sábado, 9 de abril de 2016
Meu romance em versos Cap.III
A manhã já estava
radiante
e o velho mal
se levantara
para tomar as pílulas
que a cuidadora
da noite
deixara ao lado
sobre a mesa.
Engasgou-se
com a última;
o copo d`água
parecia conter
um maremoto
e quase lhe escapou
das mãos.
Tossiu, da garganta
um grito apoplético,
a vermelhidão
do rosto
desgrenhado
e marcado
pelas mil expressões
do tempo
e do momento.
Em volta dos olhos
semifechados,
a face do desespero
continha
as lágrimas
que se acumulavam
como um rio
represado;
era o minuto
em que confluíam
a idade, os achaques
e a vida,
que se conservava
a custo dos remédios.
A cena
parecia abrigar
um terremoto.
Em pé, equilibrado
sob uma perna e meia,
copo em uma das mãos,
bengala na outra,
fazia reverberar
os segundos,
na imensidão
daquela área
entre o corpo, a cama
e a mesa de apoio
para os remédios
do dia.
Na parede ao lado,
com prateleiras
e livros,
houve repercussão
do que se transformara
de um a outro instante,
de uma tragédia
a uma comédia,
de uma comédia
a uma dor,
de uma dor
a um cansaço,
de um cansaço
ao torpor,
a um inexorável torpor,
que nem mil anos
de recuperação
pareceriam suavizar,
quando sentou-se estafado,
o suor correndo
pelas têmporas
o peito ofegante,
e naquela circunstância,
de aridez e morte,
de sublimação e luta,
caiu-lhe, de entre os livros
um papel amarelecido
com versos,
com seus versos,
quase apagados,
de pelo menos
60 anos atrás:
"Preciso de você e como,
mais que o pão,
mais que a água,
mais que o sono.
Preciso de você querida,
mais que tudo
nesta vida,
estro,
astro,
anjo,
esfinge,
sedução.
Preciso de você e como,
mais do que
o meu coração"
Passada a modorra
que o apossara,
conseguiu
com os óculos tortos
reconhecer esses versos
da adolescência,
e riu-se
daquela bobagem
ainda com o copo
nas mãos,
mas ao mesmo tempo,
sem o perceber,
uma das lágrimas,
equilibrista
de um circo
mambembe,
caiu,
como bolha na água
e ficou a refletir
seu rosto,
paralisou-o
na verdade.
O tempo passara
e o amor,
o amor...
Boiando no copo
invocava as ilusões
das horas e as dúvidas
que estas traziam:
como eram seus olhos,
sua voz,
seus gestos,
seu semblante?
O amor...ai, o amor,
sem presença,
sem corpo,
tinha esgotado
suas letras
e seus vocábulos
nas vírgulas
da ocasião?
Assim pensando
dormiu,
no fogo da própria
inquisição.
Carlos Roberto Husek
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