terça-feira, 24 de janeiro de 2017
Sobre o poeta
O poeta engravatado,
esconde do mundo, muito bem,
o pedinte que o incorpora,
nas incertezas que tem
E que estende o chapéu
para a compreensão e o amor
olhando para o céu
cantando a sua dor.
Uma dor da sensibilidade
inofensiva a qualquer passante,
que o deixa em qualquer idade,
quase sempre delirante.
A poesia é doença
inflamatória da ilusão,
um processo que toma o corpo
do fígado ao coração.
Em andanças pela rua
sua alma é chuva e frio,
molhada e nua,
serpenteia como um rio.
E nas voltas que o mundo dá
há sempre em decantação
um poeta não percebido
andando na contramão.
Carlos Roberto Husek
sábado, 21 de janeiro de 2017
Sofrência
Para os que perderam alguém
no caminho
Sofre-se de ausência
como se sofre
de uma cardiopatia,
de um diabete,
ou de qualquer
outra doença.
De pessoa que parte,
morta ou viva,
com ou sem
despedida.
E o mal se instala
desde a partida.
Um buraco
no estomago,
uma dor no peito.
Desorganizam-se
as horas
as noites e os dias.
E em tudo a pessoa
desaparecida
preenche a paisagem
sem ter vida.
Incorpora-se,
sem que se saiba,
como um fluído,
um gás,
etéreo e diáfano,
nos tecidos,
nas pedras,
nas plantas,
nas paredes,
nos quadros,
nas janelas,
nas portas,
nas escadas,
nos elevadores,
nos livros,
nos papéis,
nos perfumes,
ou nos odores vários,
como no santo sudário,
marca panos, lenços,
superfícies lisas,
acomoda-se
nos interstícios
de todo nicho humano
ou mineral,
dissolve-se no torrão
de açúcar
espalha-se
nas contas de sal.
Incorpora-se
pura e simplesmente.
Nos móveis,
sem ter vida.
Nos prédios,
sem ter vida.
Nas salas,
sem ter vida.
Nos quartos,
sem ter vida.
Nas chuvas,
sem ter vida.
Nas festas,
sem ter vida.
E nas longas tardes
de claridade doída,
em que sobe
do horizonte
uma fumaça
sem destino,
em que tudo
relembra a morta
ou desaparecida,
que se foi
sem despedida,
alguns caracteres
firmam-se de plano:
Olhos fundos,
corcova
acentuada,
pés
que caminham,
por qualquer
estrada,
a poeira
das horas
na respiração
ofegante,
as pálpebras
rebaixadas,
de instante
a instante,
olhar líquido
e brilhante,
gotejando
imperceptível,
e um tremor
nas mãos
cansativo,
de apalpar
no ar
os motivos
em revoada,
como
pássaros
sem ninhos
que fogem
por
longínquos
caminhos,
sem ponto
de chegada.
Não há remédio
conhecido
para quem sofre
de ausência,
talvez
se morra,
talvez
se viva,
abatido
e subjugado,
tornando sempre
presente o passado,
nas voltas
que o mundo dá,
anda-se só
embora
acompanhado.
É uma crônica
doença
que se instala,
e se incorpora,
e deixa um espaço
que dói
organicamente
- insidiosa serpente -
que se arrasta
sinuosa,
de repente,
retorcendo nervos,
esburacando o ventre
perfurando pulmão.
Se morta,
a pessoa,
leva consigo
um coração
ainda vivo,
daquele que fica
pesaroso
e cativo.
Dolorosa sina,
que fecha os olhos
para o mundo,
vai marmórea,
pequenina,
sem mais nada,
porque se morta
parte
e morta fica
para a condição
humana,
e no infinito
se precipita.
E os convivas
prosseguem após,
no dia a dia,
uma doença
de crônica
sofreguidão,
criando nisso
uma casca,
crosta,
de delicada
aparência
e imperceptível
subordinação.
Se desaparecida
viva,
a doença
permanece
grave,
e se propaga
alucinante,
sem entrave,
para contorcer
as entranhas,
e torturar
sem pejo
todo frustrado
desejo,
e toma o corpo
e a mente
como semente
de árvore
frondosa,
para
transformar-se
em espinho
pontiagudo,
de ponta
envenenada,
mortal
e dolorosa.
E a morte
do infectado,
após longa
vida
de sofrimento
com esta
referência,
será a única
cura
possível,
uma vitória
sobre
a pérfida
doença.
Existem também
alguns
sinais
do distúrbio,
para o qual
a prevenção
tem pouca força,
quando
há indiferença,
uma espécie
de
frieza
momentânea,
germe
da ausência
que será
destino,
causa
e consequência
do mal
sem tratamento
já revelado
no seu
endereçamento.
O nome
dessa
enigmática
enfermidade
que ataca
as células
do cérebro
e do coração
em essência?
SOFRÊNCIA.
Carlos Roberto Husek
domingo, 15 de janeiro de 2017
Reação
Palavras
e carinhos
ao vento,
se espalham
e se pulverizam.
No ar nada fica
somente uma
inconveniência
nas atitudes
reativas.
É a lógica racional
de um mundo
de posições
rigidamente
marcadas.
A língua
falada
ou escrita
têm vocábulos
intraduzíveis,
e se mostram
estranhas.
Espaços
perdidos,
mundos
perdidos,
olhos cegos,
ouvidos surdos.
Cérebros
que não
entendem,
mãos que não
se encontram,
corações
que não batem.
Falo,
mas que temor
pode causar
o que digo?
Olho,
mas que temor
pode causar
o que vejo?
Abro
os braços,
mas que temor
podem causar
os meus braços?
Minha palavra
é perdida.
Meus olhos
voltam-se
para
o invisível.
Meus braços
abrem-se
para
despedidas.
Tudo cai
no vazio.
E o vazio faz depósitos de poeira...
E o vazio preenche-se de espinhos...
E o vazio faz murchar as flores...
E o vazio encharca os campos...
E o vazio torna ácida a chuva...
E o vazio constrói distâncias...
E o vazio alimenta as intempéries...
E o vazio escurece o sol...
E o vazio torna densas as nuvens...
E o vazio engole sorrisos e afagos...
Demolição...
Só não destrói
o que foi
dedicado
a uma
solidificada
construção
composta
de:
Um tijolo de compreensão.
Um tijolo de cooperação.
Um tijolo de amizade.
Um tijolo de indulgência.
Um tijolo de esperança.
Um tijolo de amor.
Carlos Roberto Husek
Carlos Roberto Husek
terça-feira, 10 de janeiro de 2017
Balada da Coruja Empalhada
Empalhada,
seca,
coração
sem
batimentos,
sabedoria
sem
fala,
sem
escrita,
sem
gestos,
abúlica,
o olhar
mudo
e frio,
o corpo
incomunicável.
O corpo incomunicável...
Peito
branco,
onde
se escuta
o infinito
oco
a ecoar
silêncios.
O infinito oco a ecoar silêncios...
Sem
sangue,
sem
músculos,
sem
pele,
apenas
fios
sobrepostos,
imitando
asas,
palhas
entrelaçadas
e as penas
lubrificadas
à prova
d`água,
gotas
de tinta
foram
espargidas
sugerindo
a neve
dos
lugares
gelados,
e talvez,
se acumulem
em um
galho
de árvore
invisível,
em que
pousasse
e repousasse
no tempo
os seus
eternos
olhos
de vidro.
Os seus eternos olhos de vidro...
Quieta,
austera,
taciturna,
soberana
da noite,
misteriosa,
falseia
a solenidade
da vida.
Falseia a solenidade da vida...
Muda,
quase
fala,
gera
frases
sem
verbo
e sem
passagem,
que
se perdem
após
o último
chirriar,
e que
a deixam,
subitamente
mumificada.
Subitamente mumificada...
No seu
imaginário,
todos
estamos
empalhados,
e a vida,
é uma
tinta
que
se desfaz
e perde
a cor,
no último
raio
de sol,
na penumbra
da noite,
mantendo
os olhos
abertos,
desertos
de significados.
Desertos de significados...
Solitária,
quando
madrugada,
desfaz-se
de seu
porte
altivo,
e desmaia
nas
pálpebras,
que se
fecham
para
enxergar
na tela
animal
de sua
suposta
vida
anímica,
a razão
de suas
necessidades
de ser
apenas
uma
coruja.
De ser apenas uma coruja...
Escondida
entre
folhas
e galhos
ramificados,
traz
nos
olhos
de vidro
uma
forma
estranha
de vida.
Uma forma estranha de vida...
Sua
cabeça
gira
de
forma
repentina
em
todas
as direções,
e de olhar
parado
visualiza
pela
escuridão
os rastros
de sua
presa,
o andar
incerto
dos
bichos
rastejantes
nas
estradas
abertas
pelos
desenhos
sulcados
de outras
aves
de rapina.
De outras aves de rapina...
Depois
seus
olhos
se petrificam
em uma
única
direção,
para
o horizonte
distante,
e se distanciam
na densa
e escura
floresta,
entre
folhas
amarelecidas
e árvores
tortas.
Folhas amarelecidas e árvores tortas...
Encontro
aqui
e acolá
carcaças,
restos,
pedaços
de suas
asas,
quase
esfarinhadas,
e sinais,
talvez,
de um
último voo,
incerto
e errático,
fiapos
de algum
brilho
antigo.
Fiapos de algum brilho antigo...
Esculápio
de mortos,
disseco
com
religiosidade
seus
antigos
poderes
e ponho
sob o
microscópio
dos
sonhos
suas
células
sem
luz.
Suas células sem luz...
Mero
acaso,
mero
delírio,
mera
ocasião,
que cria
na cabeça
de um
poeta,
bichos
e flores
no cativeiro
de seus
versos,
como
frutos
da imaginação,
no mundo
de experiências
mortas,
do "faz de conta"
de verdades
eternas,
do "faz de conta"
de pequenas
mentiras,
a boiar
na atmosfera
da realidade.
A boiar na atmosfera da realidade...
E o que é
a realidade,
senão
uma coruja
que
embora
empalhada,
transmite
um devaneio,
ficção,
de que
se alimenta
o dia..!
Ficção de que se alimenta o dia..!
Na palha
dos desejos
queima
em fogo
lento
as ilusões
do mundo.
Queima em fogo lento as ilusões do mundo...
Corujamos
nossos
olhos
sobre
os galhos
das
horas.
Sobre os galhos das horas...
Esta
é a vida,
um
imenso
ninho
de palhas
onde
nos
acomodamos
medrosos,
ou um
ramo
em que
fixamos
as garras
e as unhas
pontiagudas,
e apontamos
o bico
curvo,
desencorajados
de
simplesmente
viver.
De simplesmente viver...
Corpo
incomunicável,
infinito
oco
a ecoar
silêncios,
nos eternos
olhos
de vidro,
falseia
a solenidade
subitamente
mumificada,
deserta
de significados,
apenas
uma
coruja,
forma
estranha
de vida,
entre
outras
aves
de rapina,
entre
folhas
amarelecidas
e árvores
tortas,
fiapos
de brilho
antigo,
de células
sem
luz,
a boiar
na realidade,
ficção
do mundo
sobre
o galho
das
horas
para
simplesmente
viver,
simplesmente
viver,
simplesmente
viver,
viver,
viver,
viver...
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Carlos Roberto Husek
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