segunda-feira, 28 de outubro de 2013
Espiral 3
Atender,
e desatender,
na sinuosidade
do intento.
Sons e cores
na configuração
do desentendimento.
Especificidade
do momento,
momentâneo
deslumbramento.
Forçosamente
vejo-me isento
na exata medida
do meu livre
comprometimento.
Na labirintosa
geografia
do meu entendimento,
sou terra inculta,
erva sem nome,
caminho incerto,
curva sem rio,
pedra
sem polimento.
Por isso
estou aqui,
por isso
estou ausente,
o prumo deste
equilíbrio,
sem colunas
ou estacamento.
Deixando-me levar
pela voz
de tempos passados,
deixando-me levar
pela voz
do vento.
Carlos Roberto Husek
domingo, 27 de outubro de 2013
Espiral 2
Espiral,
circunvoluções,
sinapses, sinapses,
eletricidade.
No horizonte
da esquina,
no horizonte
da cidade.
Raios em profusão
dos faróis
nos cruzamentos
riscando o ar
das ruas e avenidas,
a saciedade.
No horizonte
da esquina,
no horizonte
da cidade.
A solidão
se materializa
entre postes, prédios,
luzes, ruídos,
em simbiótica
solenidade.
No horizonte
da esquina,
no horizonte
da cidade.
Um Solrac solitário
a simbiose invade,
há mortes esperadas
e cadáveres insepultos,
nas artérias da cidade.
Carlos Roberto Husek
sexta-feira, 25 de outubro de 2013
Espiral
Fim de tarde...
Sobre os prédios da cidade
há um resto de sol que arde,
um resto de sol que arde,
resto de sol que arde,
de sol que arde,
que arde,
no fim abrasante
e sufocante da tarde.
Surge no cérebro em pânico
um pensamento prânico,
de respiração contida,
de resto inocente de vida,
resto inocente de vida,
inocente de vida,
de vida.
E acaba com a noite vasta,
o que pintara o dia,
e em cada estrela do éter,
brilha em luz uma agonia,
em luz uma agonia,
uma agonia.
Só os grilos e os sons surdos
espalham-se nas ruas perdidas,
todos dormem sem vida,
dormem sem vida,
sem vida.
Há uma solidão, um abandono
a embalar o sono,
a embalar o sono,
o sono,
e no sonho que inunda o espaço,
o espírito não tem cansaço,
não tem cansaço,
e leve voa sobre os prédios
da cidade,
da cidade,
que a noite invade
a noite invade,
invade.
No âmago das coisas mortas,
há dias e tardes terminantes,
e noites iniciantes,
em todas as portas,
em todas as portas.
que se abrem e fecham
no fim da tarde,
no fim da tarde,
sobre os prédios da cidade,
da cidade.
Carlos Roberto Husek
quarta-feira, 16 de outubro de 2013
Saga do Rio 2
Nossa vida,
este fio longo solto,
este barco de madeira escura,
que vai ao sabor dos ventos rudes,
carregando um vazio de tábuas e de redes,
um vazio de tempo e de víveres,
um vazio de tempos vividos,
um vazio de vida,
vai mudo.
Entorno
o lamento das ondas,
o barulho das batidas sincopadas,
nos cascos úmidos de madeira velha,
que rangem como se fossem negros escravos,
que remassem cantando rio adentro,
chorosos em doídos lamentos,
corpos nus agachados,
fios de vida.
Açoites,
na escuridão da noite,
açoites escuros do final do dia,
açoites que amordaçam gemidos e gritos,
descontrolados, chicoteando, construindo feridas,
ritmados, repetidos em sonhos retidos,
que estiram no ar o sangue,
sístole e diástole,
em nuvens.
Olhos,
água nos olhos,
escorrendo pelas laterais,
pingando nas verticais da face,
posto nos lábios, nas alcovas das gengivas,
engolidas secas na garganta,
cadáveres depositados,
nos ventrículos
expostos.
Ficam lá
à espera dos anos,
quando se tornarem águas escuras,
grudadas nas paredes internas das faces,
à espera de serem exumadas, livres do passado,
empurradas pelos esgotos das fossas,
como excrementos da vida,
para águas comuns,
ignotas.
Assim,
nossos sofrimentos,
dilacerados e inconsequentes,
arrebentam-se nos poros e músculos,
e depois de muito tempo, passados dias e noites,
infindáveis sobre notas internas,
arrefecem e criam cascas,
indolores, amortecidos,
se vão.
Carlos Roberto Husek
domingo, 13 de outubro de 2013
Saga do Rio 1
O rio
tem curvas,
tem pedras e segue,
tem nichos e segue e segue,
despreparado, desiludido de folhas,
de pássaros solitários e sóis,
que se multiplicam,
seguindo ondas,
desfeito.
Do leito,
na profundidade,
por vezes um canto triste,
um ruído, um ruído muito triste,
que se perde nas laterais, desmaiado,
pelos fatos, caminhos de ninguém,
que não sabe como termina,
em águas cantantes,
sem passado.
Passagem,
mera passagem,
contínua e célere passagem,
complacente, reflexiva, repentina,
refúlgida, revivida, em gotas revestidas,
de pequenas e claras ondulações,
de imperfeições adaptadas,
que se penteia,
absorto.
Um rio
de água plácida,
de água translúcida,
de água que se engrosse,
um fio de água que marulha,
e se amarga contornando.
pedras, folhas, galhos,
e depois se enfatua,
insolúvel.
Assim,
nossa vida,
misteriosa vida,
que contorna obstáculos,
cresce, engrossa, fortalece, canta,
carrega triste seus problemas,
escurece-se e chora e ri,
ondula-se livre,
e morre.
Carlos Roberto Husek
quinta-feira, 10 de outubro de 2013
ParepareParis
Ao lado do Sena
passam os amantes
como se tivessem
chegado antes,
antes das águas
que percorrem
as margens sinuosas,
antes de seus muros
de pedras e arcos.
Chegaram de leve
carregados de lenços,
e de boinas e luvas,
enquanto o frio
cai em pedaços
como bagos de uvas,
cintilante,
iluminado,
por contornos
indefindos,
materialmente
tangível.
Um frio em globos
e taças,
um frio de vinho
e de quentura
que cai em pedaços,
em meio a bruma.
"La nuit tombe"
no "ciel noir",
no "ciel gris",
no "ciel rouge"
noite "pâle",
de um luar escondido,
de uma garoa fina,
de um simbioso gemido,
e os lábios se grudam
em um beijo demorado,
tudo promete
neste encontro
de esperanças,
ao mesmo tempo,
amantes,
ao mesmo tempo,
crianças.
Os olhares declinam
os mais antigos verbos,
que somente se revelam
entre os servos,
de um sentimento,
de corpos e alquimia
e espiritualidade
e que geme nos cafés
entre olhares
que decifram
esta bilateralidade,
cada qual com seu olhar
sinuoso como o rio,
um olhar de quietude,
de amparo e de desejos
de restos,
e de complementos,
de incertezas,
e de beijos.
Ao lado do Sena
passam os amantes,
braços cruzados
à altura das cinturas,
vão sendo molhados
por suas fantasias,
alegrias
e amarguras.
Há um borbulhar
nas águas cantantes,
que acompanham
os pares
e os impares,
solitários personagens
desenhados
nos cabarés,
nas praças,
e nas ruas,
cujas pedras centenárias
brilham solitárias
e nuas.
Aos poucos a madrugada
amortece as estátuas
e os telhados
que se comprimem
entre sótãos e chaminés
e quadrantes janelas,
sobre os postes
e cafés.
Sobram os cúmplices
que se abraçam
respirando em sintonia
esperando que a noite
revele atrás das pontes
as pontas do dia.
Assim Paris desfalece
e morre e anoitece.
e depois renasce
para sempre amar
com o mesmo olhar
a mesma face,
a mesma prece.
Carlos Roberto Husek
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