quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Crônica da idade



      Acontece...

O tempo vai passando
  sem que percebamos,
      e um belo dia
    o espelho nos para
    e chama a atenção:

Não observou ainda?
     Este é você.

Paralisado me pergunto:
   Como não percebi?

Aliás, não pergunto,
  efetivamente, não.

Contesto com veemência.

   Como é possível,

   - arguo com ironia -

      um reles vidro,
 que sequer tem o DNA
 dos espelhos europeus,
alemães, tchecos, franceses,
   atrever-se a apontar
 rugas, cabelos brancos,
    calvas, corcunda,
um embaçado nos olhos,
as pálpebras mais turvas,
  os lábios mais finos.?!

 (apesar de tudo não nos
  aponta as nossas idios-
         sincrasias)

  (apesar de tudo não
 nos diz do envelhecimen-
       to espiritual)

   (apesar de tudo não
   esclarece o que vemos)

Nosso olhar é dirigido
       - eu sei -
 pela nossa vaidade

Ser amadurecido e cônscio
   não há melhor forma
      de viver a vida.!

 (Será..! Isto é conversa
  de quem desdenha o que
           passou)

(é como se alguém dissesse
não importa esta dentadura,
o que interessa é sopa que
tomo e tem todas as vitaminas
           ...Será!)

(uma velha rainha já disse:
   meu reino por mais um
      minuto de vida!)

E vida plena tem algo a ver
       com futuro pleno,
       que por sua vez,
   só tem sentido com um
    determinado período
       em que tal futuro
   está posto no horizonte
   mais ou menos distante.

(bem, os espelhos nada têm
   com essas bobagens da
       mente humana)

 (envelhecer é orgânico e
  o espelho é inorgânico)

 (uma película de metal,
   uma camada de vidro,
   água desmineralizada,
          uma camada
      de prata metálica
            e outra
      de tinta preta atrás),

Pronto, aí está o invento
 que atormenta alguns,
   não a mim que estou
acima dessas preocupações
         mundanas.

           (Será...!)


Ora, os espelhos, em geral,

  - e esta é uma verdade
         conhecida -

          mantém,
       como a mais
      irresponsável 
     das mentirosas,
 que nos desencontros
    da vida revelam
      algum amor,
 
        a imagem
que nos atira no rosto.


      E o pior...

  É que se acredita,
    de início, em uma 

      (a mentirosa)
  
       e no outro
 
       (o espelho),
    
  porque necessitamos
          de amor
  e de olhar nossa imagem,
    dela gostemos ou não !


Mas, a verdade é que sou
          o que ele diz

     (protesto em vão...)

    e que inexistem tais
          revelações,
produtos de uma miopia

     (própria da idade).

   A miopia, é certo,
      é que nos mente,
    em tudo e por tudo,

 (mas os óculos estão aí
 para corrigir a percepção
           das coisas).

      Cá entre nós,
é muito bom não enxergar
              direito
e não perceber com clareza

   (isto nos termos mais
             altruístas)

que somos incapazes de feitos,
   como sorrir e agradar,
  e conservar-nos íntegros
    e socialmente viáveis.

       Por outro lado, 
      e aparentemente

  (mas, só aparentemente)
  
  podemos dar aos outros
          a impressão
    de que somos bons,
 e disputarmos os espaços
    com os que carregam
 uma realeza de vitalidade
            a tiracolo,

   (a eternidade é apanágio
   dos que se creem viçosos
           para sempre)

 o que os torna senhores
   de seus passos e atos

(já repararam como andam
 certos de que podem tudo?)
 
 (Talvez, possam mesmo..!)

     Não me queixo,
 salvo nas rezas que faço
     para algum santo
         de plantão,

(existem santos plantonistas..?)

 a fim de que me concedam
 alguma ilusória roupagem,
 com que vou me enganando

      (preservação da saúde
   psicológica e quiçá física)

   e enganando o próximo.

No entanto, continuo achando
   o espelho um repositório
    deslavado de mentiras.

(mentiras, mentiras, mentiras)

  O que fazer se ele é tão
   repulsivamente franco?

   Apelo para a imagem
que desenhei de mim mesmo
   e concluo envergonhado:

    Sou eu o mentiroso.



Carlos Roberto Husek

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