Só eu não sei em que o prazer consiste,
- Pobre ludíbrio de cruédis enganos,
Perdi os risos - a minh`alma é triste.

..........................................................

Minh`alma é triste como a flor que morre
Pendida à beira do riacho ingrato;
Nem beijos dá-lhe a viração que corre,
Nem doce canto o sabiá do mato!

..........................................................

Dizem que há gozos no viver d`amores,
Só eu não sei em que o prazer consiste!
 - Eu vejo o mundo na estação das flores...
Tudo sorri - mas a minh`alma é triste!

Minh`alma é triste como o grito agudo
das arapongas no sertão deserto;
E como o nauta sobre o mar sanhudo,
longe da práia que julgou tão perto!

...........................................................

Dizem que há gozos no correr da vida...
Só eu não sei em que o prazer consiste!
- No amor, na glória, na mundana lida,
Foram-se as flores - a minh`alma é triste!."

Casimiro José Marques de Abreu nasceu no Estado do Rio em 1839 e morreu em 1860. Viveu somente 21 anos e o pouco que viveu conseguiu ter uma profundidade de sentimentos concretizados em poemas tidos por ingênuos, românticos, em certo sentido simplórios, mas, no entanto, pela pouca  idade e pela vida que poderia ter pela frente, produziu muito e com altíssimas notas sentimentais. Não é muito do gosto das novas gerações que somente conseguem ver nesta espécie de poesia uma certa alienação romântica, defasada do mundo, alienada e piegas. No entanto, embora não fosse um poeta erudito, cerebral, filosófico (nem poderia, mal saíra da adolescência; naqueles tempos a meninice e a adolescência se prolongavam, e por vezes os sentimentos - hoje tidos como infantis - perduravam nos espíritos mais amadurecidos). Poeta das "Primaveras", da infância, da simplicidade: ("Oh que saudades que eu tenho/ da aurora da minha vida, da minha infância querida/ que os anos não trazem mais"). Por outro lado, a tristeza - seu motivo e vivência, plasmou a alma nacional em diversos poetas, de outras gerações e de outros credos: Castro Alves ("Sinto que vou morrer! Posso, portanto/ A verdade dizer-te santa e nua:/ Não quero mais teu amor! Porém minh`alma/ Aqui, além, mais longe, é sempre tua."); versos feitos para Eugênia Câmara, amor frsustrado; Olavo Bilac (Maldita sejas pelo Ideal perdido!/ Pelo mal que fizeste sem querer!/ pelo amor que morreu sem ter nascido! pelas horas vividas sem prazer!/ Pela tristeza do que eu tenho sido!/ Pelo esplendor do que eu deixei de ser!..."); Augusto de Lima ("O desejo sem posse é o mal presente./ Se a posse sem desejo é o bem futuro,/ melhor é desejar eternamente!"); Alceu Wamosy ("E a manhã, quando a luz do sol dourar, radiosa,/ essa estrada sem fim, deserta, imensa, nua,/ podes partir de novo, ó nômade formosa!/ Já não serei tão só, nem irás tão sozinha!/ Há de ficar comigo uma saudade tua.../ Hás de levar contigo uma saudade minha..."). Também foi para a música, para o samba ("Quando eu morrer, não quero choro nem vela, quero uma rosa amarela, cravada com o nome dela"; "queixo-me às rosas/ mas que bobagem/ as rosas não falam/ as rosas simplesmente exalam o perfume que roubam de ti/Querias ver os meus versos tristonhos (não é este o verso, mas sim a idéia)/ e quem sabe sonhavas meus sonhos/ por fim.""Tristeza não tem fim/ felicidade, sim..."/. Enfim, a alma brasileira, dos românticos aos modernistas e pós-modernista, na poesia, na música, nas artes em geral tem um sentimento de tristeza, de beleza triste, de abandono. E, convenhamos - pelo menos para nós - não dá para fazer poesia em meio ao riso, em meio à total alegria (se é que existe alegria pura, assim como não existe tristeza pura...). Mesmos os versos mais alegres e descompromissados tem um quê de tristeza, porque fazer versos é escrever sobre a vida, sobre o ser humano, e nós somos seres contingentes, circunstanciais, dependentes de nossas relações eivadas de momentos, idiossincráticos, frágeis... Dentro do nosso corpo, entre os seus ossos, entre os seus músculos, esconde-se uma criança que busca viver os papéis que a sociedade escreve no e para o  seu tempo. Não é assim...? A poesia é a janela aberta para o interior de cada um. Carlos Roberto Husek 

domingo, 19 de maio de 2013

Um pouco de Mia Couto (e de mim, miacouteando)


"No teu rosto"

"No teu rosto
competem mil madrugadas

No teus lábios
a raiz do sangue
procura suas pétalas

A  tua beleza
é essa luta de sombras
é o sobressalto da luz
num tremor de água
é a boca da paixão
mordendo o meu sossego"


"Poema  da despedida"

"Não saberei nunca
dizer adeus

Afinal,
só os mortos sabem morrer."


"(Escre)ver-me"

nunca escrevi

sou
apenas um tradutor de silêncios

a vida
tatuou-me nos olhos
janelas
em que me transcrevo e apago

sou um soldado
que se apaixona
pelo inimigo que vai matar."

Mia Couto nasceu na Beira, Moçambique, em 1955. É um dos grandes e modernos autores de lingua portuguesa. Sua poesia tem a solidão da África e a individualidade solitária de um africano, que no seu campo de visão vê um mundo distante.Sua escrita tem imagens ricas, novas, nunca antes postas. Não tem a pseudo lógica da coisas que vemos. Mia Couto não escreve - asssim como quase todo poeta - com  a parte consciente do cérebro e sim com o seu inconsciente, só isto explica a criação de frases ou versos como: "No lugar do corpo onde esperou/ sua vida frutificar/ vai agora afagando a imobilidade"; "preciso ser um outro/ para ser eu mesmo"; "Magoa-me a saudade/ do tempo em que te habitava/ como o sal ocupa o mar/ como a luz recolhendo-se/ nas pupilas desatentas."

Hoje estou um pouco Mia Couto e escrevo:

Fundo do oceano,
         vazio de águas...

Sou (O que sou?)

Um barco
      submergido,
agora cercado
de carcaças
    de animais
       e de plantas.

Todos...

Estamos
em areia, pedra
          e cal.

No alto...

A imensidão
de um continente
           só paredes.

Aqui, o chão...

Em tudo,
espaços solitários
repletos de vazios.

Carlos Roberto Husek

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Dez pequenos poemas sem título


           I

 A vida passa,
em busca da
              verdade,
enquanto no forno
           da existência
o coração arde.   

            II

Por vezes há gotas de luz
       esparzidas
em pequenas camadas
que não absorvem
        os estragos
das grandes feridas.

           III

Fica no ar a possibilidade
de olhar no horizonte
                      perdido,
um raio esquecido.

           IV

Às vezes o dia se vai
apagando de mansinho
a luminosidade do caminho.

           V

Meus olhos cismavam.
      Eram puros...
Brilhavam, reverberavam,
mesmo nos dias escuros.

           VI

Apanho rosas pelos caminhos,
    e me firo de espinhos.

          VII

Ouço o som de coisas mortas,
      compassadamente
batendo em todas as portas.
 como se fosse o presente.

          VIII

Arrasto chinelos que não visto,
por ruas que não ando...

           IX

Vou de ponto em ponto
fazendo sinal à condução
                  que passa,
passa...passa...passa...

            X
 
Estes olhos, meus olhos,
Estes ouvidos, meus ouvidos,
Estes lábios, meus lábios,
    e nenhum sentido...

Carlos Roberto Husek     

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Alguns versos - pensar...


"Profundamente"
               Manuel Bandeira

"Hoje não ouço mais as vozes daquele
tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?

- Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente."


"Fuzilado"
         Jacques Prévert

"As flores, os jardins, os repuxos, os risos,
e a doçura da vida.
..................................................................
Jaz um homem no chão, criança adormecida."


"O guardador de rebanhos"
                           Fernando Pessoa
                         (Alberto Caeiro)

"Ah, como os mais simples dos homens
São doentes e confusos e estúpidos
Ao pé da clara simplicidade
E saúde em existir
Das árvores e das plantas!
...........................................................
Há metafísica bastante em não pensar em nada.
...................................................................
Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todas as sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
................................................................

Se às vezes digo que as flores sorriem
E se eu disser que os rios cantam,
Não é porque eu julgue que há sorriso nas flores
E canto no correr dos rios...
É porque assim faço mais sentir aos  homens falsos
A existência verdadeiramente real das flores e dos rios." 

Carlos Roberto Husek

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Olavo Bilac e Freud


"Assombração"

"Conheço um coração, tapera escura,
Casa assombrada, onde andam penitentes
Sombras e ecos de amor, e em que perdura
A saudade presença dos ausentes.

Evadidos da paz da sepultura,
Num talatar de tíbias e de dentes,
Revivem os fantasmas da ternura,
Arrastando sudários e correntes.

Rangem os gonzos no bater das portas,
E os corredores enchem-se de prantos...
Um mundo de avejões do chão se eleva,

Ressuscitado pelas horas mortas:
Frios abraços gemem pelos cantos,
Beijos defuntos fogem pelas treva."

Olavo Bilac conseguiu, como poucos, descrever os sentimentos vivos que vivem em alguns corações quase esquecidos de relacionamentos passados. Pode ser um relacionamento de mãe, de amigos, de amores vários. Uma casa assombrada em que está presente a saudade, além de fantasmas de ternura, "arrastando sudários e correntes", braços frios que "gemem pelos cantos" e "beijos defuntos" que "fogem pelas trevas". É uma morada de sentimentos que deveriam estar enterrados, mas que foram juntados como condôminos num mesmo espaço, sem janelas, sem alimento, sem luz. Alguns deles revoltam-se e buscam ar, outros se conformam, outros ainda, tentam a transformação para saírem daquele cubículo (daquela tapera) renovados para outros sentimentos, outras formas de agir (trabalho,estudo, arte). Todavia, acabam "ressuscitados pelas horas mortas". Freud entendia disso... Carlos Roberto Husek

domingo, 12 de maio de 2013

Cadeias


Cadeias...

Todos estamos presos
às nossas circunstâncias
e brincamos com as palavras
e brincamos com a vida.

Cadeias...

E a vida se vai,
a cada minuto,
a cada hora,
a cada dia.

Cadeias...

Se de ferros
           suas grades...
se de madeira
           suas grades...
se de espumas
           suas grades...
as construímos
    e as derrubamos.

Cadeias...

Que se libertam
           pela morte.
desenhadas que foram
em páginas em branco.

Cadeias...

Histórias...
uma sequência
sem número,
        sem pauta,
sem começo,
        sem fim.

Cadeias...

Uma vida,
     um retrato,
         um suspiro,
e o som
do pensamento
moldando os ferros,
   as madeiras,
as espumas,
em um livro
     inexistente,
publicado
     nas gráficas
     do infinito
para leitores
     imaginários.

Carlos Roberto Husek

sábado, 11 de maio de 2013

Um poema



É possível encontrar
no meio da floresta escura
um raio de Lua?
Um regato, manso fio
                     d´água
cantando a mágoa?
Uma fímbria desocupada
de uma gota perdida
numa folha lustrada?

Afundando na mata fria
um fio de água sorria
e uma cor branca
na sua superfície de lata,
esticava-se entre sombras
     uma Lua de prata,
e uma gota brilhante  
numa folha caída
    deixava um rastro
                  de vida.

Aqui está mais um poema sem nome. É certo, no entanto, que a Lua, a gota de água, a folha e outros elementos estão em algum lugar  nesta floresta escura que temos (todos nós) dentro do coração. Carlos Roberto Husek

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Maria preta


Abaixo uma poesia que fiz - há algumas horas - quando soube da internação de uma serviçal (talvez, 90 anos de idade, ou mais...não se sabe... empregada, escrava..?) que trabalhava desde os 8 anos em uma casa de família, deixada que foi pelo pai, lá pelos idos de 1930.


Balada da Maria Negrinha



Maria preta,
       Maria negrinha,
que viveu como escrava,
  cada vez mais negra
             e sozinha.

Andar miúdo,
pequeno, arrastado,
   chinelos de tira,
o pé na meia enfiado,
Maria preta,
       Maria negrinha,
Maria do sobrado.

À noite sentava-se,
cotovelos apoiados,
segurando as têmporas,
     mãos do lados,
entre os dedos
cabelos carapinha,
Maria preta,
       Maria negrinha.

Mastigava detritos
nas gengivas nuas,
arrastava seus passos
entre os muros da casa,
   nunca nas ruas.

E servia os patrões,
e estes dela se serviam,
   quieta postava-se
nesta única via,
entre o quintal
          e o quarto,
o banheiro
          e a cozinha.

Roupas pendurava,
   o chão varria,
lavava louça,
a sujeira recolhia,
Maria preta,
       Maria negrinha.

Em torno dos olhos,
a pele de azeviche,
enrugada pelo tempo,
dobrada em folhas
a epiderme de piche.

Não era mulher,
       não foi menina,
o sexo não lhe contava
em nenhum braço
           se aninhava,
não era flor,
   e sim erva daninha,
Maria preta,
        Maria negrinha.

Só era uma sombra

entre o quintal
             e o quarto,
o banheiro
           e a cozinha.

Pobre Maria,
          Maria preta,
Maria negrinha...

Carlos Roberto Husek

terça-feira, 7 de maio de 2013

Cultivando o impossível


Escrever versos, fazer poemas...! Não é fácil - não pelas regras gramaticais - mas pelas espirituais. Há períodos de seca, de seca total. Nada se cria, nada medra. Dois fatores básicos: ou a vida está tão repleta de eventos, de mortes, de afazeres, de conquistas, de diabruras, de embates psicológicos, ou parece o fim dos tempos: tudo se aquieta como num deserto em que o sol está queimando a areia e nenhuma brisa faz movimentar a paisagem. Em outras palavras: ou a vida social e profissional ocupa o espaço total dos dias ou a solidão é tão grande que sequer restam os sentimentos e as palavras, só um olhar sem lágrimas a medir as distâncias. Época de cheias e de vazios! Na verdade, tudo, depois de algum tempo, produz poesia, porque quaisquer movimentos ou quaisquer quietudes vão acumulando sentimentos.  Estou na entresafra: repleto nos dias, vazio nas noites: claro/escuro; escuro/claro. Só tenho uma certeza: há um deserto no que escrevo; um deserto de palavras, um deserto de leitores, um deserto de idéias. Escrevo-me; reescrevo-me; leio-me; releio-me. Estou montado no cavalo dos vocábulos cavalgando sobre pedras secas; estou cultivando rosas em savanas; estou buscando guardar pingos espaçados de chuva em canecas vazias. E, com as poucas palavras, com algumas rosas e com algumas gotas, falo baixinho para flores quietas e com as pontas dos dedos deixo cair o orvalho recolhido sobre pétalas já pálidas. .............................. O pontilhado fala mais. Carlos Roberto Husek