sábado, 24 de novembro de 2012

Meus haicais de repetição


o tempo, o tempo passa
como uma nuvem
de repente se apaga

de repente se apaga
como uma nuvem
se transforma em água

se transforma em água
como uma nuvem
e escorre sem direção

e escorre sem direção
como uma nuvem
sem dar tempo ao tempo

sem dar tempo ao tempo
como uma nuvem
o tempo, o tempo passa.

Pode ser uma espécie de mantra. Tudo passa. Carlos Roberto Husek

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Cuiabá

(destacando Manoel de Barros, versos grafados de "O Livro das Ignoranças")

só há clima,
     só há natureza plena,
e pujante,
     só há diálogos
                  improváveis,
só há figuras novas
                 e incontáveis,
     feitas de animais,
                 animáveis,
feita de ocasos,
feita de pequenos bichos,
    e de veios de água
que correm e se evaporam,
e se tornam céu
e se transformam em pedras
que também se convertem,
em garças e em uvas,
em maçãs que descansam,
            e dormem,
e no próprio homem
       e passa a ser coisa,
            a ser planta,
 a não ser somente
barulho, grito falante.  
"Quando o rio está
      Começando um peixe,
Ele me coisa
           Ele me rã
                   Ele me árvore
De tarde um velho
Tocará sua flauta
Para inverter os ocasos."


Manoel de Barros nasceu em Cuiabá, Mato Grosso, em 1916 e sua poesia, como não podia deixar de ser, foi influenciada pela paisagem de Corumbá e do Pantanal. Manoel de Barros inverte a lógica das coisas e da realidade, porque a realidade do poeta, do seu espírito, é outra. É possível assim "tocar a flauta para inverter os ocasos e tornar-se árvore". Poesia muito diversa das demais. Um poeta singular. Veja-se: "Gravata de urubu não tem cor.
               Fincando na sombra um prego ermo, ele nasce.
               Luar em cima de casa exorta cachorro.
               Em perna de mosca salobra as águas cristalizam.
               Besouros não ocupam asas para andar sobre fezes.
               Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina.
               No osso da fala dos loucos há lírios."

Pois é. Não me esqueço e acho que não devem esquecer aqueles que gostam de poesia que: o poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina e que no osso da fala dos loucos há lírios.  Lamber palavras é o que se faz. Penteá-las, namorá-las, e diante do resultado, dos seus efeitos, dos sons que fazem (no cérebro) quando combinadas em frases, se enlouquece, se alucina (uma boa alucinação, uma loucura que liberta). Os loucos têm a sua própria arrumação das coisas, que não é a mesma arrumação dos considerados "normais" (o que é normalidade?) e na sua fala ( a palavra é concreta, é dura, é óssea), e da sua fala resultam lírios (encantamentos, verdades, amorosidades). O poeta é sempre um lambedor de palavras, é sempre um louco e nos seus versos (por mais loucos e lambidos que sejam) observam-se lírios. Pode-se se ouvir a música que deles emana, embora o silêncio da leitura. Pode-se se sentir os sentimentos que deles advém. Pode-se sentir o odor (os versos quando feitos com a verdade da alma têm cheiro, odor). Carlos Roberto Husek

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Um intervalo para os haicais


Hoje quero sair um pouco dos estreitos caminhos da minha poesia e dirigir o olhar, em especial,  para a poesia oriental, apesar dela já ter dito alguma coisa quando transcrevi parte de latipac sobre Tóquio e sobre Basho (poeta japonês).

Ocorre que levantei oriental, miúdo, afeto às pequenas coisas da vida, aos pequenos movimentos, às pequenas imagens, dando importância aos pequenos passos. Quando se tem o ofício (ainda que não profissional) de escrever e se acorda desse jeito, é melhor não contrariar a natureza. Nada se escreve com algum valor (sentimental) ou com alguma verdade, se não estiver de conformidade com nossa vontade interior.
Matsuo Basho nasceu em 1644 em Ueno, na província de Iga, e adotou o nome literário de Sobo. escrevia haikais (ou haicais), pequenos poemas curtos, por vezes satíricos, repleto de jogos de palavras (no caso de Basho, a introdução na concisão do poema, da filosofia zen, além dos demais caracteres), com alguma referência a uma estação do ano, ainda que de forma indireta (p.ex. para primavera, além desta mesma palavra, uma expressão equivalente, como "montanhas sorridentes"). Enfim, nas pequenas coisas (observação de um caminho, de um inseto, de uma gota de água, de uma folha caída, de uma flor, de uma nuvem, de um sorriso, de um olhar) ou mesmo de coisas grandes, mas a partir de observações solitárias (a via láctea, a Lua, o Sol, o mar,  o céu), tira-se uma nota, um acorde (tem muito de música em qualquer poesia) um pensamento, um ritmo, a percepção de algo, um "insight", uma revelação.
Alguns versos de Basho aí vão:

"solidão
após os fogos de artifício
uma estrela cadente!"

"murmúrio
marmóreo
  do mar"

"folhas tremulam
no campo queimado
à espera da lua"

"silêncio profundo
o sibilo da cigarra
perfura as rochas"


Um pouco antes de sua morte e sabendo que morria escreveu Basho:

"finda viagem
meus sonhos rodopiam
pelo seco descampado"

Percebam. Há uma fina observação do universo em torno do poeta. Há uma beleza singular, um efetiva musicalidade, que somente se observa ou se sente quando podemos parar (sair do azáfama da cidade, ainda que dentro dela) para a contemplação. É um exercício de eternidade (o tempo não conta, o tempo não existe).

Deixamos aqui, virtualmente, com ousadia, alguns de nossos haicais (ainda não publicados):

        janela fechada
 o sol penetra pelas frestas
   e deita raios no tapete.

 Como estão as flores
    no caixão em torno?
        ... Mortas.

       Já espraiado corria,
       o sangue na calçada.
   Um tiro. Era madrugada.

  Nuvens, garoa, riscados,
      a verdade presente,
      aflorando passados.
    
     É isso. Carlos Roberto Husek
    

 
   

    



quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Maceió

(destacando Ledo Ivo, versos grafados de Mar feminino)


A terra tem sons, tem artes,
    tem arenosas partes,
tem obstáculos, tem dádivas,
    tem dívidas, tem cruzes,
    tem motivos, tem luzes,
tem os canaviais,
e nordestinos ossudos,
                  ancestrais,
e mulheres bojudas,
de curvas e redondezas,
de olhos rasgados,
onde esfumaçam braseiras,
"Amo-te porque és mais bela
            Quando imóvel
Quando teus joelhos lembram
            Areias duras
E teu sangue é um sol
               E corre em tuas veias."

Ledo Ivo nasceu em Alagoas, em 18 de fevereiro de 1924. Como todo poeta tem dentro de si vários, no mínimo três, como expõe na sua poesia "A nave da Lapa"- "Pela manhã sou um,/ Cai a tarde e sou outro/ De todos e nenhuns/Me despeço ao sol-posto,"

 Assim me despeço,
 Agora sou Carlos, ou o Solrac,
 ou o Roberto, ou o Otrebor,
 ou o Husek, ou o Kesuh.
 Sou tantos,
 e ao mesmo tempo,
 apenas um.                         Carlos Roberto Husek

domingo, 11 de novembro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos

Goiânia

(destacando Cora Coralina, versos grafados de CoraCoralina quem é você?)


vestido comprido,
vestido rodado,
na cabeça um pano
vermelho,
cabelos presos,
miúdos olhos,
que ela quer,
voltados para
as coisas pequenas,
"...mulher
como outra qualquer"
que vem "do século
passado"
trazendo consigo
"todas as idades",
Cora Coralina,
Cora coregem,
Cora vivacidade,
que os becos,
os bolos,
os solos,
as salas, as horas,
os filhos, as filhas
que adora,
que cria,
das vilas incriadas,
das pedras irregulares,
dos gestos,
dos falares,
dos diálogos
ao pé do fogo,
dos cantos,
dos cantares.

A poesia está no espírito de quem a escreve e vem, seguramente, de outras eras (tese espírita, reencarnação, Jung e o inconsciente coletivo, simples antenas ligadas, não comum aos demais?). Os poetas são iguais, embora fisicamente diferentes. Não há efetiva diferença entre o português Fernando Pessoa, andando, com seu terno e gravata pelas ruas de Lisboa, entre Castro Alves, na sombra das Arcadas, entre Vinicius de Moraes, na mesa de um bar com um copo de uísque e um violão, em Copacabana, entre o sorumbático Augusto dos Anjos, no seu espírito Santo ("Eu sou aquele que ficou sozinho/Cantando sobre os ossos do caminho"), entre o sofisticado diplomata Pablo Neruda, bem como entre o amoroso perseguido Garcia Lorca e Cora Coralina, a senhora que com seus vestidos e seus bolos, começou a se fazer conhecida (diamante que sempre lá esteve, no interior de Goiás), a partir de provecta idade (alguns poetas morrem cedo, fulgurantes, outros nascem depois que se foram as glórias da mocidade), mas todos são irmãos da mesma família, provindos de um mesmo espírito unificador, de uma mesma cepa, de uma mesma angústia (toda poesia, mesmo a mais infantil e romântica, a mais política e social sofre da doença da angústia, que é o descompasso entre a realidade vivida nas cidades, nas comunas, nos becos (nos becos de Goiás), e aquele sentimento inexplicável do mundo. Todo poeta é um universo que sobrevive, desde as coisas pequenas (formigas) até às estrelas, na grande distância do firmamento. O poeta não tem idade, não tem sexo. O poeta é. Carlos Roberto Husek.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Belém

(destacando Mário Faustino, versos grafados de Poesias Completas)

e mais pronto para a morte,
pressentida e advinhada,
com sua bola de cristal,
Mário, Mário Faustino,
    que tinha especial tino,
    para querer o bem
e prevenir o mal.
"Não morri de mala sorte,
Morri de amor pela morte."

(destacando João de Jesus Paes Loureiro, versos grafados de "O Círio")

"O Círio vai passando como um rio"
      vai passando como um rio,
      serpenteando como um rio,
      evoluindo como um rio,
      marulhando como um rio,
      arrastando tudo
                  por onde passa,
como um rio, um rio de gente,
            com suas rezas,
            com seus panos,
            com suas preces,
            com seus estribilhos,
            com suas mulheres,
            com seus maridos,
            com seus filhos.

Não temos muito a falar sobre João de Jesus Paes Loureiro, inspirado poeta paraense, porque é daqueles - pepitas de ouro - que brilham na sua comunidade e serão aos poucos descobertos. basta o verso destacado que deu mote à continuidade da poesia sobre o Círio de Nazaré. Sobre Mário faustino, no entanto, algumas palavras: nasceu, na verdade, em Teresina, Piauí, em 20.10.1930 e morreu em Lima, Peru, em novembro de 1962. Destacou-se como jornalista e estudante de Direito em Belém do Pará. Seu livro "O Homem e sua Hora" preocupa-se com temas referentes à pureza, impureza, perdição e salvação, amor e morte, dualidades. Foi um grande intelectual, que sobretudo pensou no fazer poético, na comunicação:

"Para as festas da agonia
Vi-te chegar, como havia
Sonhado já que chegasses:
Vinha teu vulto tão belo
Em teu cavalo amarelo,
Anjo meu, que, se me amasses,
Em teu cavalo eu partira
Sem saudade, pena, ou ira;
Teu cavalo, que amarraras
Ao tronco de minha glória
E pastava-me a memória.
(...)
Não morri de mala sorte,
Morri de amor pela Morte"

Sua morte prematura não permitiu que este poeta e intelectual pudesse dar uma contribuição maior para as letras nacionais. Certamente alcançaria patamar invejável na literatura brasileira. Carlos Roberto Husek

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Um comentário a guisa de coisa nenhuma


Escrever é sempre um grande problema produto de vários outros, parciais e quase insolúveis no seu espaço e momento.
Trata-se de ofício solitário (aquele que lê...uma incógnita!), como lê (um mistério), o que lê (uma possibilidade...em princípio, o que está escrito), porque lê (talvez, um momento de abandono...por não ter nada melhor a fazer...por curiosidade...por simpatia...para exerce uma certa fiscalização sobre o eventual escriba...por ter atração pelo rídiculo e esperar que o escritor se safe ou não dessa possibilidade...para ver até onde vai o entusiasmo do pseudo comunicador, em um mundo que escrever -num blog, então... - é comunicar-se com todos e com nada. Não é diferente na escrita de um livro (quem o compra? por que compra? quando compra?, para quê compra? realmente o lê e se envolve e faz algum juízo crítico?) Novamente mistério! Diferente do facebook e outras ferramentas similares, em que se comunica a solidão de cada um (fatos comezinhos do dia, que em tese só tem interesse ao comunicante) e se responde - quando responde - também em perfeita sintonia solitária; um mundo de calados que preferem o virtual, embora concreto, ao diálogo concreto, embora por vezes virtualmente posto?!. É que este último leva em conta os olhos, o gesto, as possibilidades analógicas, os erros e os acertos da comunicação completa.
O blog não é muito diferente, salvo o fato de que, quem o escreve, efetivamente, não espera ser lido ou ter algum retorno (não espera...?). Bom, pelo menos o faz para dizer e não para ouvir (talvez, seja mais solitário ainda...!).
 Aqui, na tela (seja "e-mail", facebook, blog, twiter, e sei lá mais o quê) criamos um mundo e nos afastamos daquele que está ao nosso redor. No entanto, a utilização está sendo tão grande! Não pela minha geração (já estou avoengo), que fica sem saber a verdeira revolução que vem após a consolidação desses instrumentos: um mundo maravilhoso ou uma sociedade de estranhos, cujo o mínimo contato visual nos causará a cegueira temporária, ou permanente? Talvez estejamos caminhando para a comunicação mental (mundo futuro, aquele das ficções), em que o ser humano será uma enorme cabeça, corpo miúdo, braços e mãos sem musculatura, sem boca, lábios ou dentes, olhos sem íris, flutuante (andar é primitivo), a escutar-se e escutar outros pelo éter. Talvez, estejamos morrendo. Carlos Roberto Husek  

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos / antes algumas palavras


Algumas palavras:

Uma missa católica fez-me recordar os simbolos gregos das máscaras (a alegria, a raiva, a tristeza) e/ou as máscaras impassíveis japonesas, por trás das quais saem vozes, timbres, que falam dessas e de outras emoções,  porque a homilia referiu-se a uma figura paterna, morta, de um amigo, como se a morte fosse um presente final que Deus nos proporciona, a nós, que cá permanecemos, entre os vivos.
E, no caso, realmente parece ter sido. Convenci-me. Clóvis Garcia, professor emérito da Escola de Comunicação e Arte de São Paulo, faleceu de sete para oito dias atrás e tal acontecimento propiciou uma revelação divina - e acredito que o seja - pelo menos para aqueles que não haviam despertado para tal revelação: Clóvis Garcia foi um presente de Deus para os seus familiares, amigos, estudantes e todos que partilharam de sua vida. Belas palavras!
Quem passeou pelo teatro, nos bastidores e no palco, e exerceu a crítica e a história, a história crítica e a crítica histórica ( pude quase ler, e ainda o leio, e parece que o farei ainda por alguns dias - leitura dinâmica - o seu livro "Os caminhos do teatro paulista") tornou-se um presente porque iluminou o palco da vida e os personagens que nela se movimentaram, por suas palavras e obras.
 A própria missa, por fim, - nos perdoem os religiosos, também o sou, de certa forma - é um teatro que abre as cortinas da divindade e encerra-as nas exéquias sobre a figura daquele que partiu.
Partir, partir, partir: de partidas vivemos. O trem para na estação - cada residência, cada família é uma plataforma - abre as portas e no vagão, adrede preparado, o vivo sobe alguns degraus, olha uma última vez (quem não viu na retina do último instante, um olhar significativo?) e não mais retorna. Assim é a vida...assim é a morte: uma peça, em que a última cena pode ficar para sempre na memória.    

Belmonte

(destacando Sosígenes Costa, versos grafados de "Abriu-se um cravo no mar")

"A noite vem do mar cheirando
                              a cravo"
nesta bacia de jade
que vive como um monge,
um poeta grave,
a amarelar a natureza,
com sua elegante realeza,
composta de palavras,
   com sinfonias e rituais,
sempre de casaca,
   fauna e flora e minerais.

(versos grafados de "O triunfo do amarelo")

na luta das cores do poente,
do bronze e da ametista,
na luta do amarelo contra o verde,
"no esforço de vencê-lo
                              e confundí-lo.
E assim derrama, esdrúxulo,
               na flora
sépia, topázio, abóbora e berilo."

Há elegância nos versos e nas palavras e nas rimas. Não foi um poeta popular; de baile e de periferia, de voz no meio do povo, de suor e de gritos. Seus versos desfilam como se estivem nos salões do império em dia de gala; passos curtos, casaca, cabelos penteados, bengala ao braço, punhos de seda, sapatos de bico e um olhar distante, que vê sem enxergar. Entretanto, não deixa de ser um grande poeta. A arte  é impar e inclassificável, e se incorpora no mais inesperado dos seres e nas mais impensadas formas e palavras. Carlos Roberto Husek  

domingo, 4 de novembro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Belo Horizonte/Itabira/Ouro Preto

(destacando Carlos Drumond de Andrade, versos grafados de "O Lutador", e de "Com Licença Poética")

porque "lutar com as palavras
é a luta mais vão.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã."
Diferente de Drumond
quando nasceu
"um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta
anunciou:
vai carregar a bandeira."

(destacando Tomás António Gonzaga, versos grafados de Marília de Direceu)

Alguns morreram
e se foram, cabeças penduradas,
nos postes postadas,
como o alferes cujo corpo
não teve pousada
outros encarcerados,
desapareceram aos poucos,
apodrecidos e tristes,
e chorosos e loucos.
"Nesta sombria masmorra,
Aonde, Marília, vivo,
Encosto na mão o rosto,
Fico às vezes pensativo."

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Recife

(destacando versos grifados de João Cabral de Melo Neto em" A educação pela pedra e depois")


o sertanejo se posta na preamar,
e sua fala engana,
        suas palavras trituradas,
como minerais,
         de pedras lavadas,
de emoções desmotivadas,
"'as palavras de pedra ulceram
                                a boca
e no idioma pedra se fala
                               doloroso;
o natural desse idioma
                      fala à força.'"


(destacando versos grifados de Manuel Bandeira em Estrela da Vida Inteira/Desencanto)

Pelos canais, pelas pontes,
pelos prédios ancestrais,
pelos mares, pelas fontes,
pelas plantas universais,
pelas areias, pelos casarios,
pelos lagos, pelos rios,
pelas águas vicinais,
Bandeira, Bandeira,
uma face tristonha,
outra face pesada,
estrela da vida inteira,
a versejar na madrugada,
que faz '"versos como quem
                               chora
de desalento...de desencanto'"
e que pede para fechar o livro,
se não '"há motivo...
                   de pranto."
Tais versos "de angústia rouca"
que "dos lábios a vida corre,
deixando um acre sabor na boca"

Cabral de Mello Neto (1920 - Recife - 1999 - Rio de Janeiro), diplomata, de versos áridos como pedra e tristes como o sertão "Esta cova em que estás,
                                                com palmos medida,
                                                é a conta menor,
                                                que tiraste em vida.".

 Manuel Bandeira (1886 - Recife - 1968 - Rio de Janeiro), tísico, de versos em golfadas, como sangue  "Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
             Tristeza esparsa...remorso vão...
             Dói-me nas veias. Amargo e quente,
             Cai, gota a gota, do coração."

Basta?  Carlos Roberto Husek