segunda-feira, 29 de abril de 2013

Um pouco de Yu Xuanji (poetisa) e mais algumas considerações


A China produziu muitas poetisas. Uma delas, Yu Xuanji, viveu entre 844 e 869 a.C. (viveu apenas 26 anos), expressou a angústia feminina e fez uma poesia cheia de sensualidade. Foi concubina aos 16 anos de idade e depois tornou-se cortesã e finalmente monja taoísta. Mulher de vida autônoma e ligada à intelectualidade da época. Se ainda as mulheres, em várias partes do mundo, sofrem as consequências de uma posição social subalterna, na China, naquele período a.C, algumas se destacaram por sua independência e expressão intelectual, como Yu Xuanji. O poema abaixo, curto, como é da tradição da poesia chinesa, diz muito:

"Dizendo adeus"

"Eira nem beira, a água segue a si mesma
Nuvens vêm sem aviso, vão sem promessas
Longa é a primavera no Grande Rio
só, sem o par, nada um pato-mandarim."

O "Grande-Rio" é o famoso rio amarelo, o Yang-tse. Os "patos-mandarins" são os "yuan yang", "pássaros conhecidos por acasalarem de modo estável pela vida toda. Na poesia chinesa clássica, são metáfora recorrente do amor conjugal e da fidelidade" (informação tirada do livro "Poesia completa de Yu Xuanji, editado pela Unesp, de 2011).
Cabe um destaque sobre o fato de Yu Xuanji ter sido monja taoísta. Desse período, talvez o último de sua vida, não sabemos nada, mas lembramos que o taoísmo é a filosofia (pelo menos em parte) do não-agir (e ao fazer assim age plenamente e produz mais resultados). Por isso, a água representa bem esta filosofia. Há uma metáfora, neste sentido:

"O homem do bem supremo é como a água.
A água benéfica a tudo não é rival de nada.
Ela permanece nos baixios desprezados por todos.
Do Caminho ela está bem próxima.
Nada no mundo é mais flexível e mais fraco do que a água.
Mas para atacar o duro e o forte nada a sobrepuja.
nada pode tomar seu lugar.
Que a fraqueza vence a força
E a flexibilidade vence a dureza
Não há ninguém sob o Céu que não o saiba,
Embora ninguém o possa praticar."

A água tem multiplicidade de formas, acomoda-se em qualquer ambiente; tendo espaço flui, caminha, contorna obstáculos e dobra os materiais mais duros. Tudo isso com uma aparência de fraqueza. Salvo proporções excepcionais e insuflada por outras forças da natureza, enxergamos a água, quase sempre com suavidade e beleza (no entanto, ela é força total). É o simbolo do feminino: o domínio pela suavidade, pelo convencimento, pela delicadeza, pela perseverança, pelo fluir contornando obstáculos. Vencer sem brigar, abater sem utilizar da força física, neutralizar a violência antes de com ela competir, convencer sorrindo (a isso tudo também chamamos de inteligência). As mulheres modernas ainda possuem tais características ou resolverem disputar cada pedaço do poder social com garras e lâminas afiadas, punhos de aço e olhar de fogo?
Em outras palavras: não-agir, e assim agir, imperceptivelmente, sem deixar mágoas, sem deixar rastros. Nós homens, por certo (em sua grande maioria), nunca tivemos essa sensibilidade. O mundo de hoje é o mundo do agir, sem tempo, em desespero, em corrida, em fúria. Prevalece o aço, o ferro, o cimento, e sobre eles se ergue o edifício da civilização. Nos igualamos, homens e mulheres, montados em cavalos de aço, prontos para a disputa. Para os inconformados haveria sentido em dizer: "Quero água. tenho sede!" Carlos Roberto Husek

Algumas considerações


A Literatura chinesa passou por um grande período de ostracismo, na época de Mao, porque somente era admitida a publicação de loas ao Governo (notícias favoráveis e elogiosas) e de doutrinação (interessante notar que os que se dizem contra o capitalismo não permitem nenhuma liberdade de pensamento e de imprensa; é o exemplo de Cuba, Bolívia, Irã, Síria, Coreia do Norte e outros - mas deixemos de lado tais considerações). Como explanava a Literatura chinesa, apesar de rica e com inspirados autores, viu-se posta à margem das relaações sociais e políticas, salvo se o escritor resolvesse elogiar o governo e promover o convencimento de que as coisas andavam como deviam andar. A literatura estrangeira (Kafka, Garcia Marquez e outros) entrava clandestinamente, sem poder de influenciar os jovens.
Pois bem, apesar de tudo isso, muitos autores chineses são atualmente editados e seus romances e contos correm o mundo, chegando ao Prêmio Nobel, em 2000, com Gao Xingjian, "Montanha da Alma", (traduzido no Brasil, pela Alfaguara).
Incrível que o Brasil, embora tenha uma literatura pujante e grandes escritores (Machado de Assis, Guimarães Rosa, Ligia fagundes Telles, Vinicius de Moraes, Drummond, Clarice Linspector, Rachel de Queiroz), nunca tenha alçado a este patamar literário..! Independentemente da política que permeia qualquer premiação, é certo que a grande maioria dos vencedores literários, aconsagrados pelo referido Prêmio, se não foram os melhores de sua época, provavelmente foram escritores de ponta. A verdade é que, nossos romancistas, poetas, contistas, cronistas, novelistas) ainda são desconhecidos do grande público; talvez, até do publico interno..! Um povo que não está acostumado a ler, também não está acostumado a criar. Temos bons criadores, mas em número reduzido. Agora, na era da internet, do aiped e do celular, a tendência é a de ler cada vez menos. Há uma procura pela leiteratura fácil, mastigável, sem cor definida, simples, objetiva, prática (auto-ajuda). O escritor brasileiro que mais vende na atualidade é, sem dúvida, Paulo Coelho. Encontrei um livro dele ( o título não me lembro) em uma livraria na Holanda..! Todos que escrevem merecem meu apreço......
Vamos ficar, por enquanto, com um poeta chinês, Li Po, também singelo, antigo, não midiático:

"Garça branca"

"Esse grande floco de neve
é uma garça branca que acaba de pousar no lago azul.
Imóvel, na extremidade de um banco de areia,
a garça branca
observa o inverno."

Carlos Roberto Husek.

  
 

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Continuando o nada do nada


Esta é uma radiografia
                     do nada.
Em que se enxergam os corpos
        já endurecidos e frios,
pela morte.

A vida nada tem a haver
com o corpo físico.
Está além, muito além.
Lá no fundo dos olhos,
dos olhos de uma criança,
dos olhos de um jovem,
      observa-se;
quem for um privilegiado
        observador,
a verdade.

A  verdade estampada, presa,
no fundo da íris,
a verdade estampada, presa,
no fundo do corpo,
a verdade estampada, presa,
no fundo da célula,
a verdade estampada, presa,
no fundo de cada camada
                          de pele,
a verdade estampada, presa,
entre os tecidos moles,
a verdade estampada, presa,
entre os ossos,
a verdade estampada, presa,
no sangue que circula,
a verdade estampada, presa,
entre as sinapses do cérebro,
a verdade estampada, presa,
nos interstícios faiscantes
                    dos neurônios,
a verdade estampada, presa,
entre os olhos, janelas,
e o mundo que deles se vê,
a verdade estampada, presa,
no citoplasma, no miocôndrio,
no íntimo de toda matéria,
        que se deduz no nada.
Por mais que se reparta
e se biparta, e se fatie
    o corpo,
e se triturem seus ossos,
e se triturem seus músculos,
e se dividam e subdividam
                   suas partes,
quando restar
uma imperceptível sobra,
ali, no pó, no mineral,
                        na réstia,
do que foi tido como vida,
                 haverá um nada...
................................................
Situamo-nos em algum lugar?
Não sou este coração que pulsa,
não sou este figado que produz
                                      enzimas,
não sou este estômago 
que digere os alimentos,
não sou este pulmão
que absorve e expele o ar,
não sou estas pernas
         que andam apressadas,
não sou estes braços e mãos,
que seguram os pesos,
não sou este cabelo,
              este bigode,
              esta gravata.
...O que sou?
Por ora, o conjunto de tudo,
 e por certo o que está no âmago
                  das coisas.
Uma verdade desconhecida.
      ignorada, perdida
entre as camadas ilusórias
      de variadas histórias.
................................................
Aqui, apresento-me: Solrac,
ou um representante
          da representação
que represento,
          na procuração
que me foi dada.
                
Carlos Roberto Husek


sábado, 20 de abril de 2013

Continuando o Nada


No vazio do nada...nada.
Palavras vazias são nada,
corpos mineralizados,
            silenciados
nas suas carcaças.
Palavras-corpos,
em que silencia a fala,
no vazio da noite,
no vazio da sala.
Rumores, enganos,
vocábulos ciganos,
criam-se em suas raízes,
               dispersam-se
em cicatrizes.
Versos dissonantes
e letras que fecundam
             significados,
silenciosos, silenciados,
nati-mortos no parto,
no vazio da noite,
no vazio do quarto.

As pessoas...desaparecem,
     mortas ou vivas,
umas descem no caixão
de madeira escura
ou de madeira clara,
enterram-se nos campos,
engavetam-se nas campas,
            ou no fogo 
dos crematórios
   são queimadas,
e após espalham-se
em cinzas, desfiguradas;
outras, se evaporam
                  no tempo,
na fotografia,
           na memória,
apagam-se-lhe os traços,
  a cor, a voz, os braços.
e ficam no imaginário,
que também se desfaz
              com o tempo.
As pessoas...desaparecem,
      mortas ou vivas,
      e ficam repletas,
na incompletude
de quem as invoca.
As pessoas sem rosto,
    sem celular,
    sem endereço,
    sem corpo,
    semi-vivas,
    semi-mortas,
são recriadas,
para se lhes dar
uma nova forma
uma nova alma
         e espírito,
um novo som,
   uma nova cor,
um novo grito.

...............................

Palavras e pessoas
ocas em suas verdades,
são corpos
que se mineralizam
e com o tempo
acomodam-se
em suas campas
             de ar
e de circunstância,
nati-mortas no parto
de suas esperanças,
no vazio da noite,
no vazio do quarto,
no vazio do nada,
  espraiam-se
  desconstituídas,
em debandada  
e se fixam nas paredes,
nas portas, nas ruas,
   nas calçadas.

................................

Nos levam a pele,
nos trituram os ossos,
nos amolecem os músculos,
nos entorpecem os nervos,
No fim...também,
                      como tudo,
desaparecemos,
e preenchemos mudos,
as palavras vazias,
     de cada noite,
     de cada dia.

Carlos Roberto Husek
 

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Nada



Horizonte
 amarelo,
     um poente,
um deserto.
Palavras
        perdidas,
solitárias,
      esquecidas.
.......................

desacostumadas
   da vida.

Carlos Roberto Husek

 
        

terça-feira, 16 de abril de 2013

Palavras jogadas e indisciplinadas


Na página 1543, do vol.III,  da História da Literatura Ocidental, de Otto Maria Capeaux, deixei uma folha de papel com uns versos, escritos a tinta azul, sem título. Quando os escrevi? Não sei, mas podem ser muito antigos. Aí estão:

No vazio
as palavras perdem
          o conteúdo
e se dissipam
          em letras.
No vazio
só o silêncio fala
no vazio da sala.
No vazio da noite
há rumores, enganos,
vocábulos ciganos,
que não criam
                   raízes,
e se dispersam
      em cicatrizes,
e deles nascem
verbos dissonantes,
em trabalhoso parto.
No vazio da noite,
no vazio do quarto.

Por curiosidade olhei o que estava escrito na página apontada do referido livro, e nela estava escrito que: "Três poetas ingleses dominaram a literatura européia da primeira metade do século XIX: Shakespeare, Scott e Byron. A influência da Shakespeare foi mais permanente e a de Scott mais extensa, sem exagero, que nunca um poeta impressionou tanto os seus contemporâneos como Lord excêntrico. Byron apareceu como um meteoro; e desapareceu como um meteoro. Em certo dia do ano de 1812, Byron, até então um poetastro de versos classicistas, maltratado pela crítica, 'acordou e encontrou-se famoso':"
O que tem a haver o referido texto com o poema guardado? Nada, absolutamente nada, a não ser pelo fato que se trata de um capítulo sobre o Romantismo e os versos acima tem um quê no velho estilo romântico. O último poeta citado por Carpeux, Byron, foi um incorrigível romântico, um romântico louco, um louco de temperamento incontrolável, disposto para a briga (seja ela qual for, seja qual for o motivo), selvagem, "uma alma demasiado delicada e cheia de amargura, num corpo por demais ávido de prazer - eis aí o trágico paradoxo da personalidade de Byron" (Vidas de Grandes Poetas, de Henry Thomas e Dana Lee Thomas, Editora Globo). Não há no mundo moderno possibilidade de rompantes histéricos, românticos, desvairados, no sentido do desforço psicológico ou físico, mas Byron, no fim, era um crente da palavra (todos somos - aí está a verdadeira loucura...), e escreveu: "Porque as palavras são coisas; e uma pequena gota de tinta/ Ao cair, como orvalho, sobre uma idéia, produz/ Aquilo que faz com que milhares de pessoas, talvez milhões pensem.". Nós que acreditamos nisso, temos uma espécie de romantismo embutido, crente na transformação pela palavra; semente que cai no espírito e faz nascer um jardim.
No vazio da noite
no vazio do quarto.
Verbos dissonantes
em trabalhoso parto. 
Muitas poderiam ser as variáveis:
No vazio dissonante
      do quarto,
No parto da noite,
verbos desatam
como açoites,
e desatam nós
de vocábulos,
que saem correndo,
em disparada,
como cavalos
selvagens e bravos.
As palavras não são disciplinadas porque informadas pelo espírito que é livre, mas podem ser equívocas e contornarem os fatos. Freud explica. Carlos Roberto Husek.
                                                       

domingo, 14 de abril de 2013

Um pouco de Jorge Luis Borges



Difícil falar de Borges. Por onde começar?  Borges viveu seu mundo particular (contos fantásticos - cuja realidade é posta de lado e sobram as coisas do sonho, do mundo anímico, daquele mundo sem a lógica da vida racional), como aquele conto que escreve sobre um encontro com ele mesmo, num banco de jardim..! Agora estou esquecido do nome, mas em outra postagem vou informar. Afinal, quando se escreve sobre alguém, se a escrita for com a alma, entra-se no personagem. Torno-me Borges neste momento e não sei bem se o encontro existiu... O dele com ele mesmo, existiu, pelo menos no papel. Eu, estou à minha procura. Não é de agora... Tenho uma vaga certeza do que sou (assim, se é vaga, na verdade, não tenho certeza nenhuma). Fico um pouco borgeniano, ou pessoano (com os meus heterônimos, minhas personalidades). Todo aquele que se propõe a escrever (bem ou mal, com técnica ou não, com arte ou com nenhuma arte - meu caso...), se faz disso costume acaba por viver uma fantasia. Voltemos a Borges. Viveu quase cego boa parte de sua vida e em cegueira total uma grande parte. A vivência de seu mundo interior em confronto com o mundo das ruas, talvez tenha produzido o fantástico de seus contos e de algumas de suas poesias. Claro está, que não estava afastado da realidade. Não. Ao contrário. Dava aulas de Literatura Inglesa e era ligado nos acontecimentos, mas voltava-se para o seu próprio interior. Através da íris, janelas fechadas, vislumbrava uma verdade própria. Acho que os poetas e escritores, em geral, são eternos pacientes de eventuais analistas, ou no mínimo de teorias psicológicas e psicanalíticas, porque são exemplos vivos de que o ser se subdivide, se transforma, se teatraliza, e em determinados momentos pode vir a tarnsformar-se completamente e parecer aquilo não é, ou ser aquilo que parece ser. O artista da palavra (ou que assim se pensa) encarna personagens, por mais que descreva de forma crua a realidade.  Todo escritor, principalmente, todo poeta é um fantasista ("O poeta é um fingidor/finge tão completamente/que chega a fingir que é dor/a dor que deveras sente" - Pessoa). Disse Borges, "realisticamente" sobre as ruas de Buenos Aires, através de sua visão interior:

            As ruas

 "As ruas de Buenos Aires
 já são minhas entranhas.
 Não as ávidas ruas,
 incômodas de turba e de agitação,
 mas as ruas entendiadas do bairro,
 quase invisíveis de tão habituais,
 enternecidas de penumbra e de ocaso
 e aquelas mais longíquas
 privadas de árvores piedosas
 onde austeras casinhas apenas se aventuram,
abrumadas por imortais distâncias,
a perder-se na profunda visão
de céu e de planura.
São para o solitário uma promessa
porque milhares de almas singulares as povoam,
únicas ante Deus e no tempo
e sem dúvida preciosas.
Para o Oeste, o Norte e o Sul
se desfraldaram - e são também a pátria - as ruas;
oxalá nos versos que traço
estejam essas bandeiras."
             
Apesar das descrições sobre as ruas de Buenos Aires, Borges utiliza de vocábulos que lhe são reais, mas que para as pessoas que só enxergam o cimento, as árvores, os carros, os postes, as placas e etc., são licenças poéticas sem qualquer significado, como: as ruas são minhas entranhas; ruas entendiadas do bairro; ruas quase invisíveis de tão habituais; ruas enternecidas de penumbra e de ocaso; ruas privadas de árvores piedosas; ruas de austeras casinhas; ruas abrumadas por imortais distâncias... Pensando bem...Fechando os olhos...Também temos ruas assim. Ruas que nos falam e nas quais podemos andar por uma eternidade: portões,  casas,  árvores, poças de água,  pedras,  telhados. Alguém ainda olha para as ruas ou somente consegue vislumbrar as poucas letras e números do celular? No meu livro O Cavalo da Escrita, lançado em 2005, tive uma sensação diferente do cotidiano, mas não atípica, porque a tenho quase sempre ao andar por algumas ruas (não me lembro o bairro) e escrevi:
                                                   Retiro

                                    Gosto de ver casas antigas
                                       em ruas despreparadas,
                                       periféricas, esquecidas,
                                    abaixo do nível das calçadas.
                                       Tornam-se mais tristes
                                    quando pelas chuvas lavadas.
                                    Gosto de ver casas antigas
                                       em ruas desmotivadas.

                                    ..............................................

                                     No meu espírito há também
                                              casas assim
                                     e um número infinito
                                     de ruas insipientes
                                     e de caminhos sem fim.

Por certo, não estava andando com um celular ligado... Mas, portava um bloco de papel e uma caneta e parei para escrever (acho que também não deve ser bom fazer isso... - nos dias de hoje poderia ser assaltado - no caso só me levariam o bloco e alguns trocados). Para quem não conhece ( porque já me perguntaram) "insipientes" aqui quer dizer ignorantes (ruas ignorantes, insensatas, imprudentes...), e não "incipientes" (que começa, que princípia). Minhas ruas, aquelas em que andei ( e que ando, às vezes sem sair do lugar) não começam, não terminam, ignoram-se e, talvez, me ignorem, embora estejam dentro de mim... É isso..! Carlos Roberto Husek.   
                                           

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Sob um céu de vidro


"Sob um céu de vidro - ou quarenta e seis contos e alguns trocados" é o meu livro de contos lançado em 2009. Foi uma boa experiência (não para o leitor). O subtítulo revela exatamente o seu conteúdo: 46 contos, isto é, mais alentados (não muito) duas ou três folhas, na média, e alguns trocados, contos curtos, poucas linhas, em geral.
Embora contos, nele não perdi o viés poético (vivo e penso poesia, além do Direito, por profissão), talvez por costume, desde a infância. Não consigo lembrar quem ou qual o fato, (o motivo) que me aproximou dessa arte ( que em mim não chega a arte, mas assim mesmo insisto). Uma coisa é certa, desde o início me aproximei eletrizado de Castro Alves (por que..?). Quando na escola primária consegui (oito ou nove anos) declamar toda a poesia do Navio Negreiro (embora sem entender muito). De algum modo ela ficou gravada no meu espírito ( talvez, de tanto repetí-la, sozinho, no quarto ou quando chamado a fazer declamações para alguma visita . Depois perdi esta possibilidade teatral e hoje lembro de muitos versos de cor, não só desta poesia, do genial poeta, mas de outros poemas, como a mensagem (espécie de carta) que ele mandou para o seu irmão Guilherme, que também poetava, comparando o poeta a um vulcão, chamado de Chimborazos. A comparação vem na segunda parte da poesia, o gelo que cerca o vulcão (a sociedade indiferente) e as lavas do coração (a vida íntima do poeta - fogo, paixão, tristeza):

A meu irmão Guilherme de Castro Alves

"Na cordilheira altíssima dos Andes
Os Chimborazos solitários, grandes
Ardem naquelas hibernais regiões
Ruge embalde e fumega a solfatera...
É dos lábios sangrentos da cratera
Que a avalanche vacila aos furacões.

A escória rubra com os geleiros brancos
Misturados resvalam pelos flancos
Dos ombros friorentos do vulcão...

.................................................................

Assim, Poeta, é tua vida imensa,
Cerca-te o gelo, a morte, a indiferença...
E são lavas lá dentro o coração."  

Mas, voltemos aos contos e à poesia que neles (em alguns) também se encontra. É o caso, creio, do conto (trocado) de no. 9 (os trocados não têm nomes, só números):

Apaixonada, ela dizia que os olhos dele eram sua vida, seu tudo, seu mundo, sua razão de viver. Olhou-o de soslaio, para ver a impressão que causara. Nada. Nenhuma palavra saiu de sua boca. Seus lábios permaneceram fechados. Seu rosto impassível, os braços pendentes. Não se ouvia sua respiração. Assim mesmo ela o beijou, beijou, beijou, e o abraçou, cheia de vida e de carinho. Depois, aconchegou-o ao peito. Era noite. levou-o para a cama. Cobriu-o com o corbetor e adormeceu. O ursinho de pelúcia continuava frio e calculista.

Como se vê, não é um conto (miniconto, talvez!), não é uma crônica, não é uma novela, não é uma poesia, não é nada..! Mas, tem um pouco de poesia. Carlos Roberto Husek.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Um pouco de Castro Alves


Vamos às diversas facetas, talvez de um dos nossos maiores poetas, pelo período de vida que viveu (24 anos), pela época (pouco desenvolvida, com um núcleo de excelência para a sociedade brasileira, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco), pelo mal do Século, (a tuberculose), pelo desejo de alcançar a felicidade e a glória e a intuição de que a vida seria curta (doença e morte, desde cedo pressentida a aproximação).

Romântico:

O 'Adeus' de Teresa

"A vez primeira que fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus...
E amamos juntos... E depois na sala
'Adeus' eu disse-lhe a tremer co`a fala...

E ela, corando, murmurou-me: 'adeus'"

Onde Estás?

"É Meia-Noite...e rugindo
Passa triste a ventania,
Como um verbo de desgraça,
Como um grito de agonia.
E eu digo ao vento que passa
Por meus cabelos fugaz:
'Vento frio do deserto,
Onde ela está? Longe ou perto?'
Mas, como um hálito incerto,
Responde-me o eco ao longe:
'Oh! minh´amante, onde estás/...'"

A Duas Flores

"São duas flores unidas,
São duas rosas nascidas
Talvez no mesmo arrebol,
Vivendo no mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol."

Social/Político

O Navio Negreiro

"Era um sonho dantesco...O tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho,
       Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros...estalar do açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
       Horrendos a dançar...
.................................................................

Senhor Deus dos desgraçados!
dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura...se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Ó mar! por que não apagas
Co`a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!..."

Vozes D`África

"Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu`estrela tu t`escondes
                 Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito...
                 On de estás, Senhor Deus?..."

Premonitório (doença e Morte)

Mocidade e Morte

"Oh! Eu quero viver, beber perfumes
Na flor silvestre, que embalsama os ares;
Ver minh`alma adejar pelo infinito,
No seio da mulher há tanto aroma...
Nos seus beijos de fogo há tanta vida...
- Árabe errante, vou dormir à tarde
Á sombra fresca da palmeira erguida.

Mas uma voz responde-me sombria:
Terás o sono sob a lájea fria.

Morrer...quando este mundo é um paraíso,
E a alma um cisne de douradas plumas:
Não! o seio da amante é um lago virgem...
Quero boiar à tona das espumas.
Vem! formosa mulher - camélia pálida,
Que banharam de pranto as alvoradas,
Minh`alma é a borboleta, que espaneja
O pó das asas lúcidas, douradas...

E a mesma voz repete-me terrível,
Com gargalhar sarcástico: - impossível!'

Eu sinto em mim, o borbulhar do gênio.
vejo além um futuro radiante:
Avante! - brada-me o talento n`alma
E o eco ao longe me repete - avante! -
O futuro...o futuro...no seu seio...
Entre louros e bençãos dorme a glória!
Após - um nome do universo n`alma,
Um nome escrito no Panteon da história.

E a mesma voz repete funerária: -
Teu Panteon - a pedra mortuária!
..................................................................

Fora louco esperar! fria rajada
Sinto que do viver me extingue a lampa...
Resta-me agora por futuro - a terra,
Por glória - nada, por amor - a campa.

Adeus! arrasta-me uma voz sombria
Já me foge a razão na noite fria!..."

Castro Alves era só energia, na palavra, no discurso, na vida. Suas palavras são candentes, fortes, arrasadoras, para o  bem e para o mal, para o romantismo, para as mazelas sociais, para a própria doença e a morte próxima. Se tudo isso era, entre os 18 e 24 anos vivendo numa vila (comunidade pequena), sem muitos atratativos, sem os avanços da tecnologia, sem a comunicação que o mundo moderno tem e as grandes possibilidades de conhecer várias culturas e de estudar uma variedade muito grande de assuntos..., o que não seria se chegasse aos 70 anos..! Certamente, caminharia muito mais. Um gênio..!  E nós nos esquecemos, por vezes, de sua existência..! Um povo que produz um Castro Alves ( e tantos outros) deve ter um potencial enorme! Somos (nós os brasileiros) sem ufanismos descabidos, uma possibilidade, não acham? Carlos Roberto Husek.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Um pouco de Menotti del Picchia e de outros poetas


Dissemos que a Poesia é música, mas também é teatro e de certa forma arte plástica. Os versos podem ter musicalidade (de palavra a palavra faz-se o ritmo), podem ter colorido ( no encontro das palavras pintam-se paisagens, dão-se cores ao vazio, desenham-se figuras humanas e paisagens), podem ser teatro (combinam-se as palavras em monólogos ou diálogos, para dar força e sentido às situações) e podem ter todas essas  características juntas. Quando assim ocorre surge um grande poeta ou no mínimo uma grande poesia.  Alguns exemplos são elucidativos:

Vácuo (Guilherme de Almeida)

"Quis os teus olhos cheios de mistérios
        como dois hemisférios;

e as tuas mãos gesticulando a bençam
        como espirais que incensam; 

e nos teus lábios uma e outra metade
        de uma única verdade;

e tive - ocos na vida ainda mais oca -
        o olhar, o gesto e a boca."


Motivo (Cecília Meireles)

"Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada."


Epigrama no. 9 (Cecília Meireles)

"O vento voa,
a noite toda artodoa,
a folha cai.

Haverá mesmo algum pensamento
sobre essa noite? sobre esse vento?
sobre essa folha que cai?"


Acre sabor (Manuel Bandeira)

"Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto."


Soneto da Transfiguração (Paulo Bonfim)

"Venho de longe, trago o pensamento
Banhado em velho sais e maresias;
Arrasto velas rotas pelo vento
E mastros carregados de agonias."

Carlos Roberto Husek

domingo, 7 de abril de 2013

Destacando Alphonsus Guimaraens Filho e Latipac


Poemas dedicados a um outro poeta era prática comum entre poetas. Aproveitava-se o verso para exaltar a figura de outro artista. Era uma forma de prestar homenagem e ao mesmo tempo revelar a própria arte. Alphonsus de Guimaraens Filho foi um desses que dedicou sonetos a outros poetas, muito interessantes e cheios de sensibilidade. Denominou-os "Sonetos com dedicatória", dentre eles destacamos:

A "Luís de Camões"

"Teus idílios renascem palpitantes
do mesmo sonho que foi teu um dia,
- estrela da manhã, saudoso guia
da tua nave em solidões distantes...

Som de áspera tuba, de macia
avena, a tua voz tem ofegantes
acentos, e esses tons acariciantes
de rosa aberta a receber o dia...

poeta do amor e dos descobrimentos,
como em teu coração não latejava
o sentido da ausência, e seus tormentos.

E como agora cresces do passado
que a tua ardente musa iluminava,
no noturno silêncio repousado."


Em meu livro Latipac - a cidade e seus espelhos, pela Giz Editorial, há uma única poesia sobre as cidades/capitais, suas características e os seus maiores poetas. Busquei falar, na verdade de cada poeta e da cidade em que nasceu, viveu, se consagrou, pela qual ficou conhecido, ou da capital do país de que era natural (uma vez que a  poesia centra-se nas cidades e não nos poetas, que entram como coadjuvantes e intérpretes da comunidade que os viu nascer para a vida intelectual. Assim surgiram (estavam dentro de mim, em gestação) alguns binômios, como: Byron (Londres), Shakespeare (Stratford-on-Avon), Basho (Tóquio), Neruda (Santiago/Isla Negra), Leminski (Curitiba) Vinicius de Moraes (Rio de Janeiro), Guilherme de Almeida/Álvares de Azevedo (São Paulo) e outros (uma grande parte das capitais do mundo e várias cidades brasileiras, com seus respectivos poetas). São 237 páginas, em que divido em três grandes partes: Do Cenário (versos sobre a construção das cidades); Das Urbes (versos sobre diversas capitais do mundo e/ou cidades, suas característiscas e personagens - poetas); e, De Solrac (meu heterônimo, meu anverso, meu Id e meu superego, que verseja sobre a beleza e angústia de viver na cidade/capital - Latipac - e, no fundo é aquele que fala desde o início da poesia).
Assim, também fiz, a meu modo, e uma vez que não fui desestimulado de cometer este "assassinato contra o fazer poético (talvez, a minha editora pudesse tê-lo impedido) uma poesia, ou seja lá o que isso for, abrangendo todos esses aspectos. Não me contive, e busquei homenagear cada cidade e seu poeta. Não o foi graciosamente, nem produto de algum conhecimento acumulado, que pudesse ser demonstrado para os incautos, mas a necessidade de dizer que o espírito de cada urbe, de cada cidade, está bem representado nos seus poetas maiores, que a viveram e dela receberam influência - luz e sombra, felicidade e tristeza - e produziram seus versos, sem que os seus concidadãos o tivessem percebido. E, principalmente, a revelação (para mim) de que as cidades são muito iguais, não importa o tempo e nem o espaço. Todos nós, que vivemos em algum aglomerado urbano, sofremos os mesmos males e temos iguais esperanças. As cidades são uma grande festa, mas continuamos, como indivíduos, muito solitários. As cidades produzem solidão. Aí está uma neurose fundamental.
Aqui vai apenas um verso, escolhido à toa, de cada parte do referido livro:

Do Cenário

(o homem atua)

Viu-se unido às tempestades
                   e aparelhado
de instrumentos e de ciência
                 pôs mãos à obra
e construiu a civilização
com a ajuda de seus iguais,
       em conjunto,
       de mãos dadas,
buscou refazer os elementos
e da gestação dos cimentos
abortaram-se os paralepípedos,
um após outro, encaixados,
por quilômetros e quilômetros.
Traçou as primeiras retas
e o horizonte chegou perto
formando ruas."

Das Urbes

(destacando São Paulo e Álvares de Azevedo)

ama-se tudo e a todos,
nos becos desta cidade,
que em cada casa,
em cada lar,
em cada emudecido casebre,
em cada palácio solar,
em cada UTI de hospital,
em cada cama hospitalar,
em cada suor animal,
em cada olhar infinito,
daquele que vai morrer,
ouve-se da alma um grito,
de quem deixou de sofrer,
e a alma que amara,
e pusera no amor o coração,
assina sem muita luta,
    sua capitulação.
"se eu morresse amanhã,
Minha mãe de saudades morreria,
Mas essa dor da vida que devora,
A ânsia de glória, o dolorido afã...
A dor no peito emudecera 
                              Ao menos
Se eu morresse amanhã!" 

De Solrac

(últimos versos)

Resta a esperança,
de acreditar no infinito.

Resta o café na tarde morna,
e a sopa nas noites frias.

Resta o José, o João, a Gisela,
o Antero, a Cláudia, a Maria.

Resta quem possa nos sentar
no colo sem se atrever
     a nos cobrar
        ou a nos escarnecer.

Resta você que me escuta,
     que me lê,
     e que acredita.

Resta esta relação afetiva,
em cada linha escrita ou lida.

Resta esta vida.

Carlos Roberto Husek

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Um pouco de Mário Quintana


Trata-se de um poeta diferenciado - todo verdadeiro poeta o é - cuja sensibilidade é traduzida em versos simples, irônicos, ingênuos, leves, aforismáticos, e ao mesmo tempo repletos de verdades:

Soneto

"Recordo ainda...E nada mais importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...

Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...

Estrada afora após segui...Mas, ai,
Embora idade e senso eu aparente,
Não vos iluda o velho que aqui vai:

Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino...acreditai...
Que envelheceu, um dia, de repente!..."

Da Discrição

"Não te abras com teu amigo
que ele um outro amigo tem.
E o amigo de teu amigo
Possui amigos também."

Do Estilo

"Fere de leve a frase...E esquece...Nada
             Convém que se repita...
Só em linguagem amorosa agrada
A mesma coisa cem mil vezes ditas."

Da Felicidade

"Quantas vezes a gente, em busca da  ventura,
Procede tal qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura,
      Tendo-os na ponta do nariz!

Do Amoroso Esquecimento

"Eu, agora...que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?"

Não resisto em tentar criar alguns poemas no mesmo estilo, simples e melancólicos (trata-se de mero exercício), embora sem a leveza infantil do poeta, porque, agora, neste momento, estou levemente envelhecido:

As ruas da minha infância,
não desapareceram...Eu sei!
Lembra uma esquecida criança
no ancião em que me tornei.

............................................

Quando eu me for, sem alarde,
somente hão de saber os vizinhos.
Talvez, ocorra num fim de tarde,
com o sol morrendo devagarinho.

..................................................

O gesto e a palavra,
pode haver maior discrepância!
Um destrói, outro lavra,
desde a mais tenra infância.

O ser humano é assim: ardiloso,
fala, não pensa; pensa, não fala.
Mostra-se afável, amoroso,
embora em ponto de bala.

Aí estão meus despretensiosos versinhos, à moda de Quintana. Carlos Roberto Husek.

Um pouco de Neruda/Um pouco de mim ou de nós


O Oceano

"Corpo mais puro que a onda,
sal que lava a margem,
e a ave lúcida
voando sem raízes."

Para todos

"De repente não posso dizer-te
o que te deveria dizer,
homem, perdoa-me, saberás
ainda que não escutes as minhas palavras
que não me pus a chorar nem a dormir
e que estou contigo sem te ver
desde há muito e até o fim."

Plenos poderes

"Assim do nada sou composto
e como o mar assalta o arrecife
com balões salgados de brancura
e desenha a pedra com as ondas,
assim o que na morte me rodeia
abre em mim a janela da vida
e em plena exaltação estou dormindo.
Em plena luz caminho pela sombra."

Tive alguma influência de Pablo Neruda nos meus dois últimos livros - não de sua grandeza, é claro; não de sua arte, é claro, não de sua sensibilidade, é claro -, mas do modo com que via as grandes e as pequenas coisas da vida: o céu, o mar, a solidão, a tristeza, as árvores, a terra. Tudo que nos envolve: paisagens internas e externas; a imensidão do mundo interior e a imensidão do mundo que vemos, com os nossos olhos particulares, pelas nossas janelas, pelos nossos mirantes, postados no alto dos nossos pés a olhar tudo e às vezes sem poder ter alguma comunicação razoável daquilo que vemos e que nos atinge. Isto, evidentemente sou eu; mas, aí está fronteiriço Neruda que se punha escrever assim, após enfrentar o caos das distâncias. Estamos sempre distantes de tudo o que nos cerca, porque estamos dentro de nós; e nossa origem é desconhecida. O corpo nos comunica e ao mesmo tempo nos separa. Quando fechamos os olhos (para descansar, para dormir ou para morrer), nossa essência está lá e o mundo continua fora. Será que nos comunicaremos de alguma forma, na forma etérea que nos tornaremos (afinal, nada se perde, tudo se transforma); um mundo à parte, ignoto, imprevisível e indecifrável? Eu e você, nós e os outros, somos tão desconhecidos e tão únicos, que por mais que vivamos em sociedade, nos guiam as inconsistências específicas de quem - como nós - mal sabem da própria verdade. Se há uma angústia no mundo? Há, a da nossa ignorância. O espelho nos engana e as palavras - ai, as palavras... - são meros instrumentos (imperfeitos, antigos; que necessitam de um aparelho fonador) da comunicação possível. O que fazer? Vamos continuar em nossos mirantes, como promontórios avançados no mar da vida, a olhar tudo sem o movimento adequado e a deixar que nossos pés sejam batidos e salgados constantemente pelas ondas.  Carlos Roberto Husek.











quinta-feira, 4 de abril de 2013

Da repetição das palavras ou idéias na poesia/Ritmo


Na genial poesia O Corvo, de Edgard Allan Poe, o efeito das idéias e versos repetidos dá o ritmo da composição, beleza e mistério:

Com base na versão de Machado de Assis, pode-se ver esta estrutura no meio e afinal de cada verso. A história da poesia baseia-se numa pessoa solitária em sua casa, lendo vários alfarrabios e ouve uma batida na porta; abrindo-a várias vezes nada encontra (aqui há a repetição da expressão ou da idéia: de que não há niguém "nada mais"); numa dessas aberturas  entra um corvo, que ao se perguntado o que fazia e porque entrara, repete sempre a frase "Nunca mais", resposta que dá às preocupações do dono da casa. A figura do corvo, preto, grande e que repete a mesma resposta, de forma lógica às perguntas feitas dá um ar de mistério e confirma que a pessoa amada "Leonora" estava morta:

(dois últimos versos da 1a. estrofe)

"É alguém que bate à porta de mansinho;
 há de ser isso e nada mais".

(dois últimos versos da 2a. estrofe)

"Pela que ora nos céus anjos chamam de Leonora,
E ninguém chamará mais."

(dois últimos versos da 3a. estrofe)

"É visita que pede à minha porta entrada:
Há de ser isso e nada mais."

(dois últimos versos da 4a estrofe)

"Disse; a porta escancaro, acho a noite somente,
Somente a noite, e nada mais."

(dois últimos versos da 5a. estrofe)

"E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaço;
Foi isso apenas, nada mais."

(dois últimos versos da 6a. estrofe)

"Devolvamos a paz no coração medroso,
Obra do vento e nada mais."

(dois últimos versos da 7a. estrofe)

Trepa, no alto da porta, em um busto de Palas;
Trepado fica, e nada mais."

(dois últimos versos da 8a. estrofe)

"Como te chamas tu na grande noite umbrosa?
E o corvo disse: 'Nunca mais'".

(dois últimos versos da 9a. estrofe)

"Ouvir uma pergunta e dizer em resposta
Que este é seu nome: "Nunca mais".

(dois últimos versos da 10a. estrofe)

"Perderei também este regressando a aurora.
E o corvo disse: "Nunca mais'".

(dois últimos versos da 11a. estrofe)

"Só lhe ficou, na amarga e última cantiga,
Este estribilho: 'Nunca Mais'".

(dois últimos versos da 12a. estrofe)

"Entender o que quis dizer a ave do medo
Grasnando a frase: 'Nunca mais'".

(dois últimos versos da 13a. estrofe)

"De outra cabeça outrora ali se desparziam
E agora não se esparzem mais."

(dois últimos versos da 14a. estrofe)

"Eia, esquece, eia, olvida essa extinta Lenora
E o corvo disse: 'Nunca mais'".

(dois últimos versos da 15a. estrofe)

"Dize-me: existe acaso um bálsamo no mundo?
E o corvo disse: 'Nunca mais'".

(dois últimos versos da 16a estrofe)

"Essa que ora os céus anjos chamam Lenora!
E o corvo disse: 'Nunca mais'".

(dois últimos versos da 17a. estrofe)

"Que flutuam no chão, a minha alma que chora
Não sei mais, nunca, nunca mais".

No livro "A Filosofia da composição" de Poe, o autor afasta a inspiração e revela a transpiração da composição na busca do rítmo, da beleza, do estribilho, da mensagem, da idéia enfim. Segundo o próprio Poe, a referida poesia é mais um produto do cérebro que do coração. Raciocinou que o estribilho "nevermore" que dá rítmo ao poema não poderia ser falado por uma personagem ser humano, porque não teria lógica tal repetição, mas talvez na fala de um animal (de início de um papagaio, depois, melhor, para os efeitos da história, de um corvo), enquadrando-se no mistério e na beleza da situação.
Apesar do trabalho realizado no poema - (e todo poema, todo escrito, dá, efetivamente, algum trabalho) - ainda entendemos que a inspiração está na idéia inicial. O poeta se inspira com uma imagem, um fato,  uma fala, um pensamento, algo qualquer que é o mote para um grande ou um pequeno poema, uma saga poética, ou um simples haicai. O trabalho de raciocínio vem depois; escolha das palavras, das rimas, do rítimo, da vírgula, do ponto, ou da falta de palavras substituídas por espaços, por pontos, por sinais vários, ritmando, musicando, buscando dizer sem dizer ou dizer mais do que foi dito. Poesia é para poucos. Faz-se de instrumentos variáveis, nem sempre lógicos. A beleza que aparece em seu conjunto ou em decorrência de alguma estrofe, ou verso ou de uma idéia ou palavras repetidas, está num toque especial que o poeta sabe dar, mas não não entram nas considerações dos contistas,  romancista, novelistas e outros. Poesia é música. Carlos Roberto Husek

terça-feira, 2 de abril de 2013

O silêncio, os espaços e o vazio na poesia


Continuamos na economia das palavras. A poesia está no ar, no éter, no vácuo, nos vazios, entre os átomos. Por este motivo, é que existem técnicas que se utilizam de espaços, de pontos, de repetição de palavras, de sonoridades para dizer o que não está escrito:

Noite...
O silêncio dialoga
com outros silêncios.
No ar algum grito,
algum silencioso grito,
que vem...,
um grito abafado,
que desligou-se do corpo
pelos poros,
pelos olhos,
pelas faces,
e se fez ouvir nos confins
da noite escura.
     Noite.
.......................................
Noite de espaços.
.......................................
Noite de silêncios.
......................................
Noite de cansaços.
.....................................
Noites de vazios.
.....................................
Noite...
e no vazio desses espaços
respiram palavras
               adormecidas.

A poesia (se é que pode ser classificada de poesia) acima, não passa de uma brincadeira com as palavras (repetição) e com os espaços (talvez, com os sentimentos; talvez, com alguma filosofia de vida). Nada dizer é dizer. A vida também fala no silêncio. Carlos Roberto Husek