sábado, 2 de setembro de 2017

Quando a tarde morria...



Quando a tarde morria

        nascia um sol
      dentro do peito
e um rio de águas mansas
   na borda dos olhos
             corria,
 quando a tarde morria.


  Por cima dos prédios

apontavam-se luminosas 
             estrias,
    e uma noite escura
no horizonte se reverteria,
eu, menino, triste sentia,
 que em mim também
qualquer coisa remexia,
     o esquecimento 
     de uma semana,
     o esquecimento 
        de um dia,
no lusco-fusco da tarde,
quando a tarde morria.


     Um dia de névoa 

          encobria
    as primeira horas 
          da noite,
   as primeiras horas
           do dia,
   e entrava um vazio
    no meu coração
      e se instalava,
     sem prontidão,
        numa vaga
e inesperada alusão,
de que a morte viria,
       passividade,
       sofreguidão,
        tenuidade, 
ah, quanta esperança,
     em solenidade,
quando a tarde morria.


   Não havia pássaros,

        e se os havia,
cantariam tímidas notas,
        assentados
    nos fios da rua,
      encorujados,
  em seus pecados,
as penas amarfanhadas,
           nuas,
       de sombra
     transpassados
 porque em sombras
        se vivia,
quando tocava o sino
 do funeral da tarde,
quando a tarde morria.



            Um vento
     se introduzia,
       de esgueira,
       um leve sopro,
   e depois ventania,
   espalhando as folhas
desapegadas dos galhos,
     sem companhia,
quando se findava triste,
quando a tarde morria.


Sentado entre mesas,
  livros e máquinas
 e uma luz sem estrelas
 de repente se acendia,
   e um vago torpor
 no trabalho se movia,
 rezando encomendas
   para algum carinho
  que em um sepulcro
       transparente
  de ar adstringente,
    pairando jazia,
 na pachorra do tempo
quando a tarde morria.

  
   Senti que a morte
       me entardecia
e entardeci sem surpresa
         na encosta
       dos meus ais,
que choravam lágrimas
        ancestrais,
em plena melancolia,
e tudo, então passava,
   e tudo, então se ia
     quando a tarde
        assassinada
         agonizava,
quando a tarde morria.





  Olhei para os campos,
       e para árvores,
  das quais solenemente
me ajoelhava e despedia,
  senti que era tarde
     o que renascia,
  em mim uma bruma
  sem forma de vida,
   porque tal forma
    desinformava-se 
     e ensandecia,
  numa inexplicável,
    e momentânea
    misantropia,
 ao final daquele
       período,
quando a tarde morria.
 

Não haviam cavalos,
     e se os havia,
relinchariam desejos
 que só os equinos
       os teria,
    na mansidão
   das campinas,
 no eco das heresias,
 ai, como falariam 
       os cavalos
   se se soubessem 
    abandonados
em áreas de pastaria,
por certo se apoiariam
em suas patas e cascos
em prece, em romaria,
nessa tarde em sangue,
  taciturna e langue,
quando a tarde morria!



     Por que em face
do horizonte mais verde
    do mar mais ameno,
      do céu mais azul
com suas palavras e gestos
 alimentou-me a esperança,
   se já no livro das horas
de todas tristes horas sabia,
   que no fim de toda tarde,
quando o sol mais não arde, 
    as palavras não teriam
    qualquer serventia?
   Esgotei-me em desejo
       que só nas sombras
             que vejo
          alimentaria,
  por que cri nessas ilusões
     em plena luz do dia,
  quando ao final da tarde,
            em agonia,
     escrevia sem escrever,
       o que ler não lia,
        sem o perceber
  o que deveras acontecia,
  quando vim a entender
que a tarde naquela tarde
              morria.


Carlos Roberto Husek


quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Pés andarilhos




A palavra solta
               ofende e magoa,
flecha que atravessa
              um arco de fogo
e se incendeia;
             noites acontecem
 nos minutos que seguem
e tudo se transforma,


   (meus pés pisam

   devagar para não 
   ferir os caminhos)


Sou pedra 

            sem movimento,
sem espontaneidade,
                         sem cor, 
pedra que medra
                          em dor.


   (meus olhos

    acomodam sais
    que mortificam
    as pálpebras)



Raios entornam

          luzes e cicatrizes
e criam entre nuvens,
               etéreas raízes,
e sangram veias
         de corpos antigos,
onde antes haviam
               frases e livros.



    (Alijo de mim

     sonhos sem fim)


Existem muros caiados

   e musgos que afloram
 e pisos que escorregam
                 sinuosamente
para o infinito,
          como se ecoassem
em matéria
                  a concretude
de um grito.


   (existem verdades

      que nascem
  em pétalas macias
    ou em espinhos,
       e fazem
    de sentimentos:
          ...ninhos)


As semanas passam,

              os dias correm,
e as noites trancadas
                em suas celas
de sonhos e pesadelos
             têm um não sei
latejante
      a perfurar o instante
de preocupações
                     e desvelos. 


 (apanho de campos

    não revelados
 flores sem passado)


Andando sobre trilhos

 tenho pés machucados
e andarilhos.




Carlos Roberto Husek

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

A vida alheia...



A
doecemos de palavras,

      que palavras são mortais,
viram armas escravas
           de intrigas sepulcrais,
no diz que diz do dia
                          o vulgo se satisfaz,
e espalham palavras,
             palavras são mortais.

Pobres de amorosidade

         que só enxergam o jogo
de falar por entrelinhas,
         e cultivar pela herdade,
ervas daninhas
                  e frases inoportunas,
que fecundam sozinhas
         um mundo apaixonado
por coisas mesquinhas.

E
de tanto maldizer,
                   e falar por falar,
falam para ofender
                  e para machucar.

Quem cuida da vida alheia

        não cuida de si próprio,
divulga o que não sabe
          no incontrolável vício
desse triste ópio,
       dar notícias sem lastro,
em exercício diuturno,
      de vigiar alheios passos, 
atrás de véus escondidos, 
        assim é a humanidade,
mesquinha e incongruente,
            veste-se de palavras,
que se arvoram decentes,
                 cujos significados
não sabidos,
     orgulham os desavisados
e não vividos.

O
ópio dos desgraçados,
        que ao invés de trabalhar
dedicam-se ao nobre exercício
         de simplesmente fofocar.


Carlos Roberto Husek

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Quando partir...


                        Quando partir, 
                   partirei pleno,
           sabendo que embora
        tenha posto os pés na terra,
sempre voltei meus olhos para os céus
  e meu coração angustiado de astros
bateu emocionado em todas as aventuras.
                  Quando partir,
quero deixar marcas no chão das horas,
  passos de dança suavemente postos
   e no ar o retrato diáfano das mãos
                guardando gestos
   e o desenho - quem verá? - daqueles
   que conterão inconfundíveis notas 
       de amor, de abraço, de sorriso.
                   Quando partir,
      quem me amou, abraçou e sorriu
        sentirá que não fugi de todo 
                 dos meus amigos.
                   Quando partir,
       aqueles que só souberam de mim 
         na formalidade dos eventos,   
          não irão, espero, admoestar
            meus arrufos humanos
             e minhas inseguranças
                  e meus desejos, 
                 sabedores, por certo,
                  do frágil sol que possuí
    nascido e morto a cada entardecer.
                 Quando partir,
                pequeno e fugaz, 
se apiedem os céus dos meus pecados,
            e destes fiquem a borda
que não desnatura a essência das coisas.
                 Quando partir,
      saberão os que me conheceram
   que em cada olhar ansiei pelo olhar, 
      que em cada luz ansiei pela luz,
    que em cada som ansiei pelo som,
que em cada carinho ansiei pelo carinho,
       e só dei o que foi possível dar,
       na infinita necessidade de ser.
                Quando partir, 
          em um dia assim como este,
    com esta chuva, com estas nuvens,
       e esta noite que se fará eterna
              tudo se acomodará,
       sem que me vejam destituído
     da capacidade de dar e receber,
eu que serei pó ou cinza ou um passado
             sem começo ou fim,
um ficar esperando o refúgio da terra,
           um ir vestido de vento,
           um voar para o nada,
        batendo asas emprestadas,
         como um pássaro cego,
      em busca da terra prometida.
              Quando partir
     sem aviso no dorso do tempo,
       sem razão, sem veleidades
                e sem sonhos
    saberão que tudo não passou
          de um simples texto,
            crônica sem lastro,
           de poucas páginas,
   em meio a milhares de escritos
    nos volumosos e empoeirados
            alfarrábios da vida.
               


        Carlos Roberto Husek

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

A voz das coisas




Estava observando o nada,
e o teto me encarava
com sua pintura branca...

Nos retratos alguns rostos
indagavam-me sem palavras
sobre o que fazia...

Conversei com os antepassados
que de suspensórios cogitavam,
sair das fotografias...

Os livros enfileirados 

gritavam em suas páginas
textos e textos de modo surdo...

Alguns enfeites, corujas, estatuetas,

símbolos, conjunto de canetas,
não se atreviam falar...

Tesouras dentro das gavetas,

calavam-se tristes
em suas hastes metálicas,

Vi com as pálpebras fechadas

que ressonavam entre paredes
todas minhas formas de vida.

O silêncio de tudo,

me segredava memórias
e estas, sim, dançavam absortas.

Não dormi apreensivo

de que os objetos sem vida
respirassem infinitamente.

Porque estavam vivos

e me olhavam desesperados
para contar que me entendiam.

..........................................................


As horas passam desfilando

pelos ambientes vazios
como caravanas mudas.

Percebo que tenho mais,

dentro de mim
do que os dias permitem.

Q
uando me cerco

de gente no trabalho e na vida,
vivo a eloquência das ideias.

E o
s sentimentos e raciocínios

falam aos meus ouvidos coisas
inexplicáveis...mas, sei o que são.


Carlos Roberto Husek



sábado, 27 de maio de 2017

O sentido das palavras,,,




Um ponto...um ponto no caminho,
                        e depois de passado, só restam árvores
e mato e ervas daninhas e flores e espinhos,
                               e rosas e todas as cores do mundo,
do amarelo ao grená, do verde ao azul,
                                        do branco ao cinza e em meio 
esticando o caule e suas folhas
                               um estilete verde a galgar o espaço
em busca do céu que parece longínquo,
                              e das estrelas que brilham distantes
e a perfurar as nuvens para que descarreguem
               água em abundância para encharcar a alma
ou mitigada, para devagarinho ir alimentando
            cada poro do corpo penetrando em suas raízes
e fazendo frutificar um sonho, uma lágrima,
                    alguma essência que expulse os pesadelos,
amaine a dor das cicatrizes, depurando-as
       e que encubra a epiderme do odor dos eucaliptos.

É árida a estrada que segue o pó que se levanta
      de solitários andantes que arrastam suas agruras
com solitárias sandálias desacostumadas
     das pedras que rolam, se encontram e se desviam,
nas inexplicáveis ocorrências da vida.

Um ponto...um ponto no caminho,
                  e depois de passado, a certeza de que tudo
faz parte da paisagem e que somente o aprendizado
      justifica todos os sentimentos e todos os espasmos,
todas as tristezas, todas as penas, todos os gozos.

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Todavia, quando o sentimento é a verdade,
                                   abre-se em pétalas o raciocínio,
e o trajeto é de sol, iluminado,
                                                      perfumado e florido,
a paisagem se transforma em mar aberto
     e há um zênite de astros a reverberar no infinito,
quando se odeia, porém, tudo é obscuro, cinza,
                 enigmático, e rostos encapuçados surgem
lado a lado, marginais ao itinerário traçado
              como infernais planejadores do submundo.

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A vida tem o sentido das palavras
           e nossa inteligência só alcança grandes notas
se informada pela dor ou pela emoção,
   de resto, o que sobra é a canção da mediocridade. 
             


Carlos Roberto Husek
 

sábado, 15 de abril de 2017

Yoshime...



Quando o sol japonês
descer devagarinho ao final do dia,
na manhã de 16 de abril de 2017,
                  haverá no céu um brilho
contornando as montanhas,
                  com delicadeza no traço
e cintilação fugaz,
 que irá aos poucos desaparecendo,
tão tênue em sombra,
                        de um cinza azulado,
influenciado pela noite
                                   de 15 de abril,
quando com seus delicados dedos
     a própria Yo entendeu por bem
desligar os aparelhos
                     que a prendiam à vida.

Acho que se depreendeu do corpo
                            com suaves gestos,
e foi levada por mãos amigas,
      fadas que há muito a cercavam,
chamando amorosamente,
    para que ela nãos se admoestasse
e pudesse ainda olhar os seus,
                     com seus olhos miúdos,
e nos brindar com seus passos
                        infinitamente macios.

Fará enorme falta
 como sói acontecer com as lacunas
que não conseguimos cobrir
                                  durante a vida
e por mais que disfarçamos  
                não nos permitem chorar,
chorar como um menino,
                         de tristeza profunda,
porque o dia continua
           e o trabalho - que ela amava -
terá que ter a continuidade estoica
dos que sobrevivem,
                                sem nem pensar
se vale a pena a lida,
                         se vale a pena sorrir.

Yoshime, nome meigo,
          próprio e único, de brandura,
de cordialidade, de gentileza,
        de benevolência e de suavidade
da Yoyo, da nossa Yoyo,
      que deixará, única maldade sua,
um vazio na mesa da ponta,
                           da porta de entrada
do gabinete  do 19o. andar.

"Cadê a bolinha Yo?",
                                   doce Yoshime,
que nos carregará para sempre
                                           o coração,
no céu, certamente encontrará
                              amigos e prazeres
com quem dividirá suas impressões
                                         do dia a dia.

Terão dias e noites os céus,
                    como os daqui da terra?
Não se apresse em descobrir Yo,
                  porque todas as moradas
lhe serão mostradas
  e todas as flores soltarão perfumes
nas suas andanças,
     por vias e prados desconhecidos,
mas acompanhada por seres de luz.

Uma última missão: 
                   leve em seus guardados,
feitos de brisa e de carinho, 
     nossos sorrisos e nossos abraços,
pois estaremos com você. 


Carlos Roberto Husek






domingo, 9 de abril de 2017

Silencio...



Silencio,
    e cercado por palavras não ditas,
vou conduzindo meu barco
                     em um oceano infinito,
as águas são claras e as ondas
                    desenham-se em suaves
sinuosidades como pintadas
a pena com tinta semitransparente,
tudo tem uma cor indefinida,
                  e do oceano ao horizonte
de um céu sem manchas
                            aparecem gaivotas
e pulam peixes coloridos.
Silencio,
                 neste meu corpo desnudo
eriçam-se os pelos
        à brisa que parece abraçar-me
na cintura e no pescoço,
        tenho saudade do que não vivi
e me aconchego entre travesseiros
                             à espera da morte,
que a morte vem vagarosa,
    com ar doce, os olhos lacrimosos,
passos miúdos, entre flores,
                         cheirando a lavanda,
vestes fluídicas,
                         com jeito de menina,
braços abertos,
     lábios a sorrir um sorriso amigo,
e a dizer: somos um.
Silencio,
           e a vida corre em debandada,
corre louca, corrida em desespero,
               para nada e lugar nenhum,
ginete enfurecido,
                a crina pontiaguda e solta,
relincha e no galope em disparada,
                                             fica no ar
por milésimos de segundos,
                  e tem de si uns momentos
de inspiração e de abandono,
             a vida é assim, uma carreira
desabalada e alienada
                       rumo ao desconhecido,
marcada por passagens,
                                 trotes e marchas,
de morte, de amor
                              e de esquecimento.
Silencio,
               e me vejo em diálogo mudo,
em diálogo surdo,
                                  em diálogo cego,
singrando mares internos
             liberto de regras e aforismas,
como se estivesse nesse palco
                 pela primeira e última vez,
sobre este barco e este ginete,
                            e dentro deste corpo
em decomposição,
                               do menino que fui
do adulto que sou
                             e do que me espera,
reconstruo-me em meus guardados,
                                      reconstruo-me
em minhas campinas e prados
        reconstruo-me em meus oceanos
e em meus rochedos,
                                      reconstruo-me
nas minhas avenidas e becos,
                          e assim me apresento,
sem plateia e sem disputas,
                          correndo contra mim,
em corrida sem fim,
                     em minha próprias lutas,
velejando nas águas que crio,
                               vencedor e vencido
na escrita que escrevo,
                       do meu próprio desafio.



Carlos Roberto Husek







quarta-feira, 5 de abril de 2017

Íntima geografia



Avenidas e ruas laterais
             na íntima geografia
alguns logradouros
                      encontro mais
outros, talvez um dia,
                tenho uma cidade
de sentimentos,
          deduções e aleivosias,
avenidas e ruas laterais,
                  música ambiente
marcha fúnebre,
                 samba e cantoria,
não me encontro mais
         nesta íntima geografia.

O caótico trânsito,
         dos estímulos nervais,
a pele e os músculos
         que entram, por vezes
em calmaria,
                          tenho receio
de não me encontrar mais,
           no espaço de um dia,
há becos laterais
          e ventos em confraria
  lutam em campos abertos
                    ferozes animais,
luas e serenatas,
                  límpidas grafias,
escritos cuneiformes,
          velórios repleto de ais
e doces olhares
                           em romaria
vozes ancestrais,
                   festas e cantoria,
momentos sepulcrais
             alvoradas luminosas
e madrugadas frias.

..........................................

Não me encontro mais
em minha íntima geografia.



Carlos Roberto Husek

sexta-feira, 31 de março de 2017

Uma cortina...




Uma cortina
                       de água,
que se descortina,
   e por trás dois olhos
estagnados
          e interrogativos
como os de
                uma coruja,
espreitam a paisagem
parados no tempo.
     
São profundos,
                 enigmáticos,
cismam coisas
  que não se traduzem
em palavras,
       e ficam no infinito
de seus interiores,
                a emitir luzes
para o espelho
                           da íris,
na linguagem
                  indecifrável
dos sentimentos.

Lá fora a vida
                       se desfaz
em risos
            e em vocábulos
perdidos,
             em um deserto
de impalpáveis
              possibilidades,
que mais leves
                        que o ar
se escondem
                     no infinito
vazio de íntimos
                         desejos. 

Alguns anéis
                     de fumaça
de fonte inexistente
  criam novas cortinas,
e as pálpebras
    se fecham no mundo
dos sonhos.


Internam-se no peito
                     as sombras
das adversidades
          que se constroem
por acaso, no azedume
        das circunstâncias
e das interpretações.

A unidade dos corpos
separados, tecida
                   e amarrada
na eternidade de laços
    espirituais que estão
além do tempo,
                       é a única
verdade absconsa
             que a epiderme
disfarça e arrepia.

É necessário
                     ser simples
para compreender
                     a complexa
essência da vida,
      porque só o coração
pode escrever as linhas
                  da realidade.



Carlos Roberto Husek

quarta-feira, 29 de março de 2017

A noite choram gatos


A noite choram gatos
e há sombras que dormitam,
encostados nas árvores
existem namorados
que se precipitam.

Agarram-se, beijam-se,
e o mundo basta naquele espaço,
que venham todas as formas
da natureza morta
e dos minerais solitários,
que eles são um só corpo
e um só espírito
em seus próprios campanários.

A noite choram gatos,
ou gritam em particular cio,
que todos se amam
nos interstícios e nichos,
nas dobras dos caminhos,
nas margens das corredeiras,
nas águas cantantes dos rios,
as flores em seus perfumes
os cravos e seus espinhos,
os amados com seus ciúmes,
os pássaros em seu ninhos.

A noite choram gatos
e há sombras que dormitam,
em seculares amores
repletos de exigências e dores,
que formaram pares atormentados
nos corações imaginários
de seus admiradores.

Se a vida é lida e raça e sangue,
se a vida é esforço incontido,
se a vida é um caminhar sobre mangues,
e é sempre um paraíso perdido,
Deus a tudo redime, absolve e aprova
os criminosos de seus crimes,
quando amam a toda prova.

A noite choram gatos
e os enlouquecidos e os insensatos,
e nos espelhos partidos
espelham-se lágrimas dos revividos,
que se lavam na superfície
com suas incompreensões dos fatos,
e se agitam e gritam e choram
............................................................
como se fossem gatos.


Carlos Roberto Husek

domingo, 26 de março de 2017

Uma interpretação gráfica...



................../
................../
................../
................../
................../
................../
................../
................../
................../

Andar, andar,
                      parar
recomeçar,
          andar, andar,
parar.

As barreiras
             se repetem,
não há novidade,
   mas ainda assim,
prefiro recomeçar
             a cada dia,
pontilhando
          e atapetando
os caminhos,
        em sequência,
linha após linha,
                e a trave
que se encontra
                 ao final
de cada uma delas
irá aos poucos
                   caindo,
desaparecendo,
     e daí em diante
só virgulas,
        alguns pontos
de interrogação
                para por
as deduções
               nos eixos,
e outros de
           exclamação,
para a plena
              felicidade,
e um horizonte
  de possibilidades
e de paz.

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........................../
.........................\
.........................-
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.................,,,,,,,,,
......,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,
,,,,,,,,,,?,,,,,,,,,,,,,?
,,,,,,,,,!,,,,,,,!,,,,,,,!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Alegria, aposta,
          suavidade,
plenitude
          na certeza
de tudo,
        e dos fatos,
segurança
          e calmaria.

Vida~~~~~~~~~
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~~~~~~~~~~~~~~
~~~~~~~~~~~~~~ 


Carlos Roberto Husek

sábado, 25 de março de 2017

Gostaria de ser...




Gostaria de nada ser
e navegar pura e simplesmente,
tendo sob os pés a madeira rangente
dos barcos judiados pelo sal do mar,
sobre a cabeça um céu profundo
e no horizonte a visão de um azul sem volta,
e assim estar com braços abertos, peito ao sol,
rosto marcado pelas vergastadas dos raios
que queimam de manhã à tarde,
só conversando com as ondas e os peixes
e escrevendo no líquido que bate nos costados,
com a ponta dos remos de madeira envelhecida,
palavras que se perdem de tão amorosas e verdadeiras
que não podem ser ouvidas pelos que vivem
longe nas intempéries dos prédios e das cidades;
não ter qualquer dom ou habilidade,
salvo a de respirar e dizer tudo o que sinto
no palco dessa solidão marinha e absorver o noturno
oceânico de estrelas cheio, até adormecer
embalado por ilusões e sonhos,
marejado pelas bolhas que salpicam das águas
para misturar no abismo do sono, as lágrimas
decorrentes dos sonhos impossíveis.

A vida está dentro de mim, onde tudo navega.

Por isso, posso dizer palavras tão doces
e inúteis, que jogadas ao vento, como sói acontecer,
criam asas e voam acima de tudo e se perdem.

Por isso sou frágil como as folhas soltas
e leve como a brisa,  porque não me sinto existir.


Carlos Roberto Husek


domingo, 19 de março de 2017

E necessitamos de tantas flores..!



Olhos que tem o mar
                      e cujas eventuais ondas
poderiam ficar contidas na base
            e crescerem em torno da íris,
escapam de maremotos,
                       escapam de tsunamis,
porque têm a capacidade
                          de renovação diante
dos fatos novos que a vida
                        cisma em apresentar,
e sossegam as horas,
                                  entre espumas.


   (e ainda assim muitas águas
     surgem de ignotas fontes e formam
    fios de águas, que correm
    sem percepção, mas que poderiam
    se transformar em caudalosos rios)


Não existem areias ou praias,
                         a placidez das águas
faz absorver as próprias ondas,
                       e o mar se transforma
em manso e transparente lago.


 (viver é um teatro, o teatro é vida
   mas sobra após o encerramento
 diário das cortinas, uma frustração,
            um gosto amargo,
   de saber que as portas se abrem
    e se ganham as ruas que nos
      desenham a realidade)


E a tudo continuará
                               no mesmo ritmo,
de segunda a sexta,
                        de semana a semana,
em subordinação aos sentimentos
                      que constroem diques,
cimentam a paisagem,


  (que necessita de tantas flores..!),


dirigem o olhar severo à vida,
                 e picham muros, paredes,
cadeiras, mesas, corredores,
                 com símbolos desconexos,
e rabiscos estranhos.


    (a indulgência é uma flor...
     e necessitamos de tantas flores..!)


Só as próprias razões,
                       sem condescendência,
satisfeitas da forma
                       independente do agir.


(e o que nos magoa nos alimenta,
 e o que nos alimenta nos trai,
 e o que nos trai cava buracos
 internos impossíveis de reparação
...e necessitamos de tantas flores..!)


Convulsões internas
           de fontes não reveladas
se retroalimentam, à medida
que fluem as lágrimas,


   (que quase sempre
    escorrem pelas faces
    para o fundo do peito)


Olhos com a cor do mar
                 e com a cor do céu,
repletos de saveiros
               e de nuvens prontas
para desaguar
               em pequenas poças,
mal sabendo de acúmulos
          interiores, de histórias
que sucumbiram ao longo
                                   da vida,
mas que conseguem
                   fazer nascer o sol     
e povoarem a cena do dia
                              de estrelas.


(quem tem por base o afeto,
        tem esperança
 de vida, tem cedência,
 tem a inconsciente consciência
    que tudo é isso, e o resto
   somente serve de iguaria
      para os desajustes
.................................................
...e necessitamos de tantas flores..!)



Carlos Roberto Husek