domingo, 1 de dezembro de 2013
Sono sob a pedra
Há um sono sob a pedra,
uma respiração,
um som abafado.
A pedra está íntegra
sobre a grama,
com todos os seus lados,
de mesma textura,
angulosamente postos,
plenos de sombras
e de claridades,
recebendo o sopro
de ventos diversos,
deixando-se embater
sem nenhuma reação.
Não se move
nenhum milímetro.
Há alguns seres
em sua base,
pequenas aranhas,
minhocas
que se escondem,
formigas que sobem
pelas suas paredes,
joaninhas perdidas,
caracóis enrolados,
e um musgo,
umedecido
e esverdeado,
que cria vidas
circundando-a
de efervecentes
microorganismos.
O mundo para sob
sua arquitetura,
sob as fímbrias
de sua abóbada,
e se desenvolve
em probabilidades.
Há uma natureza
que encolhida
não está ligada
ao macrocosmo,
às distância entre os astros
e pouco influência sofre
dos grandes eventos.
Há um sono sob a pedra,
uma respiração,
um som abafado.
Esquecida em seu habitat
a pedra dorme
e os dias passam
incomunicáveis.
Carlos Roberto Husek
sábado, 30 de novembro de 2013
Décio Pignatari/Homenagem
Um poema concreto,
feito de imagens
e cimentos,
de estruturas
e ponteiros,
de escadas
e de janelas,
de cores
e de estrias,
de pedras
e de sons,
de luzes
e de sombras,
de encaixes
e de pedaços,
solto, livre,
interpretativo...
.........................
É um poema vivo!
Carlos Roberto Husek
segunda-feira, 28 de outubro de 2013
Espiral 3
Atender,
e desatender,
na sinuosidade
do intento.
Sons e cores
na configuração
do desentendimento.
Especificidade
do momento,
momentâneo
deslumbramento.
Forçosamente
vejo-me isento
na exata medida
do meu livre
comprometimento.
Na labirintosa
geografia
do meu entendimento,
sou terra inculta,
erva sem nome,
caminho incerto,
curva sem rio,
pedra
sem polimento.
Por isso
estou aqui,
por isso
estou ausente,
o prumo deste
equilíbrio,
sem colunas
ou estacamento.
Deixando-me levar
pela voz
de tempos passados,
deixando-me levar
pela voz
do vento.
Carlos Roberto Husek
domingo, 27 de outubro de 2013
Espiral 2
Espiral,
circunvoluções,
sinapses, sinapses,
eletricidade.
No horizonte
da esquina,
no horizonte
da cidade.
Raios em profusão
dos faróis
nos cruzamentos
riscando o ar
das ruas e avenidas,
a saciedade.
No horizonte
da esquina,
no horizonte
da cidade.
A solidão
se materializa
entre postes, prédios,
luzes, ruídos,
em simbiótica
solenidade.
No horizonte
da esquina,
no horizonte
da cidade.
Um Solrac solitário
a simbiose invade,
há mortes esperadas
e cadáveres insepultos,
nas artérias da cidade.
Carlos Roberto Husek
sexta-feira, 25 de outubro de 2013
Espiral
Fim de tarde...
Sobre os prédios da cidade
há um resto de sol que arde,
um resto de sol que arde,
resto de sol que arde,
de sol que arde,
que arde,
no fim abrasante
e sufocante da tarde.
Surge no cérebro em pânico
um pensamento prânico,
de respiração contida,
de resto inocente de vida,
resto inocente de vida,
inocente de vida,
de vida.
E acaba com a noite vasta,
o que pintara o dia,
e em cada estrela do éter,
brilha em luz uma agonia,
em luz uma agonia,
uma agonia.
Só os grilos e os sons surdos
espalham-se nas ruas perdidas,
todos dormem sem vida,
dormem sem vida,
sem vida.
Há uma solidão, um abandono
a embalar o sono,
a embalar o sono,
o sono,
e no sonho que inunda o espaço,
o espírito não tem cansaço,
não tem cansaço,
e leve voa sobre os prédios
da cidade,
da cidade,
que a noite invade
a noite invade,
invade.
No âmago das coisas mortas,
há dias e tardes terminantes,
e noites iniciantes,
em todas as portas,
em todas as portas.
que se abrem e fecham
no fim da tarde,
no fim da tarde,
sobre os prédios da cidade,
da cidade.
Carlos Roberto Husek
quarta-feira, 16 de outubro de 2013
Saga do Rio 2
Nossa vida,
este fio longo solto,
este barco de madeira escura,
que vai ao sabor dos ventos rudes,
carregando um vazio de tábuas e de redes,
um vazio de tempo e de víveres,
um vazio de tempos vividos,
um vazio de vida,
vai mudo.
Entorno
o lamento das ondas,
o barulho das batidas sincopadas,
nos cascos úmidos de madeira velha,
que rangem como se fossem negros escravos,
que remassem cantando rio adentro,
chorosos em doídos lamentos,
corpos nus agachados,
fios de vida.
Açoites,
na escuridão da noite,
açoites escuros do final do dia,
açoites que amordaçam gemidos e gritos,
descontrolados, chicoteando, construindo feridas,
ritmados, repetidos em sonhos retidos,
que estiram no ar o sangue,
sístole e diástole,
em nuvens.
Olhos,
água nos olhos,
escorrendo pelas laterais,
pingando nas verticais da face,
posto nos lábios, nas alcovas das gengivas,
engolidas secas na garganta,
cadáveres depositados,
nos ventrículos
expostos.
Ficam lá
à espera dos anos,
quando se tornarem águas escuras,
grudadas nas paredes internas das faces,
à espera de serem exumadas, livres do passado,
empurradas pelos esgotos das fossas,
como excrementos da vida,
para águas comuns,
ignotas.
Assim,
nossos sofrimentos,
dilacerados e inconsequentes,
arrebentam-se nos poros e músculos,
e depois de muito tempo, passados dias e noites,
infindáveis sobre notas internas,
arrefecem e criam cascas,
indolores, amortecidos,
se vão.
Carlos Roberto Husek
domingo, 13 de outubro de 2013
Saga do Rio 1
O rio
tem curvas,
tem pedras e segue,
tem nichos e segue e segue,
despreparado, desiludido de folhas,
de pássaros solitários e sóis,
que se multiplicam,
seguindo ondas,
desfeito.
Do leito,
na profundidade,
por vezes um canto triste,
um ruído, um ruído muito triste,
que se perde nas laterais, desmaiado,
pelos fatos, caminhos de ninguém,
que não sabe como termina,
em águas cantantes,
sem passado.
Passagem,
mera passagem,
contínua e célere passagem,
complacente, reflexiva, repentina,
refúlgida, revivida, em gotas revestidas,
de pequenas e claras ondulações,
de imperfeições adaptadas,
que se penteia,
absorto.
Um rio
de água plácida,
de água translúcida,
de água que se engrosse,
um fio de água que marulha,
e se amarga contornando.
pedras, folhas, galhos,
e depois se enfatua,
insolúvel.
Assim,
nossa vida,
misteriosa vida,
que contorna obstáculos,
cresce, engrossa, fortalece, canta,
carrega triste seus problemas,
escurece-se e chora e ri,
ondula-se livre,
e morre.
Carlos Roberto Husek
quinta-feira, 10 de outubro de 2013
ParepareParis
Ao lado do Sena
passam os amantes
como se tivessem
chegado antes,
antes das águas
que percorrem
as margens sinuosas,
antes de seus muros
de pedras e arcos.
Chegaram de leve
carregados de lenços,
e de boinas e luvas,
enquanto o frio
cai em pedaços
como bagos de uvas,
cintilante,
iluminado,
por contornos
indefindos,
materialmente
tangível.
Um frio em globos
e taças,
um frio de vinho
e de quentura
que cai em pedaços,
em meio a bruma.
"La nuit tombe"
no "ciel noir",
no "ciel gris",
no "ciel rouge"
noite "pâle",
de um luar escondido,
de uma garoa fina,
de um simbioso gemido,
e os lábios se grudam
em um beijo demorado,
tudo promete
neste encontro
de esperanças,
ao mesmo tempo,
amantes,
ao mesmo tempo,
crianças.
Os olhares declinam
os mais antigos verbos,
que somente se revelam
entre os servos,
de um sentimento,
de corpos e alquimia
e espiritualidade
e que geme nos cafés
entre olhares
que decifram
esta bilateralidade,
cada qual com seu olhar
sinuoso como o rio,
um olhar de quietude,
de amparo e de desejos
de restos,
e de complementos,
de incertezas,
e de beijos.
Ao lado do Sena
passam os amantes,
braços cruzados
à altura das cinturas,
vão sendo molhados
por suas fantasias,
alegrias
e amarguras.
Há um borbulhar
nas águas cantantes,
que acompanham
os pares
e os impares,
solitários personagens
desenhados
nos cabarés,
nas praças,
e nas ruas,
cujas pedras centenárias
brilham solitárias
e nuas.
Aos poucos a madrugada
amortece as estátuas
e os telhados
que se comprimem
entre sótãos e chaminés
e quadrantes janelas,
sobre os postes
e cafés.
Sobram os cúmplices
que se abraçam
respirando em sintonia
esperando que a noite
revele atrás das pontes
as pontas do dia.
Assim Paris desfalece
e morre e anoitece.
e depois renasce
para sempre amar
com o mesmo olhar
a mesma face,
a mesma prece.
Carlos Roberto Husek
segunda-feira, 23 de setembro de 2013
PoÉtIcA
V
a V
l a
e, l
e,
embaixo
entre árvores
en
tre
ár
vo
res
uu...mm rr..ii..oo
en
uu...
tre
mm...
ár
rr...
vo
ii...
res
oo...
Afundam
nas águas
b
o
o
olhas
e o reflexo
da lua que
fluuuutua
flutuuuuuuua.
Estou só,
apegado
à imagem
nesta
paragem,
parada no ar,
cibernética
hermética,
e envio
tudo
pelo blog,
caia
onde c
a
i
r.
Que o vale
e o rio
estão dentro
do meu corpo
eCH
f aDO
núcleo,
célula.
que aos poucos
se avulta,
e
c
s
e
r
c
e sai pelos
olhos
como
uma lágrima
e explode
em pequenos
c..a..c..o..s
Carlos Roberto Husek
quarta-feira, 11 de setembro de 2013
Circunstâncias
Eternidade,
nas palavras,
nos gestos,
no olhar
imaterializados
pelo tempo.
Palavras
que sucumbem
aos verbos
da cidade.
Gestos
desenhados
que se perdem
na solidão
dos quartos.
Olhos
que divisam
transparências
nas cortinas.
Um mendigo
das palavras,
dos gestos,
dos olhares,
pede nas esquinas
as sobras
da comunicação
e deixa o sol
iluminar-lhe
o rosto,
e o vento
fustigar-lhe
a pele,
e a chuva
umedecer-lhe
os lábios.
Agachado
nos cantos,
observa as formas
de eternizar
a vida.
Carlos Roberto Husek
terça-feira, 10 de setembro de 2013
Duplicidade
Tenho em mim
um mendigo
que ficaria décadas
nas calçadas,
e um rei
sendo servido
em bandejas
de prata.
Pego-me às vezes
imaginando
conformado
a tais destinos...
Ser o rei
com seu séquito
de servidores
e de repente,
assim que desse,
e quando,
tornar-me o mendigo.
Tenho em mim,
creio,
um grande Deus
e um pobre diabo
neste mundo
de recreio.
Hoje...
Estou mendigando,
a pedir esmolas
em cada esquina,
e do céu
sobre a minha
cabeça
cai uma chuva fina.
Carlos Roberto Husek
terça-feira, 3 de setembro de 2013
Operário invertido
Desconstrução...
Des
cons
tru
ção...
A poeira que sobra
e que se acomoda
na palma da mão,
invade a alma
na decodificação,
e vai emparedando
os dias
na desilusão,
de reconstruir
o destruído
na des
cons
tru
ção.
Carlos Roberto Husek
domingo, 1 de setembro de 2013
Operário de mim mesmo
Operário
de mim mesmo,
construo
com as sobras
do dia anterior,
cada raciocínio
cada sentimento,
cada dor,
e vou levantando
muros,
subindo degraus,
torres subindo,
fiz masmorras,
e quartos escuros,
e em torno
desse castelo,
fortificado,
criei um lago
de águas profundas,
de águas profundas
criei um lago.
Operário
de mim mesmo,
faço cálculos,
grandes projetos,
e desmaio
soterrado,
pelos blocos
de concreto.
Carlos Roberto Husek
quinta-feira, 22 de agosto de 2013
Operário
Um operário
do pensamento.
Construo
o que ora invento.
Um personagem
feito de doçura
e olhos de mel
e um sorriso safado
de quem se perdeu.
Mas este conjunto,
não alberga
impropriedades,
quem se perde
perde-se à toa,
perde-se de verdade.
Na construção
dessa figura,
apenas figura,
a alegria da vida,
nem conquistada,
nem perdida.
Tem pétalas
no caminho
e alguns poucos
espinhos.
Um operário
dessa arquitetura,
assento em sonho
a mocidade.
Moça e idade
que de moça
e velha
tem a mistura,
nas perdidas
ruas
da cidade.
Um ar maroto
e uma brandura.
Um convite
a insensatez.
Insensato seria
quem não se perde
de vez.
Mas perder-se
é só eufemismo,
pois a pintura
se desfaz.
E na porta
do Paraíso.
termina em nuvem
este dia.
Ai, que bom seria,
não acordar jamais.
Carlos Roberto Husek
quarta-feira, 21 de agosto de 2013
Resta
Resta...
Esta é uma palavra
que resta.
Quando tudo se perde,
ainda resta resta.
Quando a vida
não tem significado,
resta.
Quando a loucura evolui,
resta.
Ainda resta resta.
Há um lugar,
um sítio,
um pensar,
para me encontrar,
para te encontrar,
para nos encontrar,
resta,
resta este lugar.
Quando a política
involui,
resta.
Quando a comunicação
cessa,
resta.
Quando a amizade decai,
resta.
Quando a antipatia
sobressai,
resta.
Quando o coração
se fecha,
resta.
Quando os olhares
estão perdidos,
resta.
Quando a ética sucumbe,
resta.
Resta, ainda resta.
Há um espaço,
recôndito,
escuro,
canto, encanto, puro,
resta.
Para fugir de tudo,
fugir do mundo,
resta.
Para amar o impossível,
e ser produtivo
e vagabundo,
resta este lugar,
resta.
Fim de festa,
resta.
Fim de velório,
resta.
Fim do momento,
resta.
Fim da vitória,
resta.
Fim da derrota,
resta.
Fim da vontade,
resta.
Fim da vida,
resta a morte
com sua despedida.
Fim da despedida,
resta o momento
de vida.
Fim de uma fase,
resta outra
em frase.
Fim de um discurso,
resta o que fica.
Fim do começo,
resta o início
do fim.
Fim do fim,
ainda resta o não,
ou a afirmação do sim.
Resta meu abraço,
no meu braço,
os meus olhos,
nos meus olhos,
ainda resta.
Resta uma possibilidade
indefinida,
resta.
Resta recomeçar
de novo,
resta.
Renascer como um ovo
e desabrochar
como uma rosa,
e criar novos espinhos,
e encetar novas prosas,
e viver novos caminhos,
e beijar novos rostos,
e sentir calafrios,
e entregar-se ao consumo,
do carinho oferecido,
pelo desconhecido
que passa,
e suspirar novos tempos,
e entrelaçar dedos virgens,
e criar flores,
e recriar novas raízes.
Resta,
resta,
resta,
ainda resta.
Carlos Roberto Husek.
terça-feira, 13 de agosto de 2013
A Ilusão da vida
Um deserto
a vida,
a vida desertificada,
uma estrada,
a estrada estratificada,
que termina
em um lago,
àrvores e pássaros,
um oásis
e o nada,
sobre a areia
escaldante.
Eu, peregrino,
chego ávido,
um passo adiante
e tomo a água por vinho.
Enceto novo caminho,
sobre a branca areia
de sóis cheia,
e vem a noite
e impera
e tudo desaparece,
e esfria e esquece.
Areia, sol, noite,
árvores, pássaros, lago,
tudo na alma trago.
É a vida que por vezes
se solidifica
numa estrada deserta,
onde o corpo fica
e alma voa,
...incerta.
Carlos Roberto Husek
terça-feira, 6 de agosto de 2013
Movimento.. Mo..vi..men..to. M.o .v.i.m.e .n.t.o. Mo..........
Tudo é movimento,
nosso olhar,
sobre as coisas,
sobre a matéria,
sobre a vida,
nosso olhar
é movimento.
A vida...
É movimento.
A morte...
É movimento.
O que parece
estar parado
está em movimento.
Heráclito
descobriu esta
e outras verdades,
tão simples,
tão pouco científica,
tão sem laboratório.
...Tudo é movimento.
Meu coração bate,
minhas veias pulsam,
meus músculos espasmam,
meus dentes rangem,
meu sangue circula,
meus pensamentos
fazem cabriolas,
meus sentimentos,
se exaltam
ou emudecem,
meu silêncio fala,
meu cérebro trabalha
no meu sono,
na madrugada
do meu descanso,
o meu descanso arfa,
meus gestos
procuram tuas mãos,
meus pés abandonam
velhas estradas
e constroem caminhos,
novos caminhos,
e quanto mais
e mais me distancio,
mais me encontro
em encruzilhadas.
A vida...
É movimento.
A morte...
É movimento.
E quando
nos petrificamos,
e quando
nos mineralizamos,
nos destruímos
e nos reconstruímos.
O que resta de nós
não resta, na verdade,
casa-se com outros
átomos,
forma outros conjuntos,
vive em outras esferas,
e no final dos tempos,
comporá outros mundos.
Somos a eternidade.
Não morrerei jamais,
porque consciente
ou inconscientemente
estou em pleno
em infindável,
em impensável,
em infatigável,
em insondável,
em incansável
em contínuo
movimento.
Um poema
é uma ilusão
de parada,
na tela esbranquiçada.
De algum modo
perpetuo
o momento...
Mais nada...
Carlos Roberto Husek
segunda-feira, 5 de agosto de 2013
Motivação
Meu coração
desenterra as cinzas
e estas grudam
na ponta do lápis.
Escrevo pela necessidade
de abortar os mortos.
E os mortos multiplicam-se
com o passar dos anos,
passam-se sem vida
a viver plenamente
na vida que adubam
com seus corpos
desaparecidos,
desaparecidos
com seus olhares,
com suas mãos
que apalpavam
amigas
ou que acenavam
alegres.
Os mortos vivem
longe de seus corpos
ocupando espaços
pela eternidade.
Os vivos, como eu,
morrem,
na companhia
destes vivos,
que se revezam
na ponta do lápis,
no grafite da vida.
A primeira quadra deste pequeno poema é a introdução (Nota) do meu primeiro livo "Metal Invisível", de 2003. De lá para cá crio a vida sobre o que se desfaz. Um eterno contínuo, como ondas de um mar que não teve começo conhecido e nem fim planejado. Carlos Roberto Husek
quinta-feira, 18 de julho de 2013
Escrever
Quantos somos,
seres com seus arados,
canetas e teclados?
Quanto somos
com seus infernos,
e céus enublados?
Que lavram
e atritam,
e choram,
e gritam,
e se inflamam,
e se seduzem,
e se absorvem,
e se espalham,
e se consomem,
como fogo
queimando
em cada palha,
em cada janela
aberta,
em cada porta
cerrada?
Quanto somos
a dizer sandices,
em suas rezas
e crendices?
Quanto somos
a ler e a escrever,
sob o sol
e sob a lua
e sob a nuvem
que passa pesada,
e a sob chuva
que banha a rua?
Lavramos
nossa palavra,
perfurando
pontos invisíveis
do branco do papel
do branco da tela,
com nossas loucuras
e nossas cicatrizes.
Somos poucos...
Operários recolhidos
em suas glebas
sulcados,
sulcando,
perdidos.
Mas o arado
que lavra esta terra,
lava o meu pecado,
de ser humano
e imperfeito,
na ponta da caneta,
no sulco de cada veia,
na batida do peito.
Carlos Roberto Husek
de seus enfados.
Quanto somos
que lavram
na espera
da frutificação
dessa terra?
em sua alma,
e enubla
o seu céu,
o que atormenta
terça-feira, 16 de julho de 2013
Sobre a poesia e a morte
Não se deve censurar a poesia, assim como nenhuma arte deve ser censurada. O poeta deve e pode fazer poemas sobre tudo: amor, sol, vida, sexo, morte, tristezas, felicidade, formigas, portas, paredes com reboco ou sem, pensamentos, doenças, práias, cemitérios, árvores, desertos. Tudo é vida!
A censura pode ter várias configurações: a de terceiros, que fazem disso profissão; de terceiros, que têm por desiderato destruir cada linha, cada idéia, cada frase; pelo próprio poeta que se deixa dominar por suas próprias regras morais, religiosas e outras, frutos de uma educação voltada para a classificação das coisas, como certas ou erradas; pelo próprio leitor, que ao ler o poema se vê atingido e se censura, censura a sua própria leitura, e afasta aquele poema,não por razões estéticas, filosóficas, musicais, ritmicas, mas por razões de ordem moral; pelo próprio leitor, que sem saber o motivo, pura e simplesmente não gosta, atingido em alguma nota da sua alma, da sua experiência de vida, de seus medos. Esta última é um a censura mais sutil, porquanto o censor não sabe que censura ( que se censura). Devíamos ler um poema com os olhos e o coração abertos, o cérebro sem travas, possibilitando dele gostar ou não, mas prontos para percorrer suas palavras, suas entrelinhas, seus pontos e exclamações e descobrir a beleza, que poderá haver nele, independentemente das frases e do tema. Estou convencido, de que é possível descrever um velório com arte e beleza, porque toda manifestação humana é cultural e é bela. Neste evento, por exemplo, existe um personagem principal ( ou cujo foco de luz, sobre ele se fixa momentaneamente), o morto, e outros coadjuvantes, parentes, amigos, que o relembram ou apenas manifestam a dor do momento. Tal situação vista pela janela da arte, pelos óculos da sensibilidade, é tão bonita quanto uma paisagem tropical, feita de luz, de água, de folhas, de sorrisos, de juventude, de força e de alegria. A beleza está na essência das manifestações humanas ou naturais. A vida é um espelho (tudo nele se reflete), a vida é arte; a arte é vida que reflete e se reflete sobre tudo. A mão de um velho, repleta de veias salientes, de manchas, de nódulos, de quebras, de desarmonias é tão bonita - para os efeitos da poesia ou de qualquer outra espécie de arte - quanto a mão de jovem, lisa e saudável, rosada e harmônica, cuja musculatura desenhe suavidade e força. Tais considerações passam pelos olhos, pelo olhar, pela pele, pelo corpo, pela respiração ou pela falta dela. Tudo é vida!
Há um poema de Fernando Pessoa (infelizmente ele não está na minha frente) que diz mais ou menos assim: Cruz na porta da tabacaria/Quem morreu? O próprio Alves?/ Ele era o dono da tabacaria.../ Desde de ontem a cidade mudou. Este último verso "Desde ontem a cidade mudou" vem ao final de cada quadra ( acho que ao todo quatro ou cinco estrofes) para dizer da perplexidade do poeta diante da morte do dono da tabacaria, que sempre lá estava, todos os dias, quando ele (poeta) passava, de dia e de noite, e o cumprimentava "Perdi essa monotonia/Ele (o Alves) era fixo/ Eu (o poeta), o que vou/ Desde ontem a cidade mudou; Se eu (o poeta) morresse amanhã ( porque não sou fixo, não estou no mesmo lugar todos os dias, não sou uma paisagem conhecida e esperada) "Ninguém diria/Desde ontem a cidade mudou".
Não é uma poesia de amor, que cante as belezas naturais, que cante o amor pela vida, é uma poesia de constatação sobre a morte e sobre o dia a dia. Quantas vezes, já ocorreu de pessoas que estamos acostumados a ver e a ouvir, desaparecerem ( pela morte ou não) e não a vemos e nem a ouvimos mais, e podemos dizer, nestas situações com Fernando Pessoa "Desde ontem a cidade mudou" e podemos, por certo dizer, que como não representamos para alguns qualquer fixidez, qualquer monotonia, qualquer repetição, quando morrermos ninguém haverá de falar: "Desde ontem a cidade mudou". Não é bonita a imagem? Mais do que isso, verdadeira. Quantas e quantas vezes me peguei sussurrando: "Desde ontem a cidade mudou..." e nas horas que passam e que se quebram por algum motivo visível ou não, podemos dizer com um suspiro só nosso: "Desde ontem a cidade mudou..." Carlos Roberto Husek
sexta-feira, 12 de julho de 2013
Poema da Constatação
Morte...
Passado...
Morreu e era tão jovem!
Mas, agora quantos anos tem?
A morte iguala os moços,
que partem sem aviso,
ou com aviso,
aos velhos que se vão
com o aviso na carteira.
Quantos anos ele tem agora?
Está lívido, marmóreo,
face endurecida, branca,
quantos anos ele tem agora?
A morte pegou-o na juventude,
é verdade,
mas, depois que ele se acomodou
neste abraço,
não se lhe conta mais a idade.
Quantos anos ele tem agora?
A morte pinta a cal
a pele e a íris
e embalsa o corpo.
O velho no velório
é ainda moço,
pois está vivo!
Sua pele tem cor,
seus olhos, embora tristes,
embora escondidos
sob dobras de epiderme,
embora já deturpados
pelo horizonte próximo
- já que o passado
se perdera no tempo -
olham e enxergam a morte,
assim como
olham e enxergam a vida!
O jovem morreu...
Quanto anos ele tem agora?
Chegará do outro lado
com o vigor e a energia
dos dias do começo?
Quando se morre jovem
parte-se jovem
e quando se morre velho
parte-se velho?
Se é assim a morte
tão ligada à vida,
que dela tira sua essência,
então, preferível
morrer em plena juventude,
viver-se-ia mais
aqui e acolá,
ou, pelo menos,
com mais robustez!
Não creio...
A velhice é um desfazer-se
da vida
e dela se desfazem
velhos e jovens
em vida, nas cascas
que criam,
e, por certo, na morte,
este invólucro
de plastificação
elaborado pela natureza.
Morte...
Passado...
Presente...
Futuro...
Lado a lado.
Carlos Roberto Husek
quinta-feira, 4 de julho de 2013
Abandono
Esquecido
e desaquecido,
poucos cabelos
ao centro
da cabeça ovalada,
sem saber da vida,
sem saber de nada.
O velho está só
na calçada.
Olha para um lado,
para outro se vira
perdido
entre o poste
e a rua.
Folhas ao chão
de uma árvore nua.
Galhos retorcidos,
são suas pernas
e braços,
seus lábios
deprimidos,
seu cansaço.
Há uma noite
no seu olhar
e uma capa
no seu dorso
de dura corcova.
No seu nariz
afilado e adunco
dobra-se
a cartilagem
da ponta
como um junco.
Nas árvores
é primavera
cerca-o contudo
um inverno
desaquecido
e mudo.
Esquecido,
arrasta
seus passos
e lá vai,
trêmulo
entre as gentes
passando
Até quando?
Carlos Roberto Husek
segunda-feira, 1 de julho de 2013
O silêncio e o ruído
O silêncio dói dentro da noite,
cansado
e chora incompreensões.
Longíguo lamento,
que foge entre arbustos
na sombra sobre o chão,
arrastando-se pelas curvas,
percorre imagético
neurônios do passado
e do presente
em monólogos
e circunstâncias.
O silêncio grita
silenciosamente
o seu próprio enredo
e sucumbe entorpecido.
Há gritos no ar
e lamentos contidos
saídos do ventre da terra.
O silêncio é sempre
uma possibilidade de diálogo
em um mundo repleto de ruídos.
O silêncio adormece
cansado de si mesmo.
Carlos Roberto Husek
domingo, 23 de junho de 2013
Elos de uma espiral
Quando a chuva risca
o céu cinza e enublado
recordo o passado.
Recordo o passado,
no passadiço do tempo,
no assovio do vento.
No assovio do vento
sopra a voz da natureza
com ecos de tristeza.
Com ecos de tristeza,
solto o canto morro acima,
em palavra peregrina.
Em palavra peregrina,
como água morro abaixo
pendem sílabas e interjeições.
Pendem sílabas e interjeições,
que como rios após correm
sobre folhas mortas.
Sobre folhas mortas,
detritos, bolhas, cordas,
arrastados pelas bordas.
Arrastados pelas bordas,
palavras substantivas,
materializadas, ativas.
Materializadas, ativas,
adjetivas palavras,
alegres, soturnas, bravas.
Alegres, soturnas, bravas,
palavras em ação,
que provocam comoção.
Que provocam comoção,
no céu cinza e enublado
em chuva de riscado.
Em chuva de riscado,
olhos cegos enrugados,
dobras do passado.
Dobras do passado,
cada ruga um sonho desfeito,
um buraco no peito.
Um buraco no peito
e o ar que evoca canela,
sonhos na cancela.
Sonhos na cancela,
de um patíbulo escuro,
da janela ao muro.
Da janela ao muro,
de musgo úmida camada,
natureza despreparada.
Natureza despreparada,
horizonte alaranjado
e o sol em declínio.
E o sol em declínio,
aos poucos se escondendo,
repartindo o dia.
Repartindo o dia,
morta ou desaparecida,
fechou-me a porta da vida.
Fechou-me a porta da vida,
levantou muros,
em meus passos obscuros.
Em meus passos obscuros,
que claudicam entristecidos,
inchados, vermelhos, feridos.
Inchados, vermelhos, feridos,
o sangue a marcar compasso,
jorrando em cada passo.
Jorrando em cada passo,
a pele já macilenta,
marmóreo o rosto.
Marmóreo o rosto,
tudo endurece e esfria,
solidão e agonia.
Solidão e agonia
que na treva renasce,
sem limpidez, sem realce.
Sem limpidez, sem realce,
uma sombra no mar sem vida,
navegando perdida.
Navegando perdida
para o oceano aberto,
em rumo incerto.
Em rumo incerto,
carregada de memórias,
somente histórias.
Somente histórias,
em rotas impensadas,
por mares fluídos.
Por mares fluídos,
translúcidos, azulados,
como nuvem flutuante.
Como nuvem flutuante
vai-se ao encontro do nada,
nem dia nem madrugada.
Nem dia nem madrugada,
um céu cinza e enublado,
em que recordo o passado.
Carlos Roberto Husek
quinta-feira, 20 de junho de 2013
Poesia para criança
As árvores ainda são verdes!
Diz o sapo na lagoa,
e a coruja que de dia dorme
ri e ri numa boa.
Ela que estava pendurada,
no galho de árvore frondosa,
deixou os olhos abertos
para observar uma rosa.
A rosa sentiu-se nua
com o indiscreto olhar
e ficou lilás e vermelha
com vontade de amar.
Olhou o cravo espinhoso,
que estava a certa distância
e se dobrou ao cravo formoso,
com suave fragrância.
O sapo a tudo assistindo
e pulando de um lado ao outro,
soltou em admirado grito:
As árvores ainda são verdes
em volta da lagoa!
A coruja quase cansada
abriu os olhos de alegria
e vendo o sapo inquieto
cair dentro de uma canoa,
balançou no galho da árvore
rindo numa boa.
quarta-feira, 19 de junho de 2013
poesia para criança
O Amarelo
O amarelo,
farelo...
comia pelas beiradas,
aparecia logo
na manhã ensolarada.
O verde do capim
aquele das marginais,
das estradas,
também aparecia
de cabeleira pintada,
tinha em suas pontas
o amarelo
da manhã ensolarada.
Tudo se tingia,
já fugia a madrugada,
o sol passava
uma demão
colorante,
atrigada.
E assim a vida
iniciava,
com o sol pintando
tudo,
de amarelo gritante,
de amarelo mudo.
...................................
E o mundo vai agora
de ouro reluzente,
que nada é mais que
o amarelo
cheio de saúde
e contente.
Carlos Roberto Husek
domingo, 16 de junho de 2013
Algum humor negro
Levantam-se
os mortos,
secura na boca,
ossos moídos.
Levantam-se
os mortos,
desfigurados
arrastam-se
entre ruelas
de campas
cinzentas.
Levantam-se
os mortos,
e caminham
entre santos
de pedra sabão.
Levantram-se
os mortos,
sem olhos
no rosto,
só terra batida.
Levantam-se
os mortos,
dirigem-se
sisudos,
à administração
central,
querem saber
de seus
prontuários.
Levantam-se
os mortos,
buscam a verdade,
das datas e horas,
nos registros,
e fichários.
.........................
Um funcionário
do cemitério
os atende
com paciência,
e explica cada dado,
cada vírgula,
cada ponto,
em virtuosa
ciência.
.............................
Olham-se,
entreolham-se,
suspiram e voltam,
passos miúdos
para seus esquifes
imundos
e se acomodam
na eternidade
já tranquilizados
de tudo.
Carlos Roberto Husek
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