quinta-feira, 18 de julho de 2013

Escrever



Quantos somos,
seres com seus arados,
canetas e teclados?

Quanto somos
com seus infernos,
e céus enublados?

Que lavram
  e atritam,
e choram,
  e gritam,
e se inflamam,
e se seduzem,
e se absorvem,
e se espalham,
e se consomem,
   como fogo
queimando
em cada palha,
em cada janela
   aberta,
em cada porta
  cerrada?

Quanto somos
a dizer sandices,
em suas rezas
   e crendices?

Quanto somos
a ler e a escrever,
sob o sol
  e sob a lua
e sob a nuvem
  que passa pesada,
e a sob chuva
que banha a rua?

Lavramos
   nossa palavra,
perfurando
pontos invisíveis
do branco do papel
do branco da tela,
com nossas loucuras
e nossas cicatrizes.

Somos poucos...
Operários recolhidos
em suas glebas
     sulcados,
     sulcando,
     perdidos.

Mas o arado
que lavra esta terra,
lava o meu pecado,
de ser humano
    e imperfeito,
na ponta da caneta,
no sulco de cada veia,
na batida do peito.

Carlos Roberto Husek



    de seus enfados.
Quanto somos
que lavram
    na espera
da frutificação
  dessa terra?
em sua alma,
     e enubla
o seu céu,
o que atormenta

terça-feira, 16 de julho de 2013

Sobre a poesia e a morte


Não se deve censurar a poesia, assim como nenhuma arte deve ser censurada. O poeta deve e pode fazer poemas sobre tudo: amor, sol, vida, sexo, morte, tristezas, felicidade, formigas, portas, paredes com reboco ou sem, pensamentos, doenças, práias, cemitérios, árvores, desertos. Tudo é vida!
A censura pode ter várias configurações:  a de terceiros, que fazem disso profissão; de terceiros, que têm por desiderato destruir cada linha, cada idéia, cada frase; pelo próprio poeta que se deixa dominar por suas próprias regras morais, religiosas e outras, frutos de uma educação voltada para  a classificação das coisas, como certas ou erradas; pelo próprio leitor, que ao ler o poema se vê atingido e se censura, censura a sua própria leitura, e afasta aquele poema,não por razões estéticas, filosóficas, musicais, ritmicas, mas por razões de ordem moral; pelo próprio leitor, que sem saber o motivo, pura e simplesmente não gosta, atingido em alguma nota da sua alma, da sua experiência de vida, de seus medos. Esta última é um a censura mais sutil, porquanto o censor não sabe que censura ( que se censura). Devíamos ler um poema com os olhos e o coração abertos, o cérebro sem travas, possibilitando dele gostar ou não, mas prontos para percorrer suas palavras, suas entrelinhas, seus pontos e exclamações e descobrir a beleza, que poderá haver nele, independentemente das frases e do tema. Estou convencido, de que é possível descrever um velório com arte e beleza, porque toda manifestação humana é cultural e é bela. Neste evento, por exemplo, existe um personagem principal ( ou cujo foco de luz, sobre ele se fixa momentaneamente), o morto, e outros coadjuvantes, parentes, amigos, que o relembram ou apenas manifestam a dor do momento. Tal situação vista pela janela da arte, pelos óculos da sensibilidade, é tão bonita quanto uma paisagem tropical, feita de luz, de água, de folhas, de sorrisos, de  juventude, de força e de alegria. A beleza está na essência das manifestações humanas ou naturais. A vida é um espelho (tudo nele se reflete), a vida é arte; a arte é vida que reflete e se reflete sobre tudo. A mão de um velho, repleta de veias salientes, de manchas, de nódulos, de quebras, de desarmonias é tão bonita - para os efeitos da poesia ou de qualquer outra espécie de arte - quanto a mão de jovem, lisa e saudável, rosada e harmônica, cuja musculatura desenhe suavidade e força. Tais considerações passam pelos olhos, pelo olhar, pela pele, pelo corpo, pela respiração ou pela falta dela. Tudo é vida!
Há um poema de Fernando Pessoa (infelizmente ele não está na minha frente) que diz mais ou menos assim: Cruz na porta da tabacaria/Quem morreu? O próprio Alves?/ Ele era o dono da tabacaria.../ Desde de ontem a cidade mudou. Este último verso "Desde ontem a cidade mudou" vem ao final de cada quadra ( acho que ao todo quatro ou cinco estrofes) para  dizer da perplexidade do poeta diante da morte do dono da tabacaria, que sempre lá estava, todos os dias, quando ele (poeta) passava, de dia e de noite, e o cumprimentava "Perdi essa monotonia/Ele (o Alves) era fixo/ Eu (o poeta), o que vou/ Desde ontem a cidade mudou; Se eu (o poeta) morresse amanhã ( porque não sou fixo, não estou no mesmo lugar todos os dias, não sou uma paisagem conhecida e esperada) "Ninguém diria/Desde ontem a cidade mudou".
Não é uma poesia de amor, que cante as belezas naturais, que cante o amor pela vida, é uma poesia de constatação sobre a morte e sobre o dia a dia. Quantas vezes, já ocorreu de pessoas que estamos acostumados a ver e a ouvir, desaparecerem ( pela morte ou não) e não a vemos e nem a ouvimos mais, e podemos dizer, nestas situações com Fernando Pessoa "Desde ontem a cidade mudou" e podemos, por certo dizer, que como não representamos para alguns qualquer fixidez, qualquer monotonia, qualquer repetição, quando morrermos ninguém haverá de falar: "Desde ontem a cidade mudou". Não é bonita a imagem? Mais do que isso, verdadeira. Quantas e quantas vezes me peguei sussurrando: "Desde ontem a cidade mudou..." e nas horas que passam e que se quebram por algum motivo visível ou não, podemos dizer com um suspiro só nosso: "Desde ontem a cidade mudou..." Carlos Roberto Husek

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Poema da Constatação


Morte...
         Passado...
Morreu e era tão jovem!
Mas, agora quantos anos tem?
A morte iguala os moços,
    que partem sem aviso,
           ou com aviso,
aos velhos que se vão
com o aviso na carteira.

Quantos anos ele tem agora?
Está lívido, marmóreo,
face endurecida, branca,
quantos anos ele tem agora?

A morte pegou-o na juventude,
                     é verdade,
mas, depois que ele se acomodou
            neste abraço,
não se lhe conta mais a idade.
Quantos anos ele tem agora?

A morte pinta a cal
    a pele e a íris
e embalsa o corpo.

O velho no velório
  é ainda moço,
  pois está vivo!
Sua pele tem cor,
seus olhos, embora tristes,
embora escondidos
sob dobras de epiderme,
embora já deturpados
pelo horizonte próximo
- já que o passado
  se perdera no tempo -
olham e enxergam a morte,
        assim como
olham e enxergam a vida!

O jovem morreu...
Quanto anos ele tem agora?

Chegará do outro lado
com o vigor e a energia
dos dias do começo?
Quando se morre jovem
    parte-se jovem
e quando se morre velho
   parte-se velho?

Se é assim a morte
   tão ligada à vida,
que dela tira sua essência,
então, preferível
morrer em plena juventude,
viver-se-ia mais
                aqui e acolá,
ou, pelo menos,
       com mais robustez!

Não creio...

A velhice é um desfazer-se
                      da vida
e dela se desfazem
    velhos e jovens
em vida, nas cascas
          que criam,
e, por certo, na morte,
       este invólucro
      de plastificação
elaborado pela natureza.

Morte...
       Passado...
Presente...
       Futuro...

    Lado a lado.

Carlos Roberto Husek
  

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Abandono


Esquecido
    e desaquecido,
poucos cabelos
         ao centro
da cabeça ovalada,
sem saber da vida,
sem saber de nada.

O velho está só
         na calçada.

Olha para um lado,
para outro se vira
perdido
entre o poste
      e a rua.
Folhas ao chão
de uma árvore nua.

Galhos retorcidos,
são suas pernas
   e braços,
seus lábios
      deprimidos,
seu cansaço.

Há uma noite
no seu olhar
e uma capa
no seu dorso
de dura corcova.

No seu nariz
afilado e adunco
dobra-se
a cartilagem
      da ponta
como um junco.

Nas árvores
é primavera
cerca-o contudo
um inverno
desaquecido
 e mudo.

Esquecido,
          arrasta
seus passos
e lá vai,
      trêmulo
entre as gentes
     passando

 Até quando?

Carlos Roberto Husek


segunda-feira, 1 de julho de 2013

O silêncio e o ruído


    

O silêncio dói dentro da noite,
           cansado
e  chora incompreensões.

                    Longíguo lamento,
que foge entre arbustos
 na sombra sobre o chão,
arrastando-se pelas curvas,
        percorre imagético
neurônios do passado
                  e do presente
em monólogos
             e circunstâncias.

O silêncio grita
            silenciosamente
o seu próprio enredo
e sucumbe entorpecido.

Há gritos no ar
e lamentos contidos
saídos do ventre da terra.

O silêncio é sempre
uma possibilidade de diálogo
em um mundo repleto de ruídos.

O silêncio adormece     
cansado de si mesmo.

Carlos Roberto Husek