terça-feira, 28 de fevereiro de 2017
Quadros 4
1
Carnaval, festa, alegria,
há cores por todos os lados,
sacrossanta rebeldia,
dos que vivem engravatados,
dos que puderem
por um breve momento,
deixar de ser o que são,
e na dança sem compromisso
perpetuarem esta ilusão,
no fundo de cada alma,
no fundo de cada espírito,
no fundo de cada corpo,
no fundo de cada grito,
três vivas ao momo presente,
três vivas aos incorrigíveis chorosos,
que a tristeza seja enterrada,
na taça de todas bebidas,
e se façam somente auroras,
mesmo nas despedidas !
2
Não ouve,
não vê,
não fala.
...........................
Meus versos
são fantasmas
circulando
pela sala.
3
Fiz um castelo na areia
tinha pontes, fossas,
conchas em profusão,
e quando botei-lhe caminhos
o mar avançou sem licença
sobrou um monte disforme
sem consideração.
Carlos Roberto Husek
domingo, 26 de fevereiro de 2017
Tum, tum, baritumtum
Sob o batuque do samba,
na avenida em evolução,
a linda passista
(tum, tum, baritumtum)
com o corpo escultural
em arrebentação,
(tum, tum, baritumtum)
seus seios de vida,
suas curvas,
suas miçangas,
(tum, tum, baritumtum)
seus penachos coloridos
suas meias colantes,
suas luvas,
suas mangas,
(tum, tum, baritumtum)
seu ventre que abriga o mundo,
suas coxas e glúteos
arredondados,
(tum, tum, baritumtum)
vão em ritmo de alegria,
de presentes e passados,
pulsando nos olhos furta-cor,
o brilho das lantejoulas,
(tum, tum, baritumtum)
e espargindo calor
entre brancas e crioulas.
Tudo é festa e fantasia,
há choro de emoção,
notas altíssimas,
coreografia,
decantação.
(tum, tum, baritumtum)
E passa o "abre-alas",
e o mestre-sala em ascensão,
o grupo das baianas,
um apito na contramão,
(tum, tum, baritumtum)
e os tambores e pandeiros,
acompanham a percussão,
carros alegóricos,
em concreção,
(tum, tum, baritumtum)
destaques eufóricos
acenando à multidão.
E na avenida,
terminada a evolução,
sobra a festa repercutida
da esperada jubilação.
Volto meus olhos,
para dentro da minha própria
encantação.
Meus sons são mais pobres,
minhas cores dispersas,
tenho tristezas desfilando
por infinitas conversas,
mas absorvo da bateria
do meu coração,
um rimbombar de nostalgia,
em consagração,
e uma eterna cantoria,
avivada pela razão,
(tum, tum, baritumtum)
Chego ao fim da minha escola,
no bloco dos escondidos,
carregando adereços,
e pingentes diluídos,
sambando em passos miúdos
a cadência dos esquecidos.
(tum, tum, baritum, tum...
...tum, tum, baritum, tum
tum, tum, baritum, tum...
...tum, tum, bari
tum, tum...
...tum
tu........)
Carlos Roberto Husek
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017
Quadros 3
1
Um abraço,
pode me tirar
o cansaço...
Talvez,
o vento..!?
É, talvez,
somente
o vento...
2
Folhas
caídas
dançam
e parecem
ter vida.
3
Defasado
em auroras,
repleto
de entardecer
em cada hora
vou anoitecer.
4
Pássaro perdido
ando na calçada,
e olho as árvores,
os galhos
e o infinito,
e tento voar
sem asas
o peito inflado
pelo grito.
5
É possível
chorar e desaguar
mágoas
em todos os copos
e cisternas,
e descer por uma
espessa corda
no fundo das próprias
das cavernas.
6
Cada um de nós
tem seu peso,
seu alforje,
sua cruz,
suas armas
encantadas,
seu capacete,
seu obus,
e as balas voam
nas madrugadas
espocando
pontos de luz.
7
Os amores
somente são perdidos
se não cultivados,
se esquecidos,
e como são raros
necessitam ser
revividos
necessitam ser
repisados,
necessitam ser
reconduzidos,
necessitam ser
amparados,
necessitam ser
alimentados,
necessitam ser
possuídos
necessitam ser
chorados.
..................................
Ainda que contidos
não podem ser
abandonados,
são flores
do Paraíso,
não são flores
do pecado.
Carlos Roberto Husek
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017
Transeuntes da vida
Às vezes,
falamos de coisas
que não são do dia a dia,
que não são profissionais,
que não representam
esforços da vida social.
Às vezes
falamos de coisas
que não dizem respeito
aos papéis que estão
sobre a mesa.
Às vezes
falamos de coisas
que não estão nas gavetas,
que não estão nas pastas,
que não estão arquivados
nos computadores.
Às vezes
falamos de coisas
que não necessitam
de alguma assinatura,
que não especificam
alguma responsabilidade
contratual, jurídica
ou administrativa.
Dentro de nós
existe uma criança
(ainda que adormecida)
que acreditou na vida,
e acreditou nas cores,
e acreditou nas intenções,
e acreditou nas palavras,
(como as palavras são
difíceis de serem
entendidas
e os dicionários
em nada cooperam
para isso)
e acreditou nos olhos
(alguns falam, outros se
mostram distantes, outros
constroem muros e se
defendem encarcerando
a alma livre)
e acreditou nos sinais,
e acreditou nas magias,
e acreditou nos abraços,
(eis a verdadeira magia),
e acreditou nos segredos,
(mantidos invioláveis
pelos gestos e mínimos
vocábulos),
e acreditou nas amizades,
(aquelas que superam
obstáculos
e desentendimentos
e apostam sempre
nos amigos;
mas que não
se conservam
quando há
desconfiança)
e acreditou nos ideais,
e acreditou nos sonhos
além dos horizontes,
além das salas
e das paisagens fixadas
nas janelas.
Papéis, funções, cargos,
(que ganham dignidade
à medida que se
humanizam),
estamos aquém, além
desse estreito período
de vida, postos no palco
da eternidade, diante
das cenas que se seguirem,
em personagens diversos,
que vestem os atores
de sempre.
Nos intervalos,
preparamos os trejeitos
e aprimoramos as falas,
e quando diante da plateia,
no tablado da vida,
como por encanto,
surgem os diálogos,
e desandamos a falar,
aparentemente fora
do texto
(mal lembramos
o que foi decorado)
O vapor da nossa
humanidade se evola
acima dos telhados
das casas e dos prédios.
Tudo a seu tempo
se evapora.
Sob a capa de qualquer
personagem contracena
um ator antigo, repetindo
as mesmas frases, até
o outro, interlocutor,
se convencer da história
real e prosseguir.
(eis a beleza da vida
cujo o teatro não
termina,
e não interessa
o final, mas os
movimentos,
uma vez que
a cortina
nunca se fecha)
Os aplausos e a felicidade
são para cada momento!
Somos transeuntes
da nossa própria história.
Carlos Roberto Husek
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017
"Faz de conta"
"Pensar é não compreender...
Pensar é estar doente dos olhos."
Alberto Caeiro
Dói...
O paciente se queixa
de uma dor indefinida
que começa na parte
externa do peito
e se aprofunda
pelo seu centro
até atingir o coração.
Doença grave, certamente!
Após exames laboratoriais,
e de diversas espécies,
e em aparelhos modernos,
e de exames clínicos
minuciosos,
juntas médicas, estudos,
chegou-se a conclusão:
O problema não é orgânico.
A investigação prosseguiu
na parte psicológica,
quando se observou
que tudo na vida do queixoso
estava em ordem:
trabalho, estudo, amigos,
mas parecia faltar alguém ou
faltar algo...
Quem ou o quê?
Dói, reafirmou o paciente.
O que faltava?
Nada...
E nos lugares
que costumava frequentar
outras almas ou corpos,
pelo menos por
aqueles tempos,
não se apresentavam,
salvo aqueles
que costumava ver.
O diagnóstico:
A existência de um vazio.
Remédio:
Doses homeopáticas
e diárias
de "faz de conta",
pois, só assim continuaria
a viver.
Começou a sorrir e a
brincar todos os dias
e só punha a cabeça
no travesseiro na hora
de dormir,
fechando os olhos
e rezando
para não sentir dor
e ter forças
no dia seguinte.
Passaram os dias,
semanas, meses,
sempre no "faz de conta".
Enganou-se
ou foi enganado.
A doença amadureceu
e virou casca,
registrando-se na pele,
nas pálpebras,
e não perdeu, de todo,
a sua primitiva sequela.
Era até identificável
por amigos mais íntimos
e pessoas mais sensíveis,
porquanto a dor,
ou seja lá o que pensava
sentir,
mostrava-se de forma clara
para quem pudesse,
ou tivesse olhos para ver.
Dali por diante,
quando a dor batia
tomava algumas doses
do "faz de conta".
(mero alívio)
E assim foi vivendo
até o fim de seus dias,
repleto de cicatrizes,
embora nem todas visíveis...
Carlos Roberto Husek
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017
Crônica da idade
Acontece...
O tempo vai passando
sem que percebamos,
e um belo dia
o espelho nos para
e chama a atenção:
Não observou ainda?
Este é você.
Paralisado me pergunto:
Como não percebi?
Aliás, não pergunto,
efetivamente, não.
Contesto com veemência.
Como é possível,
- arguo com ironia -
um reles vidro,
que sequer tem o DNA
dos espelhos europeus,
alemães, tchecos, franceses,
atrever-se a apontar
rugas, cabelos brancos,
calvas, corcunda,
um embaçado nos olhos,
as pálpebras mais turvas,
os lábios mais finos.?!
(apesar de tudo não nos
aponta as nossas idios-
sincrasias)
(apesar de tudo não
nos diz do envelhecimen-
to espiritual)
(apesar de tudo não
esclarece o que vemos)
Nosso olhar é dirigido
- eu sei -
pela nossa vaidade
Ser amadurecido e cônscio
não há melhor forma
de viver a vida.!
(Será..! Isto é conversa
de quem desdenha o que
passou)
(é como se alguém dissesse
não importa esta dentadura,
o que interessa é sopa que
tomo e tem todas as vitaminas
...Será!)
(uma velha rainha já disse:
meu reino por mais um
minuto de vida!)
E vida plena tem algo a ver
com futuro pleno,
que por sua vez,
só tem sentido com um
determinado período
em que tal futuro
está posto no horizonte
mais ou menos distante.
(bem, os espelhos nada têm
com essas bobagens da
mente humana)
(envelhecer é orgânico e
o espelho é inorgânico)
(uma película de metal,
uma camada de vidro,
água desmineralizada,
uma camada
de prata metálica
e outra
de tinta preta atrás),
Pronto, aí está o invento
que atormenta alguns,
não a mim que estou
acima dessas preocupações
mundanas.
(Será...!)
Ora, os espelhos, em geral,
- e esta é uma verdade
conhecida -
mantém,
como a mais
irresponsável
das mentirosas,
que nos desencontros
da vida revelam
algum amor,
a imagem
que nos atira no rosto.
E o pior...
É que se acredita,
de início, em uma
(a mentirosa)
e no outro
(o espelho),
porque necessitamos
de amor
e de olhar nossa imagem,
dela gostemos ou não !
Mas, a verdade é que sou
o que ele diz
(protesto em vão...)
e que inexistem tais
revelações,
produtos de uma miopia
(própria da idade).
A miopia, é certo,
é que nos mente,
em tudo e por tudo,
(mas os óculos estão aí
para corrigir a percepção
das coisas).
Cá entre nós,
é muito bom não enxergar
direito
e não perceber com clareza
(isto nos termos mais
altruístas)
que somos incapazes de feitos,
como sorrir e agradar,
e conservar-nos íntegros
e socialmente viáveis.
Por outro lado,
e aparentemente
(mas, só aparentemente)
podemos dar aos outros
a impressão
de que somos bons,
e disputarmos os espaços
com os que carregam
uma realeza de vitalidade
a tiracolo,
(a eternidade é apanágio
dos que se creem viçosos
para sempre)
o que os torna senhores
de seus passos e atos
(já repararam como andam
certos de que podem tudo?)
(Talvez, possam mesmo..!)
Não me queixo,
salvo nas rezas que faço
para algum santo
de plantão,
(existem santos plantonistas..?)
a fim de que me concedam
alguma ilusória roupagem,
com que vou me enganando
(preservação da saúde
psicológica e quiçá física)
e enganando o próximo.
No entanto, continuo achando
o espelho um repositório
deslavado de mentiras.
(mentiras, mentiras, mentiras)
O que fazer se ele é tão
repulsivamente franco?
Apelo para a imagem
que desenhei de mim mesmo
e concluo envergonhado:
Sou eu o mentiroso.
Carlos Roberto Husek
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