sexta-feira, 15 de abril de 2016
Meu romance em versos Cap V
Parece que os diálogos
antigos estão petrificados
no seu sorriso
que não é exatamente o mesmo,
embora reconheça neles
alguma nuance de outrora.
Observou um raio frágil
de sol que quebrava entre
os galhos e tornava amarelas
as penas de um passarinho,
que ao seu natural era verde,
de um veludo e maciez
que parecia ter sido feito,
individualmente pelas mãos
do Criador, mais do que
um Deus, um artista,
que moldava as montanhas
para confrontarem
o chumbo da cor,
com o findar do dia,
no céu azul e vinho,
que se derramava nas águas
de um mar distante
e se tornava um só
oceano, um zênite,
sem qualquer linha divisória!
Ainda podia escutar,
apesar da lonjura da vista,
o mergulho do firmamento,
arrebatado para os confins
marinhos, como uma
grande e enorme onda
formada de estrelas, cometas
e nuvens, a se liquefazerem,
deixando eventuais marinheiros
semidespertos, envolvidos
na calada da noite,
que cobria a tudo e a todos
com um manto suave,
poroso e diáfano, de escuridão.
Assim raciocinava,
que um velho, ainda
que não o percebessem os jovens,
tinha dentro de si todas as vidas
do mundo e um mundo de vidas
espelhadas nas paisagens,
que seus olhos foram coletando
com o passar dos anos.
Ai, se pudesse transmitir
às gerações vindouras essas
impressões e dizer-lhes
que a importância de tudo
está intrínseca a tudo
e se reflete na alma
pelos quadros do olhar,
da escuta e do pensamento,
mais, muito mais,
do que pelo veículo da fala!
Ai, se pudesse descortinar
tais quadros e revelar o que via,
didática e objetivamente
para que o sofrimento
das palavras mal postas
e dos olhares mal definidos
não sugassem do âmago
dos seres a alegria de viver!
Ai, se pudesse transmitir
em algum tipo de linguagem,
a verdade do espírito,
o valor do silêncio
que comunica mais
que os discursos!
Ai, se pudesse tornar clara
a eterna e verdadeira beleza
do sentido das coisas
e frutificar em cada qual
o que está enraizado
no ser humano,
no mais íntimo de suas células,
na essência do núcleo
mais etéreo, que desqualifica
a suposta dureza da matéria!
Incapaz de expor o que sentia,
ia vivendo entre frascos
de remédios e lençóis limpos,
fraldas descartáveis
e cuidados alimentares,
agradecido, mas triste,
porquanto a própria cuidadora
no mister de seu labor
estava longe de estender-lhe
a mão na aventura
daquela incomunicável essência.
Estava só...
Assim, refletia e a tarde
já se espalhava para além
dos campos, submetida
ao império da treva,
que vinha a galope
com seu manto negro,
quando, viu encostada na árvore,
na sua árvore amiga, um vulto
que mal se distinguia
entre o tronco e as folhagens.
Não, os seus olhos
não enganavam; era ela!
Tainá! Miragem!
Caiu desmaiado...
Por um segundo, a velha
com seu vestido cinza,
pensou ter visto Júlio,
mas aquele
que aparecera na janela,
não tinha os olhos vivos,
amorosos e apaixonados,
que por anos a fio
tiraram-lhe o sono
e povoaram suas noites
de fantasmas!
Resolveu caminhar
de volta à sua casa,
porque o céu já era
espessidão, neblina negra,
e se apresentava,
não sabia o porquê,
melancolicamente,
repleto de vultos
e de sombras.
.......................................................
No dia seguinte, ficara
sabendo, aquele misantropo,
que vivia a duas quadras da sua,
fora levado
para o descanso final.
Postou-se na janela,
provavelmente, seu Júlio
também morrera - há anos -
e só a ilusão da memória
poderia imaginar tratar-se
do mesmo Júlio!
Quem passava pela rua,
via-a, braços cruzados,
apoiados no batente,
olhar perdido, a perscrutar
o universo.
Um moço estarrecido,
parou, olhou-a,
sem que ela o percebesse,
e comentou com um amigo:
- Não parece real!
- É uma senhora,
conhecida de minha mãe,
seu nome, se não me engano,
é Tainá. Vive sozinha.
- É fantasmagórico!
Essa mulher morreu
e ninguém desconfia!
Riram-se..!
- Deus me livre,
não quero nem saber!
.............................................
Tainá fechou a janela,
estava cansada pelo esforço
da caminhada.
Dormiu.
Carlos Roberto Husek
quarta-feira, 13 de abril de 2016
Meu romance em versos Cap. IV
Assim, passavam os dias.
Gostava de andar
pelos arredores,
desde que voltara
há um mês
de seu voluntário exílio.
Exílio que só veio
a perceber como tal,
depois que seu marido
falecera.
Retrilhou caminhos antigos
e desandou por pensamentos
que escaparam
por campos infinitos,
como cavalos selvagens.
Sentia-se velha,
como não podia
deixar de ser,
mas ao mesmo tempo
em seu coração
ainda fagulhas
espocavam em pequenas
línguas de fogo
que cruzaram os dias
e as décadas,
e atravessaram
convenções sociais,
e relações familiares.
Algo a atraía
por aquelas andanças;
algumas casas
coloridas: portões azuis,
paredes amarelas,
telhados vermelhos,
que enfileiradas
olhavam o pôr-do-sol,
que todas as tardes
escondia-se por trás
de montanhas verdes.
É o que de forma objetiva,
via com os olhos do corpo,
embora nem sempre
assim enxergassem
os olhos da alma.
Talvez, fosse o mar,
sempre presente
quando a areia da praia
avançava sobre as águas?
Talvez, fosse o centro
da cidade com seus prédios
cinzas e seu asfalto preto?
Talvez fosse o ar
que envolvia objetos
e pessoas,
ou a familiaridade,
e a cumplicidade
da gente do local
que, afinal, era a sua gente?
Embora não reconhecesse
mais ninguém,
tanto tempo se passara!
Sentia-se recebida
e acarinhada
e o passado
se fazia presente,
como um quadro,
impressionista,
ainda que em sépia,
em claros e escuros,
sem contornos
perceptíveis,
borrões
que se alternavam
e por vezes,
transformavam-se
em cores vivas,
e nestes momentos,
observava-se leve
e até bonita!
O João da padaria,
o Perseu,
vizinho da frente,
e o Júlio, o Júlio
que aparecia
nos fins de tarde
e ficava postado
na calçada,
à frente de sua janela,
e ela indiferente,
braços cruzados,
a olhar rua!
Na verdade.
ali ficava, horário certo,
e em dias determinados,
pois, sabia-o, de passagem
naquela hora!
Júlio, sempre alegre
e atencioso
e ela, sempre faceira
e falante!
E como falava, falava,
reconhecia-o,
coisa que não fazia mais,
à medida que o tempo
ia passando e as palavras
rareavam.
Seu vocabulário
diminuíra,
a capacidade de falar
estava ligada
à capacidade
de se surpreender,
de ter planos,
e de sonhar.
A cada ano
falava menos,
a cada ano
ousava menos,
a cada ano
surpreendia-se menos,
a cada ano
aborrecia-se menos,
a cada ano
chorava menos,
a cada ano
ria menos,
a cada ano
envolvia-se menos.
Não possuía motivações,
e razões não encontrava
para pertencer a grupos,
para declarar
amizades eternas,
para adotar filosofias
e filiar-se a partidarismo
político-ideológicos
e a simpatias,
a previsões astrológicas
e às bisbilhotices
da vizinhança,
que funcionam
como jornais dos bairros.
Os anos, pensava,
tiram-nos os anseios,
os receios,
os enleios, os devaneios,
e nos posicionam
nas mesmices
como regras
a serem seguidas,
sem cor,
sem ideias, sem luz.
Porém, havia
no fundo da alma
uma fagulha
que crepitava
fragilmente,
mas crepitava;
por onde andaria o Júlio?
Na sua velhice,
com a sua sombrinha,
com o seu vestido cinza,
ainda gostaria de vê-lo,
ele, que a olhava
no quadrilátero da janela,
embevecido!
Parou diante
de um casarão,
e uma outa senhora
comentou: Magnífico, não!
- Mora alguém aí?
- Um misantropo,
é o que sei.
Não fala com ninguém,
não sai à rua,
somente se aproxima
da janela
e olha fixo
para a paisagem,
durante longos minutos
ao final do dia,
depois se recolhe.
- Conhece-o?
- Ninguém o conhece.
Só sei que se chama Júlio.
O coração disparou...
Carlos Roberto Husek
sábado, 9 de abril de 2016
Meu romance em versos Cap.III
A manhã já estava
radiante
e o velho mal
se levantara
para tomar as pílulas
que a cuidadora
da noite
deixara ao lado
sobre a mesa.
Engasgou-se
com a última;
o copo d`água
parecia conter
um maremoto
e quase lhe escapou
das mãos.
Tossiu, da garganta
um grito apoplético,
a vermelhidão
do rosto
desgrenhado
e marcado
pelas mil expressões
do tempo
e do momento.
Em volta dos olhos
semifechados,
a face do desespero
continha
as lágrimas
que se acumulavam
como um rio
represado;
era o minuto
em que confluíam
a idade, os achaques
e a vida,
que se conservava
a custo dos remédios.
A cena
parecia abrigar
um terremoto.
Em pé, equilibrado
sob uma perna e meia,
copo em uma das mãos,
bengala na outra,
fazia reverberar
os segundos,
na imensidão
daquela área
entre o corpo, a cama
e a mesa de apoio
para os remédios
do dia.
Na parede ao lado,
com prateleiras
e livros,
houve repercussão
do que se transformara
de um a outro instante,
de uma tragédia
a uma comédia,
de uma comédia
a uma dor,
de uma dor
a um cansaço,
de um cansaço
ao torpor,
a um inexorável torpor,
que nem mil anos
de recuperação
pareceriam suavizar,
quando sentou-se estafado,
o suor correndo
pelas têmporas
o peito ofegante,
e naquela circunstância,
de aridez e morte,
de sublimação e luta,
caiu-lhe, de entre os livros
um papel amarelecido
com versos,
com seus versos,
quase apagados,
de pelo menos
60 anos atrás:
"Preciso de você e como,
mais que o pão,
mais que a água,
mais que o sono.
Preciso de você querida,
mais que tudo
nesta vida,
estro,
astro,
anjo,
esfinge,
sedução.
Preciso de você e como,
mais do que
o meu coração"
Passada a modorra
que o apossara,
conseguiu
com os óculos tortos
reconhecer esses versos
da adolescência,
e riu-se
daquela bobagem
ainda com o copo
nas mãos,
mas ao mesmo tempo,
sem o perceber,
uma das lágrimas,
equilibrista
de um circo
mambembe,
caiu,
como bolha na água
e ficou a refletir
seu rosto,
paralisou-o
na verdade.
O tempo passara
e o amor,
o amor...
Boiando no copo
invocava as ilusões
das horas e as dúvidas
que estas traziam:
como eram seus olhos,
sua voz,
seus gestos,
seu semblante?
O amor...ai, o amor,
sem presença,
sem corpo,
tinha esgotado
suas letras
e seus vocábulos
nas vírgulas
da ocasião?
Assim pensando
dormiu,
no fogo da própria
inquisição.
Carlos Roberto Husek
quinta-feira, 7 de abril de 2016
Meu romance em versos Cap II
II
Não longe dali, transitava
por uma rua lateral,
uma jovem, de seus 80 anos,
com a quase faceirice
que possuíra aos 18 anos.
Uma velha senhora,
de espírito adolescente
e corpo enrugado,
com sua sombrinha azul,
seu vestido comprido,
cinza claro,
abaixo dos joelhos,
seu lenço vermelho
em volta do pescoço,
óculos de aro azulado,
pois gostava de combinar
as roupas e os acessórios
da melhor forma
que a ciência das coisas
e da vida possibilitassem,
naqueles dias,
em que a idade,
já avançada,
barrava o futuro
e este traçava curvas,
acentuadas e sombrias
trezentos e oitenta graus,
sem enxergar o próximo
passo e o próximo
minuto.
Moças, por ela passavam
em voz alta, trejeitos
amplos, saias curtas,
sorriso largo,
olhos brilhantes,
que denunciavam
a imensidão de horizontes
satisfatórios,
mas nela perdidos
na pouca luz dos olhos.
Suspirou, pôs o raciocínio
do dia nas coisas,
olhou o cachorro
que abanava o rabo
pela fímbria da calçada,
o mendigo que pedia
esmola com um chapéu
amassado,
embaixo de um poste,
uma florista sentada
em um banco de madeira,
cercada de rosas, lírios,
gerânios, cravos, goivos
e violetas,
à meia distância
observou jovens
de terno e gravata
que punham no passo
a solenidade
das horas e das intenções
profissionais,
do mundo
a ser conquistado,
o plano das propostas
nos próximos anos,
a certeza das próximas
décadas,
os deboches e veleidades
do amor e do sexo.
Viu quando uma jovem
aproximou-se de um deles
e com ardor beijou
cada uma das bochechas
e os lábios.
No seu tempo - pensou -
isto não seria possível,
o amor doía,
a paixão matava,
e as distâncias físicas
tornavam extremamente
dolorosas as palavras,
que escritas
sangravam no papel
e eram escondidas
em envelopes selados
e primorosamente
fechados,
com as pontas esticadas,
passadas e engomadas
pela língua, que delicada
suavizava a cola na aba
e perfumava o sobrescrito
encerrando
na parte interna
o segredo
dos vocábulos mágicos,
que só o era entre eles,
os enamorados.
Amantes? Jamais,
porque aviltaria a alma
e a graça do encontro,
embora existissem
nas alcovas
e nas descrições
de folhetins,
ao pé das mesas
nas conversas
de família.
Perdera tempo, talvez,
na verdade, quisera
ter colhido dos lábios
o mel
que pudessem oferecer,
melhor, do que sonhar
sem concretude,
fantasiar,
sem emoção.
Tarde! Ah, se ela
pudesse ter revelado
o seu sentimento
da forma
como ora se fazia,
e não por cartas
e cartas,
umas perdidas,
outras,
no destino correto,
mas só palavras,
palavras,
que podiam ou não
ser entendidas!
Perdeu-se no tempo
aquele que deixara
fugirem as cartas
ambos, é certo;
"e-mails" hodiernos?
Duvidava, porquanto
os acessos hoje
eram diretos,
bem via,
e a comunicação
eletrônica
se prestava
a outras finalidades
mais comezinhas,
desnudar a vida
privada e escancarar
para o universo
o não senso,
aparente e absurdo
das particularidades
do dia.
Andava.....
não muito firme,
mas resoluta,
para a igreja,
de há muito
seu habitat natural.
O que buscava?
Um amparo
para a vida,
que esta
já se findara
no desassossego,
ante o azáfama
das ruas!
Não soube
a si mesma dizer,
não buscou dizer,
porque o horizonte
era pouco,
e as sombras
do ocaso
prevaleciam.
Rezou, rezou, rezou,
e de olhos marejados
saiu do templo a ver
se o mundo
dava algum sinal.
Por onde andaria,
se é que andaria,
ou viveria,
seu único
e verdadeiro amor?
Parou
para sentir a brisa
da manhã,
mas só fez absorver
o cinza da fumaça:
Nada,
efetivamente mudara,
e seu espírito
era o mesmo.
Estava só.
Carlos Roberto Husek
segunda-feira, 4 de abril de 2016
Meu Romance em Versos Cap. I
I
Colunas levantam-se
sustentando arcos,
mármores lisos
da cor do malte,
nas pontas, frisos,
arabescos, florais,
e o teto côncavo
com pinturas em relevo,
superpostas de cores
quentes: vinho, roxo
intenso, vermelho sangue,
tapetes escuros,
móveis pretos,
fechos prata,
cortinas espessas
de veludo bordô.
No exterior, pedras,
umas sobre as outras,
disformes e irregulares
de cimento aparente,
tudo cinza
constituindo paredes.
No entorno, uma floresta
onde o sol não penetra
e um rio de águas pardas
serpenteando caules grossos,
e cercado de folhas perdidas,
que alcatifam as margens
de verde garrafa.
Não é um castelo,
mas uma velha construção,
para os que se perderam
no tempo.
Ao fundo um grupo
de montanhas se perpetua
no horizonte, como um muro
de terra e mato.
O céu cai abruptamente
fazendo uma curva
acentuada.
É sempre noite
e sem estrelas.
Dentro, um ancião curvo
sentando em uma poltrona
verde, marrom pálido,
amarelo queimado
sem definição de luz,
tem a cabeça pendente
e os lábios esgarçados
a gotejar saliva,
murchos e disformes,
os dentes mal assentados,
poucos, outros melhores,
mas frouxos, a quase escapar
das gengivas que sangram
à mastigação mínima.
Dorme, não sonha,
a respiração entrecortada,
funga sobre o pano
que envolve a garganta.
Um relógio da sala,
velho cuco,
dá badaladas de hora em hora,
e em tudo arfa o coração
das coisas inanimadas.
Entre suas pernas,
uma antiga bengala
de madeira escura
equilibra-se encostada
no chinelo de dedos e meia
branca, amparada
superficialmente
pela palma enrugada,
folha de pele quebradiça,
repleta de manchas
de onde saem dedos grossos
e ossudos e pontiagudas
unhas amarelas.
Há uma mecha fugidia
de cabelo caída pela testa
vinda da base da testa
e acima no crânio desnudo,
melanoses senis,
algumas a purgar um líquido
oleoso, que escorre
pelos fios de cabelos
laterais das têmporas.
O sol que penetra no ambiente
é fraco e só faz levantar
partículas de poeira
que o meio produz.
Há os que cruzam o passeio
público olhando a mansarda,
invejosos de seus habitantes,
sem desconfiarem
que lá um velho apodrece
aos poucos, cercado
de coisas mortas.
Quando nasceu a criança,
já continha o velho,
agora - triste sina - é o velho
que contém o menino na curva
das pálpebras.
Lá pelas tantas, fim de tarde,
levantou-se,
com as dificuldades
que esta fase da vida impunha,
algo girando em torno
de cinco longos minutos,
e caminhou para a janela
que parecia a meia légua
de distância.
Chegou esbaforido
apesar de seu andar diminuto
e trôpego, afastou o pano
amarelo-esverdeado da cortina
e estendeu o olhar,
na medida do possível,
ao horizonte negro,
que se vislumbrava pelos vidros.
Ficou assim alguns minutos,
equilibrando-se sobre a bengala
e uma das pernas encostadas
num cômodo de madeira pesada.
Sabia, que se ficasse assim,
parado,
conseguiria com o passar
dos minutos,
vislumbrar alguma coisa.
Esperava este momento,
ansiosamente,
porque da imaginação
atrelada ao visível,
é de que vive a velhice.
A distância curta
do que se mostrava perceptível,
era suficiente para a alegria,
dos minutos.
Passava a ver com clareza,
pensava, os contornos
da natureza,
e uma árvore perto do jardim
tinha a exata forma de mulher,
de uma linda mulher,
com o desenho de curvas,
em ancas cobertas de folhas,
e possíveis declives
que escondiam segredos,
e de montes que revelavam
dois pomos sobre um regaço liso,
e de pernas, lateralmente vistas,
que desciam do último galho
às raízes, pés e dedos fixados
no chão.
Admirava-se ver tudo isso,
de forma tão límpida,
sabedor de sua imaginação,
fora pintor quando da juventude,
mas nunca houvera
feito tal ilação com um vegetal;
é que na sua idade,
disso tinha noção,
as mulheres escassearam
e delas apenas ficou o retrato
que podia distinguir
em noites sem luar,
só com o esforço da fantasia.
Era este o seu momento,
de profundo e delicado amor.
Aquela bela árvore,
nas manhãs de sol e luz,
olhava-o com cumplicidade.
Talvez soubesse que ele
a amara por longos minutos
na noite anterior.
Carlos Roberto Husek
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