quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013


A trova é uma forma de poema que busca dizer muito numa pequena quadra. Daí a sua dificuldade que torna o trovador, senão um  poeta que possa alcançar o Olimpo e um lugar na história dos maiores, (quase sempre o trovador vem anônimo) um poeta que toca a alma e o pensamento com um simples toque, uma simples nota (poesia é música) e consegue dizer verdades, filosóficas, poéticas e dos fatos da vida, ou simplesmente faz uma troça bem humorada e irônica:

Filosóficas:

"Felicidade, vantagem
que todos querem ganhar,
não é bem um final de viagem,
é um modo de viajar!"

"A mediocridade é palha
cuja tendência é boiar.
Quem quer pérola que valha
tem mesmo que mergular."

"Se algum dia, eu ficar bravo
com alguém, recordarei:
- Vingança é coisa de escravo,
perdão é gesto de rei!"

Perguntas:

"Vou dizer o que no teatro
perguntaram (Não me bates?);
- Quem botou a bola quatro
no interior dos abacates?"

"Aquele cara ali adinate
quis saber, o demoníaco,
ah quem fora o centroavante
do tal ataque cardíaco?

Bem-Humoradas:

"Eis um psiquiatra perfeito,
garante, de fato, a cura:
- Não ficando satisfeito,
devolve toda loucura!"

"Não foi o Marconi o primeiro
a idealizar o sem fio.
Antes disso, o meu barbeiro
na navalha o descobriu!"

Lírica:

"O teu rosto, minha amiga,
não é bem legal. Repare:
- Na boca vermelha, há um siga,
Nos olhos verdes, um pare!"

A trova vem de um passado distante, passou por todas as épocas, fez parte importante dos chamados jogos florais. Tem certa ingenuidade e provavelmente não encontra muito espaço no mundo atual. No entanto, a trova pode ser irônica, política, engraçada e serve com alguma inteligência para críticar os fatos e propiciar algum raciocínio sobre a vida. Carlos Roberto Husek. 

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

O fio que liga os poetas


Os poetas formam uma família, ou no mínimo uma irmandade. Em Paris, em Roma, em Lisboa, no Brasil, no Japão, na Coréia, não importa a situação geográfica do nascimento, porque os une uma mesma forma de ver a vida. Vê-la pela janela da alma, nas sua sutilezas, como um fio (fio de prata?), fio vibrátil que perpassa por todos que conseguem por nos olhos algumas lágrimas por nada, por coisa nehuma, por fatos pequenos, por fato nenhum, sem a mínima importância social, ou até pelas grandes comoções da vida. O que os diferencia de outros seres humanos é a possibilidade de fazer brotar a emoção ao mesmo tempo que o raciocino, diante de um tempo e de uma necessidade. O poeta tem duplicidade; dobra-se, desdobra-se, transforma-se em miríades de átomos e se espalha nas coisas mais ínfimas, sem que o percebam, e depois, se refaz inteiro para as relações do dia. "O poeta é um fingidor/finge tão completamente/que chega a fingir que é dor/a dor que deveras sente" (Fernando Pessoa).  Vejam as imagens destes poetas coreanos:

poesia de Bak Hi-sóg:

"                              A vela
                               trêmula 
                         faz companhia
                       a meu sono leve

                    Fragmentos de sonho
                       ardem de saudade
                          da amada
                          ausente

  A lua já se pôs e os cucos já cessaram seu canto
                Agora somente o jardim
                pleno de pétalas caídas."

A vela trêmula arde e derrete, como o sono leve que arde e treme no sonho da amada. A própria lua desaparece e cessam os cucos (tudo desmaia, tudo morre), até o próprio jardim está repleto de pétalas caídas. Enfim, tudo arde, treme, desmaia, cai, desaparece diante da saudade imensa da amada ausente (também sonhada e desparecida). Não há beleza no universo, não há vida no universo. O cenário é de deserto para o poeta que se  vê sozinho (sozinhando, como diz Mia Couto). Parece que em alguns momentos da vida, poderemos estar sozinhando, mas mesmo assim continuamos vivos.

poesia de Shin Hi-mun:

             "A mesma dor
             de quem fica
           está no coração
           de quem parte

             No ardente
         inesquecimento
       as duas entranhas
       vão apodrecendo

    Amada pensa mais um pouco:
           Deves realmente
                   partir?"

Não necessita de explicação. Simples e ao mesmo tempo profunda.

poesia de Kim Gu:

"       De tanto
          querer
     que aqui seja ali
        e ali aqui

          Aqui
          e ali
     tornaram-se 
       distantes

Desejo ser uma borboleta
     em permanente
       vai-e-vem."

Influenciado faço alguns versos (ou algo parecido), com os temas, unindo-os. Podemos unir tudo (afinal a separação que fazemos do mundo e das coisas é mera ilusão):

A vela
    vela o sono,
trêmulo
e fragmentado.
O sonho aqui,
ali se espandindo,
  as pétalas
          caíndo.
     Eu.....
   derretido
         e apagado
   vou aos poucos
       sumindo...
       sumindo.

Carlos Roberto Husek.


sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013


Continuando a falar de Machado de Assis e das mulheres, afinal a história de Bentinho (postagem anterior, Dom Casmurro), gira em torno de Capitu, podemos verificar alguns perfis femininos das personagens de Machado e fazer alguma ilação.

Capitu

"Não podia tirar os olhos daquela criatura de quatorze anos, alta, forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma à outra, à moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo. As mãos, a despeito de alguns ofícios rudes, eram curadas com amor; não cheiravam as sabões finos nem águas de toucador, mas com água de poço e sabão comum trazia-as sem mácula. Calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que ela mesma dera alguns pontos."

Helena

"Era dócil, afável, inteligente. Não eram estes, contudo, nem ainda a beleza, os seus dotes por excelência eficazes. O que  a tornava superior e lhe dava probabilidade de triunfo, era a arte a acomodar-se às circunstâncias do momento e a toda a casta de espíritos, arte preciosa, que faz hábeis os homens e estimáveis as mulheres. Helena praticava de livros ou de alfinetes, de bailes ou de arranjos de casa, com igual interesse e gosto, frívola com frívolos, grave com os que o eram, atenciosa e ouvida, sem entono nem vulgaridade. Havia nela a jovialidade da menina e a compostura da mulher feita, um acordo de virtudes domésticas e maneiras elegantes."

Menina e Moça

"Está naquela idade inquieta e duvidosa,
Que não é dia claro e é já o alvorecer;
Entreaberto botão, entrefechada rosa,
Um pouco de menina  e um pouco de mulher.

Ás vezes recatada, outras estouvadinha,
Casa no mesmo gesto a loucura e o pudor;
Tem coisas de criança e modos de mocinha,
Estuda o catecismo e lê versos de amor.

Outras vezes valsando, o seio lhe palpita,
De cansaço talvez, talvez de comoção.
Quando a boca vermelha os lábios abre e agita,
Não sei se pede um beijo ou faz uma oração.

............................................................................

Dos cuidados da vida o mais estranho e acerbo
Para ela é o estudo, excetuando talvez
A lição de sintaxe em que combina o verbo
To love, mas sorrindo ao professor de inglês.

Quantas vezes, porém, fitando o olhar no espaço,
Parece acompanhar uma eterna visão;
Quantas  cruzando ao seio o delicado braço
Comprime as pulsações do inquieto coração!

Ah! se nesse momento, alucinado, fores
Cair-lhe aos pés, confiar-lhe uma esperança vã,
Hás de vê-la zombar dos teus tristes amores,
Rir da tua ventura e contá-la à mamã.

É que esta criatura, adorável, divina,
Nem se pode explicar, nem se pode entender;
Procura-se a mulher e encontra-se a menina,
Quer se ver a menina e encontra-se a mulher!"

São visões românticas, que não se coadunam com os dias atuais e com as necessidades do mundo moderno, mas as descrições são apreciáveis em termos de Literatura. É possível encontrar uma menina (Capitu, Helena, ou qualquer outra), na profissional empertigada, na administradora brava, na rigidez da juíza, na senhora de 80 anos. É que a criança que temos não morre nunca, talvez fique escondida pelo resto da vida, esquecida no inconsciente. Nós adultos, ao nos olharmos no espelho, não conseguimos lembrar que esta criança ainda existe. Em cada homem, também há um menino!  O mundo seria muito melhor se esta criança interior não fosse condenada a viver até os fins do dia num cárcere escuro. Os romancista e os poetas, como Machado de Assis, sabem disso. Carlos Roberto Husek.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A velhice e a mocidade/o texto poético



Embora a poesia tenha sua forma própria e seja gênero bem definido, ela ultrapassa o conceito formal para se revelar em espírito nos mais diversos textos, ainda que não formalmente poéticos. isto se dá pela correção da linguagem aliada a um modo de posicionar as palavras que terminam por emprestar um sentido inusitado, diverso, único, original a uma frase, a um parágrafo e, por vezes, a alguns vocábulos. Aí está a suprema arte: fazer poesia, ainda que em escritos continuados, sem perder de vista as regras gramaticais e sem perder o próprio gênero. Muitos, nacionais e estrangeiros, alcançaram esta habilidade. Entre nós podemos citar o mestre de todos, Machado de Assis. Por exemplo, em "Dom Casmurro", em seu inicio, quando Bentinho descreve a casa que fez construir no Engenho Novo, similar a da infância na Rua Mata-cavalos; reproduziu esta última em todos os seus detalhes e ao explicar porque assim o fez, Machado de Assis, pela voz do personagem faz uma conexão e uma comparação entre a velhice e a juventude:

"O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. O que aqui está é, mal comparando, semelhante à pintura que se põe na barba e nos cabelos, e que apenas conserva o hábito externo, como se diz nas autópsias; o interno não aguenta tinta. Uma certidão que me desse vinte anos de idade poderia enganar os estranhos, como todos os documentos falsos, mas não a mim. Os amigos que me restam são de data recente; todos os antigos foram estudar a geologia dos campos-santos. Quanto às amigas, algumas datam de quinze anos, outras menos, e quase todas crêem na mocidade. Duas ou três fariam crer nela aos outros, mas a lingua que falam obriga muita vez a consultar os dicionários, e tal frequência é cansativa.
Entretanto, vida diferente não quer dizer vida pior; é outra cousa. A certos respeitos, aquela vida antiga aparece-me despida de muitos encantos que lhe achei; mas é também exato que perdeu muito espinho que a fez molesta, e, de memória, conservo alguma recordação, doce e feiticeira. Em verdade, pouco apareço e menos falo. Distrações raras. O mais do tempo é gasto em hortar, jardinar e ler; como bem e não durmo mal."

Esta é, parece-me, uma página genial, se não mais, pela verdade da vida, pela comparação entre a velhice (tempos que passam) e a mocidade (tempos que passaram), pela poesia. Este texto nos toca a todos...bem, toca-o a mim, que estou na entresafra. Ainda não ficaria bem em "hortar, jardinar e ler", apenas fazer isso. Seria a morte! E também não tenho número de amigos que tenha ido "estudar a geologia dos campos-santos", um, bem me lembro (não consigo esquecer), entendeu por bem ir, mas tomou gosto por este estudo, ainda moço. Todavia, o que é a velhice e a mocidade, nos dias atuais? A entresafra, como disse, não me permite afastar os "encantos" da vida antiga, ainda os acho encantadores; e a vida que se aproxima (a largos passos para o meu gosto) parece vir com a receita de "como bem e não durmo mal". É pouco! O fato é que conservamos a juventude quando ainda temos a capacidade de apreciar a poesia, não só dos textos e dos poemas, mas da própria vida. E isto é tudo! Carlos Roberto Husek.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Um pouco de nós: seres humanos


Já o dissemos. Os poetas têm antenas que captam situações da vida, independentemente do tempo. As pessoas são iguais, independentemente da época em que vivem. A raça humana parece confirmar virtudes e defeitos ao longo dos séculos. Será que só progredimos tecnologicamente? Temo que sim. A conhecida poesia de Raimundo Correia (1860/1911), poeta parnasiano, parece ter sido feita ontem:

"Mal Secreto"

"Se a cólera que espuma, a dor que mora
N´alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse  o espírito que chora
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo
Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!"

Penso que às vezes devemos entrar no nosso próprio templo (cada um de nós tem uma passagem secreta) e quebrar tudo, para começar tudo de novo. Que o diga Augusto dos Anjos (1884/1914) pré-modernista que embora usasse palavras rebuscadas conseguia no conjunto do poema fazer entender a sua mensagem:

"Vandalismo"

"Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longíguas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vestem lustrais irradiações intensas,
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.

Como os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos...

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!"


Ficamos por vezes fazendo loas às nossas próprias ilusões (Quem somos? O que construímos? Qual a nossa verdadeira face?) Acho que podemos, talvez, em algum dia calmo, entrar no templo que edificamos e cujo altar tem nosso próprio busto (deus de nós mesmos), e providenciar "erguendo os gládios e brandindo as hastas" uma quebra geral. O que restará? Que o diga Freud!  Carlos Roberto Husek.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Rua Vinicius de Moraes entre Ipanema e Copacabana, onde o poeta bebia o seu uisque e criava poemas que se tornaram famosos e foram musicados. O "poetinha", apelido carinhoso para quem era realmente grande, viveu pouco, (66 anos), embora com muita intensidade, pois amou as mulheres possíveis de serem amadas (ou de se deixarem amar). O amor não é só sexo, o amor não é falta de sexo, o amor não é só romantismo, o amor não é falta de romantismo. O amor é poesia. É tudo! Há aquelas (aqueles) que não se deixam amar, porque buscam do amor apenas uma de suas facetas. A entrega pressupõe uma totalidade - cor e magia - que tornam a vida especial. Na verdade, as pessoas estão, hoje em dia ( em geral), pobres de sentimentos, pobres de interesses, pobres de vida. Desconfiadas, impossibilitadas de entrega total, inimigas de si mesmas e das demais, antes concorrentes do que parceiras. Há uma guerra entre homens, entre mulheres, entre homens e mulheres. O mundo é uma disputa, uma pendenga, uma batalha, um conquistar (posições, dinheiro, mandos), enfim, uma pobreza! O colorido se perde no cinza que indiretamente produzimos. Vinicius e outros (poetas ou não) bucaram e buscam o espaço. "Ando a procura de espaço/ para o desenho da vida/ em números me embaraço/ e perco sempre a medida." (Cecília Meirelles)


Soneto da Fidelidade

"De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada  vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
mas que seja infinito enquanto dure."
 

Soneto da Madrugada

"Pensar que já vivi à sombra escura
Desse ideal de dor, triste ideal
Que acima das paixões do bem e do mal
Colocava a paixão da crfiatura!

Pensar que essa paixão, flor de amargura
Foi uma desventura sem igual
Uma incapacidade de ternura
Nunca simples e nunca natural!

Pensar que a vida se houve de tal sorte
Com tal zelo e tal íntimo sentido
Que em mim a vida renasceu da morte!

Hoje me libertei, povo oprimido
E por ti viverei meu ódio forte
Neste misterioso amor perdido."


Soneto do M|aior Amor

"Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
mais da eterna aventura em quem persiste
Que de uma vida mal-aventurada.

Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
ferir e fenecer - e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo."

É isso. Carlos Roberto Husek

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Carnaval e Quarta-feira de cinzas


Quanta e quantas vezes penso que nós devemos valorizar os momentos, valorizar a vida! Pensamento simples? Talvez... Mas, as verdades aparecem nos eventos cruciais, naqueles que nos encostam na parede e confrontam a razão de viver. Daí descemos do pedestal, da liteira, do trono, da toga e vemos que nada vale a pena, a não ser respirar.
A poesia seguinte na magistral pena de Olavo Bilac diz, de certa forma diz isso:

"In extremis"

"Nunca morrer assim! Nunca morrer num dia
Assim! de um sol assim!
                                            Tu desgrenhada e fria,
Fria! postos nos meus teus olhos molhados,
E apertando nos teus os meus dedos gelados...

E um dia assim! de um sol assim! E assim a esfera
Toda azul, no esplendor do fim da primavera!
Asas, tontas de luz, cortando o firmamento!
Ninhos cantando! Em flor a terra toda! O vento
Despencando os rosais, sacundindo o arvoredo...

E, aqui dentro, o silêncio...E este espanto! e
                                                            (este medo!
Nós dois... e, entre nós dois, implacável e forte,
A arredar-me de ti, cada vez mais, a morte...

Eu, com o frio a crescer no coração, - tão cheio
De ti, até no horror do derradeiro anseio!
Tu, vendo retorcer-se amarguradamente,
A boca que beijava a tua boca ardente,
A boca que foi tua!

                             E eu morrendo! e eu morrendo
Vendo-te, e vendo o sol, e vendo o céu, e vendo
Tão bela palpitar nos teus olhos, querida,
A delícia da vida! a delícia da vida!

"A delícia da vida" devia nos fazer repensar os relacionamentos. Nossos orgulhos, nossas verdades, nossas medalhas, nossas posições sociais, nossos argumentos... Tudo... Meias verdades, ou inteiras mentiras que só valem no estrito contexto de um olhar míope, deformador, embaçado. Nada é mais importante que a mão amiga, o olhar amigo, a possibilidade de juntos (em dupla ou em grupo) ver a vida, dizer o que vai na alma, unir esforços, encontrar saídas e comemorar os feitos com o suor dos esforços comuns, reconhecer que cada um tem muito a dar e a receber. Mas, nos posicionamos inflexíveis e, talvez, só venhamos a perceber a grande bobagem que nos move na conquista dos espaços (profissionais, políticos, sociais) quando diante da morte; da morte do ente querido; da nossa própria morte. Não é que devamos abandonar o jogo, este jogo humano, este jogo de xadrez, este jogo de peças, que nos faz em alguma hora participar do teatro da vida como simples coristas ou como atores principais. ( é o jogo..! que felicidade poder jogar..!). Não! Isto faz parte da vida. Entretanto, poderíamos fazê-lo sem a gana de matar o outro! Sem que a disputa pudesse representar a eliminação do adversário! A vida é um teatro e nele representamos um papel (apenas representamos um papel). A representação é importante, na sua medida e não mais. Hoje somos juízes, professores, servidores, médicos, mecânicos, trabalhadores em geral,  pais, filhos, amanhã estaremos aposentados, depois, estaremos mortos. O que fazemos de nossas verdades, aquelas que estão depositadas no fundo dos nossos corações? Respirar antes. Rspirar na vitória, respirar na derrota. Respirar a delícia da vida! Esta é a única verdade. O resto..? O resto é o que sobra...para ser repensado. Carlos Roberto Husek.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Um soneto de autor não muito conhecido


Destaque para o soneto de Lorenzo Stecchetti "Fatalidade"

"Por mim passaste no correr dos anos,
dos anos ao correr por ti passei;
não me inspirastes sonhos nem enganos,
nem enganos nem sonhos te inspirei.

A teu respeito nunca tive planos
e, quanto a mim, não os tiveste, eu sei;
em não me amando não sofreste danos,
danos, por não te mar, não amarguei.

Mas, num dia fatal do meu destino,
tudo mudou e eu vi-me dominado
por estranha paixão, um desatino!

E, hoje, me julgo, já desiludido,
um venturoso por te haver achado,
um desgraçado por te haver perdido."

O poeta me é desconhecido, sei que viveu entre 1845 e 1916. Sua inspiração e poesia são uma nota alta nos sonetos. Fica a mensagem. Carlos Roberto Husek

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Algumas considerações históricas


Há uma linha histórica que une a Literatura dos diversos países, desde a Grécia antiga até os nossos dias. Assim, a poesia - tema constante do nosso blog - tem uma árvore genealógica que começa (para especificarmos um começo) na Grécia e cujo tronco inicial, que alimenta esta grande família, vem composto por Homero com a Odisséia e a Ilíada.

Efetivamente a poesia deve ser vista e estudada a partir de seu criador, o poeta. Homero é uma figura lendária e quase mítica porque muitas dúvidas pairam quanto a sua existência e quanto a criação dos famosos poemas, acima apontados.

Algumas questões têm respostas dúbias, a saber:

1. A alguns que entendem que a Odisséia foi composta, pelo menos uns dois séculos após a Ilíada, o que afastaria a criação por um único poeta.
2. Outros concluem que os poemas iniciais foram acrescidos outros poemas independentes.
3. Há aqueles que entendem - na falta de provas específicas - que Homero não existiu, sendo seu nome somente uma alegoria ou que Homero nada mais foi que um mero compilador dos poemas dos diversos aedos do período arcaico grego.
4. Nem mesmo sobre a figura de Homero (física) há algum consenso.

Tudo isso faz parte da chamada "Questão Homérica"

A Odisséia e a Ilíada estão envoltas em bruma e o prório tronco inicial da poesia obscurecido. Há uma certeza, no entanto, este tronco ( se podemos continuar com esta imagem) existe e foi objeto de milhares manifestações e estudos.

De qualquer modo, devemos à Grécia a seiva que alimenta o nosso espírito poético, e não só com Homero. A poesia é a grande avenida que informou e influenciou as demais formas de manifestação literária, como o teatro, com Ésquilo (Oréstia, Os Persas, O rometeu Agrilhoado) ou Sófocles (Antígona, Édipo Rei, Electra) e mesmo a Filosofia de Platão. Entendemos que quem quer estudar um pouco mais profundamente a poesia e a Literatura em geral deve penetrar na História e na alma grega. Carlos Roberto Husek

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013


Poesia de Gonçalves Grespo "Mater Dolorosa"

"Quando se fez ao largo a nave escura
Na práia essa mulher ficou chorando,
No doloroso aspecto figurando
A lacrimosa estátua da amargura.

Dos céus a curva era tranquila e pura:
Das gementes alcíones o bando
Via-se ao longe, em circulos voando
Dos mares sobre a cérula planura.

Nas ondas se atufara o Sol radioso,
E a Lua sucedera, astro mavioso,
De alvor banhando os alcantis das fragas...

E aquela pobre mãe, não dando conta
Que o Sol morrera, e que o luar desponta,
A vista embebe na amplidão das vagas..."

Nasceu no Rio de Janeiro em 1846, mas estudou em Portugal, na Universidade de Coimbra (o que era normal na época). Faz parte da História da Literatura Portuguesa. Morreu aos 37 anos. 
A  poesia "Mater Dolorosa" é uma dos sonetos mais conhecidas e tem uma beleza especial, pela história que engedra e pela transcrição da dor da mãe que, provavelmente, vê o filho partir além mar. Observe-se o verso final que faz a conexão entre a partida, o mar imenso e solitário que leva embora o ser amado e os olhos cheios de lágrima, como as águas das ondas (a dor mistura-se com as águas e com o sentimengto de perda): "A vista embebe na amplidão das vagas..." Os versos tem onze sílabas (hendecassílabos), com rimas interpoladas ou opostas (abba). Algumas palavras podem ser esclarecidas: "gementes"- que gemem; "alcíones" - são aves; "cérula" - da cor do céu; "planura" - planalto, planíce; "atufara" - enchera, abarrotara, atochara; "fragas" - rocha escarpada, penedo, penhasco.   Uma poesia destas dá um certo trabalho para o entendimento (pouco trabalho) porque mesmo não sabendo o significado de algumas palavras, é possível entender a mensagem, sentir a beleza da imagem (afinal é o que interessa..!). O mesmo ocorre, por exemplo, quando ouvimos uma música estrangeira, sem entender plenamente a letra. A música, assim mesmo nos fala ao coração. A poesia e a música têm uma ligação estreita (ritmo, imagens, notas que tocam a alma). Apesar dos grandes poetas da modernidade ( e os há), aprendemos muito com a poesia antiga. A dificuldade em buscar a compreensão do que se sente é que nos faz progredir, aprimorar o sentimento estético e a compreensão do mundo. A poesia informa, forma, enriquece. Parece fácil de ser feita ( o poeta, para alguns, seria menos do que o romancista), mas, na verdade, sua dificuldade é maior do que o romance, do que a novela, do que o conto ( na minha opinião), embora seja mais fácil de enganar o incauto.  Parece ao leigo que basta juntar algumas palavras difíceis, com alguma rima, para se ter uma poesia, e não é isso. A boa poesia demanda um alcance de nota estética que poucos possuem (eu também não possuo, mas busco entender) Carlos Roberto Husek.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013


Destacando Garcia Lorca em "Soneto da Doce Queixa"

"O que temo é perder o encanto exposto
em teus olhos de estátua, e assim o acento
que à noite, ao me tocar, põe-me no rosto
a solitária flor de teu talento.

Nesta beira onde estou é meu desgosto
ser um tronco sem ramas; e atormento-me
não tendo a flor, argila ou polpa a gosto
do íntimo verme de meu sofrimento.

Se em mim és o tesouro se ocultando,
se és minha cruz e meu pesar molhado,
se sou o cão o teu solar guardando,

não tires o que é meu e me foi dado
e põe sobre teu rio, decorando-o,
folhas do meu outono alucinado.

Federico García Lorca nasceu no ano 1898, em Granada e foi assasinado  na localizadade de Viznar, em 1936, pela polícia do governo. A quem Lorca incomodava na política? Ser um poeta já é incomodar bastante aqueles que só enxergam o balanço de ganhos e perdas econômicos, sociais e políticos. Na verdade, pela poesia fustigou a política espanhola com seu "Romancero gitano" e, principalmente no "Romance de la Guardia Civil Espanõla". A Andaluzia dos ciganos caçados pela polícia. ("Oh, pueblo perdido/ en la Andalucía del llanto.") Pobreza e  injustiça, enquanto nas portas das igrejas, os santos de pedras mostravam-se impassíveis. Carlos Roberto Husek.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Meu espaço de escrita


Destaque de Manuel Bandeira, em:

 "Trova"


"Atirei um limão doce
Na janela de meu bem:
Quando as mulheres não amam,
Que sono as mulheres têm!"


"Toada"

"Fui sempre um homem alegre.
Mas depois que tu partiste,
Perdi de todo a alegria:
Fiquei triste, triste, triste.

Nunca dantes me sentira
Tão desinfeliz assim:
É que ando dentro da vida
Sem vida dentro de mim."


"O Amor, A poesia, As Viagens"

"Atirei um céu aberto
Na janela do meu bem:
Caí na Lapa - um deserto...
- Pará, capital Belém!..."


"Canção do Vento e da Minha Vida"

"O vento varria as folhas,
O vento varria os frutos,

O vento varria as flores...
     E a mina vida ficava
     Cada vez mais cheia
     De frutos, de flores, de folhas.

O vento varria as luzes,
O vento varria as músicas,
O vento varria os aromas...
     E minha vida ficava
     Cada vez mais cheia
     De aromas, de estrelas, de cânticos.

O vento varria os sonhos
E varria as amizades...
O vento varria as mulheres...
      E minha vida ficava
      Cada vez mais cheia
      De afetos e de mulheres.

O vento varria os meses
E varria os teus sorrisos...
O vento varria tudo!
      E minha vida ficava
      Cada vez mais cheia
      De tudo."

Manuel Bandeira, pernambucano (Recife, 1896) que viveu e morreu no Rio de Janeiro (1968) fez uma poesia de leve melancolia, humor e ironia; uma poesia do cotidiano. Declarava-se poeta menor. Não o foi. Sua poesia é um olhar voltado para a vida em perspectiva da morte. Sofria de tuberculose, desde a juventude, mas teve vida longa, o que possibilitou a sua poesia despojada, engraçada, musical, lírica, triste, minimalista, dos grandes e dos pequenos fatos  - sapos, trem, águas, (Irene boa entrando no céu) - utopias críticas, irônicas,  (Vou-me embora para Pasárgada/ pois lá sou amigo do rei/lá tem a mulher que quero/na cama que escolherei), modernista. Saiu de dentro de sua alma para cantar as ruas, as pessoas, os fatos da vida. Não ficou na estratosfera, embora nenhum poeta seja completamente deste mundo. Dentre suas obras, temos: "A Cinza das Horas", "Carnaval","ritmo Dissoluto", "libertinagem", "Estrela da Manhã", ""Lira dos Ciquenta Anos", "Mafua do Malungo", "Opus 10", "Estrela da Tarde"", "Estrela da Vida Inteira". Carlos Roberto Husek

















sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Meu espaço de escrita


Faço aqui um exercício. Trata-se de um soneto. Talvez meu primeiro, que arrisco no éter. Em decassílabos ou melhor, heróicos ou sáficos (imperfeitos, pois a contagem não está rigorosa), as estrofes em rimas alternadas ou cruzadas (aí está a radiografia mínima, formal, pretendida...). Levem em conta - os eventuais críticos, anônimos ou não - que me preocupei com o todo e com a mensagem; como um esteta iniciante (ou que procura ser um esteta) que buscasse transforma o barro informe em um busto. Por certo o nariz sairá torto, os olhos sem expressão, a cabeça muito alongada. Assim são estes meus versos (pretensamente em forma de soneto).  Deixo à consideração:

Em cada passo uma eternidade,
que no dia a dia lenta se desdobra,
palavras, gestos, momentos, saudade,
que nos enredam feito uma cobra.

Vamos arrastando pelos caminhos,
nossos passos aturdidos e loucos,
macerados, sangrados de espinhos,
que nos vai amortecendo aos poucos.

E quando pararmos para o descanso,
suspirando no termo percorrido,
olhar perdido, o coração manso,

e invocarmos a felicidade;
nos virá a ilusão dos dias findos,
em cada passo da eternidade.

É isso  (ufa!). Agradeço os que tiveram a paciência de ler. Carlos Roberto Husek