sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


A vida é sempre recomeço,
mas não começa do nada,
há sempre algo que sobra,
para uma nova murada,
somos células, átomos,
que advém de outros,
           reproduzidos,
nada é novo sob o sol,
nada é novo na vida,
o sol que se põe nasce,
o que nasce há de morrer,
mas morre uma tarde
para logo renascer.
Há coisas eternas,
   e indestrutíveis,
sobre a camada de vida,
a própria morte impera,
impera a própria vida,
há sempre um recomeço,
no começo de tudo,
à noite anoiteço,
de madrugada fico mudo,
de manhã amanheço,
vivo, respiro, aconteço,
mas de noite anoiteço,
de madrugada fico mudo..
A vida é tudo...
      A vida é tudo...
           A vida é tudo....

Carlos Roberto Husek
 

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Solrac

(Aqui o destaque é o próprio Solrac)


Ao andar pela cidade,
uma tristeza o invade,
uma dúvida o atormenta,
uma imagem desfocada,
  a cada esquina dobrada,
a cada avenida percorrida,
revela o irrevelado,
na imagem compadecida.
Solrac antropofóbico,
      misantropo,
      retraído,
vê fugirem pelas ruas,
seus passos de menino,
e já cansado e doído,
      esfriando,
      amortecido,

Ao final da tarde, de toda tarde, o sol se põe pintando de laranja o céu.... Só resta a lembrança das coisas marcadas por este evento, que pode ser um mantra poético, mais ou menos assim:

Fim de tarde,
   fim de tarde,
fim de tarde,
   fim de tarde.

É um tempo de morte e de vida,
entre a noite e o dia,
entre o dia e a noite,
uma suavidade,
              um açoite.

A vida é assim,
um caminhar contínuo
deixando pelo caminho,
flores, galhos, arminhos.

Fim de tarde,
   fim de tarde,
fim de tarde,
   fim de tarde

A lua chegou pálida
e o sol já não arde.

Só resta a esperança
       que a vida,
se renove compadecida,
entre as coisas renovadas
     e as perdidas.
            
Fim de tarde,
   fim de tarde,
fim de tarde,
   fim de tarde.

A lua chegou pálida
e o sol já não arde.
na sequência do caminho
.......................................
         entre
flores, galhos e arminhos.


Não sei se quem acabou de escrever estes versos foi Solrac ou o Carlos. É apenas um mantra que serve para as festas e para os velórios.  Carlos Roberto Husek

domingo, 23 de dezembro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Ao término da análise das cidades, destacamos do nosso livro boa parte das capitais e de algumas cidades do mundo e do Brasil, com seus poetas, vamos a uma parte mais específica da minha poesia "Solrac". Antes disso, informamosque cada capítulo de capital terminou com o seguinte refrão:

As cidades não se fazem
apenas na arquitetura,
             pessoas
são seu sangue, sua energia,
sua féruia e brandura,
há nomes que personalizam
cada avenida, cada rua.

O livro - peço desculpas aos eventuais leitores - resolvi divulgar, de início, o livro latipac, apenas para explicitá-lo àqueles que o compraram e não conseguiram ler, ou que não puderam comprá-lo. Ele, na verdade, é dividido em três grandes partes: "Do Cenário", onde busco desenvolver a criação das cidades, física, psicológica e socialmente (da pág. 15 à 77); "Das Urbes" onde procuro especificar cada cidade do mundo e do Brasil, vai de Atenas a São paulo (da pág. 79 a 187); e, "De Solrac" uma visão particular desse alter ego sobre as cidades, sobre a existência humana (da pág. 193 a 235).
Esta última parte é precedida pelo seguinte refrão, que vem no início de cada capítulo:

Solrac não tem desejos,
Solrac não tem perdão,
Solrac não tem lampejos,
Solrac não tem razão,
Solrac é só momento,
de entrega e compaixão.

Carlos Roberto Husek.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


São Paulo

(destacando Guilerme de Almeida, versos grafados de "Simplicidade,Felicidade")

Em cada verso,
em cada humana voz,
há uma simples morada,
que se esconde sob as jóias,
que se esconde sob os cargos,
que se esconde sob as comentadas,
a morada da simples humanidade,
"Ser como as rosas, o céu sem fim,
a árvore, o rio...Por que não há de
ser toda gente também assim?"
.........................................................
"Chamou-me e disse:
              'Vou-me embora!
Sou a felicidade! Vive agora
da lembrança do muito que te fiz!
... só quando ela partiu,
                 contou quem era...
E nunca mais eu me senti feliz"
........................................................

(destacando Menotti Del Picchia, versos grafados de "Máscaras")

na cidade que se desfolha
a cada minuto, a cada hora,
sempre existem dois lados,
um lascivo, outro sonhador,
outro o da morte,
           outro o do amor,
mas que não vivem separados,
porque ambos se encontram
                                  unidos,
embora nunca sejam
             desse modo percebidos.
"Esse amor deu-me o desejo
daquele beijo encontrar.
Mas nunca, reunidas vejo
a volúpia desse beijo,
e a tristeza desse olhar."

Guilherme de Almeida, príncipe dos poetas, nasceu em julho de 1890, em Campinas, e morreu em São Paulo, em 11 de julho de 1969. Menotti Del Picchia, nasceu em São Paulo, em março de 1892 e morreu em São Paulo, em 1988.
Dois grandes poetas que conduzem a arte pela simplicidade. A inteligência e a arte encontram um caminho mágico na comunicação simples e ao mesmo tempo forte e profunda. Poucos conseguem essa façanha.  Guilherme de Almeida e Menotti Del Picchia puseram fogo na minha imaginação, mal havia conhecido o mundo. Pequeno, criança, início de adolescência, não sei bem, é fato que passava os dias com alguns poucos versos, de ambos e de outros poetas e preenchia o espaço da comunicação (quase sempre incomunicável) com estes e outros versos. O eterno problema - todos nós o temos - de não entender e não se fazer entender, entre olhares, falas e gestos. A comunicação da vida e a interpretação dos fatos tem olhares específicos, de cada um, que ao serem expostos quase nunca são compreendidos. Afinal, o que é a felicidade, o que é o amor, o que é a morte? (temas básicos) Se alguém acha que sabe a resposta, provavelmente se ilude.Carlos Roberto Husek

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Rio de Janeiro

(destacando Vinicius de Moraes, versos grafados de "Soneto da Hora final")


"Ao transpor as fronteiras
                      do Segredo
Eu, calmo, te direi:
                - Não gtenhas medo
E tu, tranquila, me dirás:
                - Sê forte.
E como dois namorados
Noturnamente tristes e enlaçados
Nós entraremos
          nos jardins da morte."
..................................................

De repente, do pranto o riso,
e do riso o pranto longo,
de repente, o despertar sem som,
e o dormir sem estrondo,
de repente, uma dura realidade,
nos mineralizará eternamente,
de repente, tu serás aquela
    que olharas antigamente,
nos velórios familiares,
e eu serei aquele que pensava
                    nas distâncias,
dos entes que se foram
    sem aviso e sem licença,
de repente, seremos dois
    com esta mesma essência,
fazendo iguais papéis
para os que ficaram presentes,
de repente, seremos dois
    simplesmente ausentes,
de repente, os teus iguais,
não necessitarão ser mais chorados,
de repente, todos estaremos
                               clarificados,
e a morte não terá sucesso,
        o sucesso esperado,
porque tudo estará em sombra,
    irremediavelmente acabado.

De repente,
 não mais que de repente,
esta poesia nasceu assim,
descontente,
esta poesia nasceu assim,
ausente,
 esta poesia nasceu assim,
 virtualmente posta,
esta poesia nasceu assim,
disposta,
esta poesia nasceu assim,
composta,
em resposta a nada,
de repente, é manhã,
ou madrugada.
A vida é um repente
           a vida é um nada.

Carlos Roberto Husek

que o dia tem,
de repente

domingo, 9 de dezembro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Teresina

(destacando Torquato Neto, versos grafados de "Cogito")

Caminhando pelo Nordeste
sobre o escaldante chão
    de raios,
sobre a sobra
           dos ventos lacaios
que ao cair da tarde.
.......................................

"Eu sou como sou
              Vidente
E vivo tranquilamente
Todas as horas do fim."


Torquato Pereira  de Araújo Neto, nasceu em Teresina, Piauí, em 1944 e morreu no Rio de Janeiro, em 1972. Uma das vozes do tropicalismo afirmou: "Escolho a Tropicália não porque é liberal, mas porque é libertina." Carlos Roberto Husek.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Curitiba


(destacando Paulo Leminski, versos grafados de "Aviso aos Náufragos")

Sobre a terra vermelha,
passou o homem,
          o asfalto cinza,
e sobre o asfalto,
fez surgir toda espécie
             de veículos
que passaram a transitar
carregando tijolos e ferros,
quadricularam-se as ruas,
e toda gente passou
        a se cumprimentar,
dentro de seus grupos
        e de suas simpatias,
nada podia viver
de concreto na poesia,
nada podia viver
de romântico na poesia,
nada podia viver
de parnasiano na poesia,
nada podia viver
de simbólico na poesia,
nada podia viver
de surrealista na poesia.
nem de moderno,
nem de expressionista,
numa cidade de ferro,
numa cidade de prédios,
numa cidade lapidada,
numa cidade acabada,
somente um poeta,
......................................
"Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta para o galho,
muito depois de caída."

Nasceu em 1944, em Curitiba e morreu em 1989, na mesma cidade, decorrente de um alcoolismo crônico. Veio do concretismo e deixou-se influenciar pela poesia japonesa (haicais), pela música popular e pela poesia beat: "Eis a voz, eis o deus, eis a fala,/ eis que a luz se ascendeu na casa/ e não cabe mais na sala."
Outros versos característicos:"aqui jaz um grande poeta,
                                                 nada deixou escrito,
                                                 este silêncio, acredito,
                                                 são suas obras completas."
Poesia é isto. Em poucas palavras fala-se tudo.Carlos Roberto Husek

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Porto Alegre

(destacando Mário Quintana, versos grifados de "A rua dos Cataventos" e de "Recordo Ainda" )


"Da vez primeira
em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir
                 que eu tinha.
Depois, a cada vez que
                 me mataram,
foram levando
qualquer coisa minha."
.....................................
Todos envelhecem
        sobre as rédeas,
     sobre os volantes
dos cavalos modernos,
pendurados nos veículos,
aboletados nos coletivos,
escondidos os meninos,
que estão sob as gravatas,
que estão sob as responsabilidades
           distribuídas nas cidades.
"Sou um pobre menino...
              acreditais!...
Que envelheceu um dia,
              de repente!..."

Mário Quintana nasceu em Alegrete, Rio Grande do Sul em 30 de julho de 1906, e faleceu em Porto Alegre, em 5 de maio de 1994:

"Este quarto de enfermo, tão deserto
de tudo, pois nem livros eu já leio
e a própria vida  eu a deixei no meio
como um romance que ficasse aberto...

que importa este quarto, em que desperto
como se despertasse em quarto alheio?
Eu olho o céu! Imensamente perto,
o céu que me descansa como um seio.

Pois só o céu é que está perto, sim,
tão perto e tão amigo que parece
um grande olhar azul pousado em mim.

A morte deveria ser assim:
um céu que pouco a pouco anoitecesse
e a gente nem soubesse que era o fim."

(poesia "Este quarto")
Mário Quintana é o protótipo do solitário "Morrer é esquecer as palavras" (A noite grande). Apesar da solidão, sua poesia tem humor, lirismo, malícia, ingenuidade, ironia, simplicidade. Carlos Roberto Husek

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Cruz do Espírito Santo

(destacando Augusto dos Anjos, versos grafados de "O lamento das coisas")


"...O verme - este operário 
              das ruínas -
Na frialdade inorgânica
              da terra"
É que aprimora sua oficina
na guerra, destruição,
a comer os epitélios
na louca escavação.
Tudo produz ruído, sons,
     surdos ou estridentes,
que as cidades multiplicam
e que perduram como um 
                 ranger de dentes,
o peota de negro vestido,
sente como  uma caixa
                 de ressonância,
desde a amargurada infância, 
todas as dissonâncias do gemido.
" Triste, a escutar, pancada
                           por pancada,
a sucessividade dos segundos"

Augussto dos Anjos, poeta singular, salvo engano,  não teve seguidores e não seguiu nehuma escola específica. Nasceu na Paraíba em 1884 e faleceu em 1914. Fez versos originais, repleto de imagens fortes e cruas sobre doença e morte, mais em seus aspectos físicos:

"Já o verme - este operário das ruínas -
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida, em geral, declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!"

As imagens, embora fortes, são belas, em termos de poesia. A poesia não tem um teor definido, uma matéria que lhe é própria. Pode-se fazer versos sobre a natureza, sobre as pessoas, sobre a vida, sobre a morte, sobre as catástrofes, sobre a filosofia (é possível filosofar por intermédio da poesia), sobre a história, sobre o amor, sobre a própria poesia, sobre o dia a dia, sobre o infinito, sobre pequenos insetos, sobre os grandes animais, sobre os velhos, sobre os jovens, sobre a tecnologia, sobre o sexo, sobre as raças, sobre os partidos políticos, sobre os esportes, sobre as angústias, sobre a felicidade, sobre Deus, sobre o diabo. Enfim, o olhar poético é, de início, um olhar interior sobre tudo que existe, que é visualizado, sentido, pensado, intuido. Carlos Roberto Husek

sábado, 1 de dezembro de 2012

Exercício para o poético


Aqui nos permitimos sair um pouco da nossa poesia (Latipac), para flanarmos no fazer poético. Escrever, escrever. Há uma sensação de incompletude na escrita. A escrita nunca se completa e nunca se mostra inteira e não traduz nunca o momento do espírito. Se isto é uma verdade, e cremos que é, porque a apreensão da realidade é um momento complexo e passa por um filtro, o filtro do corpo físico (olhos, ouvidos, sentidos, em geral), transformando a realidade no momento mesmo da referida apreensão, a poesia é o veículo mais apropriado para tanto, porque mais sutil. Os instrumentos da poesia são mais evocativos da sensibilidade, e portanto, mais propensos a repercutir a realidade na sua dimensão íntima e efetivamente real. O que vemos é parte da realidade. A tradução que automática ou estudadamente fazemos do que vemos é a realidade que sentimos, que nos vem ao espírito. A realidade é pois, sempre, a junção do que vemos, ouvimos, sentimos, com a interpretação que fazemos dessa apreensão. Por isso, quando faço poesia, interpreto o mundo (que nos parece real, fotográfico), íntimo, interno (tristeza) ou externo (árvore) e crio para a vida outro objeto que deve ser apreendido e traduzido (interpretado) por outra pessoa, construindo esta, a sua própria realidade.

Branco, branco, o peixe prateado,
à luz do sol branco e argênteo,
sobre as águas cristalinas e azuis.
A predominância do branco
no meu espírito enlutado,
é a luz que vejo na percepção
                              do mundo,
de um fato aparentemente simples,
como um peixe nadando 
nas águas claras de um rio,
iluminado pelo dia,
em contraste com a solidão,
por si escura e intraduzível,
de um véu que perpassa
e filtra pelos meus olhos,
o peixe, a água, o sol, o rio.

Eis o que digo, numa poesia (poesia?) que agora criei, diante de uma visão material e de uma sensação do espírito. Estranho? A poesia (como qualquer arte, ou que pretenda ser uma arte) não é veículo para a normalidade, simplesmente fotográfica dos fatos, das coisas, dos sentimentos. A poesia é, por si,  estranha. Daí porque muitos não a entendem. Para entender de poesia é necessário deixar uma janela aberta para o infinito. Intuir, sentir, invocar, provocar, influir, refluir, liberar os sentidos, abrir os canais. É sempre metalinguagem, é sempre metafísica, é sempre sutileza, mesmo que fale de coisas concretas. Carlos Roberto Husek

Latipac - a cidade e seus espelhos


São Luis do Maranhão

(destacando Ferreira Gullar, versos grafados de "João boa morte - cabra marcado para morrer")

Sua poesia é força e çuta
            grito alto,
            denúncia,
            engajamento,
            sedução,
um pouco de sofrimento,
da gente do sertão,
da história do João,
do João Boa Morte,
que lutou para sobreviver,
lutou contra a sorte.
.......................................

"que ele derrota o patrão
que o caminho da vitória
está na revolução."

José Ribamar Ferreira, nasceu em São Luís em 10 de setembro de 1930, talvez o maior nome da poesia no Brasil, nos dias atuais. Poesia engajada e ao mesmo tempo romântica: "Minha amada tem palmeiras/onde cantam passarinhos/e as aves que ali gorjeiam/ em seus seios fazem ninhos." Carlos Roberto Husek

sábado, 24 de novembro de 2012

Meus haicais de repetição


o tempo, o tempo passa
como uma nuvem
de repente se apaga

de repente se apaga
como uma nuvem
se transforma em água

se transforma em água
como uma nuvem
e escorre sem direção

e escorre sem direção
como uma nuvem
sem dar tempo ao tempo

sem dar tempo ao tempo
como uma nuvem
o tempo, o tempo passa.

Pode ser uma espécie de mantra. Tudo passa. Carlos Roberto Husek

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Cuiabá

(destacando Manoel de Barros, versos grafados de "O Livro das Ignoranças")

só há clima,
     só há natureza plena,
e pujante,
     só há diálogos
                  improváveis,
só há figuras novas
                 e incontáveis,
     feitas de animais,
                 animáveis,
feita de ocasos,
feita de pequenos bichos,
    e de veios de água
que correm e se evaporam,
e se tornam céu
e se transformam em pedras
que também se convertem,
em garças e em uvas,
em maçãs que descansam,
            e dormem,
e no próprio homem
       e passa a ser coisa,
            a ser planta,
 a não ser somente
barulho, grito falante.  
"Quando o rio está
      Começando um peixe,
Ele me coisa
           Ele me rã
                   Ele me árvore
De tarde um velho
Tocará sua flauta
Para inverter os ocasos."


Manoel de Barros nasceu em Cuiabá, Mato Grosso, em 1916 e sua poesia, como não podia deixar de ser, foi influenciada pela paisagem de Corumbá e do Pantanal. Manoel de Barros inverte a lógica das coisas e da realidade, porque a realidade do poeta, do seu espírito, é outra. É possível assim "tocar a flauta para inverter os ocasos e tornar-se árvore". Poesia muito diversa das demais. Um poeta singular. Veja-se: "Gravata de urubu não tem cor.
               Fincando na sombra um prego ermo, ele nasce.
               Luar em cima de casa exorta cachorro.
               Em perna de mosca salobra as águas cristalizam.
               Besouros não ocupam asas para andar sobre fezes.
               Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina.
               No osso da fala dos loucos há lírios."

Pois é. Não me esqueço e acho que não devem esquecer aqueles que gostam de poesia que: o poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina e que no osso da fala dos loucos há lírios.  Lamber palavras é o que se faz. Penteá-las, namorá-las, e diante do resultado, dos seus efeitos, dos sons que fazem (no cérebro) quando combinadas em frases, se enlouquece, se alucina (uma boa alucinação, uma loucura que liberta). Os loucos têm a sua própria arrumação das coisas, que não é a mesma arrumação dos considerados "normais" (o que é normalidade?) e na sua fala ( a palavra é concreta, é dura, é óssea), e da sua fala resultam lírios (encantamentos, verdades, amorosidades). O poeta é sempre um lambedor de palavras, é sempre um louco e nos seus versos (por mais loucos e lambidos que sejam) observam-se lírios. Pode-se se ouvir a música que deles emana, embora o silêncio da leitura. Pode-se se sentir os sentimentos que deles advém. Pode-se sentir o odor (os versos quando feitos com a verdade da alma têm cheiro, odor). Carlos Roberto Husek

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Um intervalo para os haicais


Hoje quero sair um pouco dos estreitos caminhos da minha poesia e dirigir o olhar, em especial,  para a poesia oriental, apesar dela já ter dito alguma coisa quando transcrevi parte de latipac sobre Tóquio e sobre Basho (poeta japonês).

Ocorre que levantei oriental, miúdo, afeto às pequenas coisas da vida, aos pequenos movimentos, às pequenas imagens, dando importância aos pequenos passos. Quando se tem o ofício (ainda que não profissional) de escrever e se acorda desse jeito, é melhor não contrariar a natureza. Nada se escreve com algum valor (sentimental) ou com alguma verdade, se não estiver de conformidade com nossa vontade interior.
Matsuo Basho nasceu em 1644 em Ueno, na província de Iga, e adotou o nome literário de Sobo. escrevia haikais (ou haicais), pequenos poemas curtos, por vezes satíricos, repleto de jogos de palavras (no caso de Basho, a introdução na concisão do poema, da filosofia zen, além dos demais caracteres), com alguma referência a uma estação do ano, ainda que de forma indireta (p.ex. para primavera, além desta mesma palavra, uma expressão equivalente, como "montanhas sorridentes"). Enfim, nas pequenas coisas (observação de um caminho, de um inseto, de uma gota de água, de uma folha caída, de uma flor, de uma nuvem, de um sorriso, de um olhar) ou mesmo de coisas grandes, mas a partir de observações solitárias (a via láctea, a Lua, o Sol, o mar,  o céu), tira-se uma nota, um acorde (tem muito de música em qualquer poesia) um pensamento, um ritmo, a percepção de algo, um "insight", uma revelação.
Alguns versos de Basho aí vão:

"solidão
após os fogos de artifício
uma estrela cadente!"

"murmúrio
marmóreo
  do mar"

"folhas tremulam
no campo queimado
à espera da lua"

"silêncio profundo
o sibilo da cigarra
perfura as rochas"


Um pouco antes de sua morte e sabendo que morria escreveu Basho:

"finda viagem
meus sonhos rodopiam
pelo seco descampado"

Percebam. Há uma fina observação do universo em torno do poeta. Há uma beleza singular, um efetiva musicalidade, que somente se observa ou se sente quando podemos parar (sair do azáfama da cidade, ainda que dentro dela) para a contemplação. É um exercício de eternidade (o tempo não conta, o tempo não existe).

Deixamos aqui, virtualmente, com ousadia, alguns de nossos haicais (ainda não publicados):

        janela fechada
 o sol penetra pelas frestas
   e deita raios no tapete.

 Como estão as flores
    no caixão em torno?
        ... Mortas.

       Já espraiado corria,
       o sangue na calçada.
   Um tiro. Era madrugada.

  Nuvens, garoa, riscados,
      a verdade presente,
      aflorando passados.
    
     É isso. Carlos Roberto Husek
    

 
   

    



quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Maceió

(destacando Ledo Ivo, versos grafados de Mar feminino)


A terra tem sons, tem artes,
    tem arenosas partes,
tem obstáculos, tem dádivas,
    tem dívidas, tem cruzes,
    tem motivos, tem luzes,
tem os canaviais,
e nordestinos ossudos,
                  ancestrais,
e mulheres bojudas,
de curvas e redondezas,
de olhos rasgados,
onde esfumaçam braseiras,
"Amo-te porque és mais bela
            Quando imóvel
Quando teus joelhos lembram
            Areias duras
E teu sangue é um sol
               E corre em tuas veias."

Ledo Ivo nasceu em Alagoas, em 18 de fevereiro de 1924. Como todo poeta tem dentro de si vários, no mínimo três, como expõe na sua poesia "A nave da Lapa"- "Pela manhã sou um,/ Cai a tarde e sou outro/ De todos e nenhuns/Me despeço ao sol-posto,"

 Assim me despeço,
 Agora sou Carlos, ou o Solrac,
 ou o Roberto, ou o Otrebor,
 ou o Husek, ou o Kesuh.
 Sou tantos,
 e ao mesmo tempo,
 apenas um.                         Carlos Roberto Husek

domingo, 11 de novembro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos

Goiânia

(destacando Cora Coralina, versos grafados de CoraCoralina quem é você?)


vestido comprido,
vestido rodado,
na cabeça um pano
vermelho,
cabelos presos,
miúdos olhos,
que ela quer,
voltados para
as coisas pequenas,
"...mulher
como outra qualquer"
que vem "do século
passado"
trazendo consigo
"todas as idades",
Cora Coralina,
Cora coregem,
Cora vivacidade,
que os becos,
os bolos,
os solos,
as salas, as horas,
os filhos, as filhas
que adora,
que cria,
das vilas incriadas,
das pedras irregulares,
dos gestos,
dos falares,
dos diálogos
ao pé do fogo,
dos cantos,
dos cantares.

A poesia está no espírito de quem a escreve e vem, seguramente, de outras eras (tese espírita, reencarnação, Jung e o inconsciente coletivo, simples antenas ligadas, não comum aos demais?). Os poetas são iguais, embora fisicamente diferentes. Não há efetiva diferença entre o português Fernando Pessoa, andando, com seu terno e gravata pelas ruas de Lisboa, entre Castro Alves, na sombra das Arcadas, entre Vinicius de Moraes, na mesa de um bar com um copo de uísque e um violão, em Copacabana, entre o sorumbático Augusto dos Anjos, no seu espírito Santo ("Eu sou aquele que ficou sozinho/Cantando sobre os ossos do caminho"), entre o sofisticado diplomata Pablo Neruda, bem como entre o amoroso perseguido Garcia Lorca e Cora Coralina, a senhora que com seus vestidos e seus bolos, começou a se fazer conhecida (diamante que sempre lá esteve, no interior de Goiás), a partir de provecta idade (alguns poetas morrem cedo, fulgurantes, outros nascem depois que se foram as glórias da mocidade), mas todos são irmãos da mesma família, provindos de um mesmo espírito unificador, de uma mesma cepa, de uma mesma angústia (toda poesia, mesmo a mais infantil e romântica, a mais política e social sofre da doença da angústia, que é o descompasso entre a realidade vivida nas cidades, nas comunas, nos becos (nos becos de Goiás), e aquele sentimento inexplicável do mundo. Todo poeta é um universo que sobrevive, desde as coisas pequenas (formigas) até às estrelas, na grande distância do firmamento. O poeta não tem idade, não tem sexo. O poeta é. Carlos Roberto Husek.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Belém

(destacando Mário Faustino, versos grafados de Poesias Completas)

e mais pronto para a morte,
pressentida e advinhada,
com sua bola de cristal,
Mário, Mário Faustino,
    que tinha especial tino,
    para querer o bem
e prevenir o mal.
"Não morri de mala sorte,
Morri de amor pela morte."

(destacando João de Jesus Paes Loureiro, versos grafados de "O Círio")

"O Círio vai passando como um rio"
      vai passando como um rio,
      serpenteando como um rio,
      evoluindo como um rio,
      marulhando como um rio,
      arrastando tudo
                  por onde passa,
como um rio, um rio de gente,
            com suas rezas,
            com seus panos,
            com suas preces,
            com seus estribilhos,
            com suas mulheres,
            com seus maridos,
            com seus filhos.

Não temos muito a falar sobre João de Jesus Paes Loureiro, inspirado poeta paraense, porque é daqueles - pepitas de ouro - que brilham na sua comunidade e serão aos poucos descobertos. basta o verso destacado que deu mote à continuidade da poesia sobre o Círio de Nazaré. Sobre Mário faustino, no entanto, algumas palavras: nasceu, na verdade, em Teresina, Piauí, em 20.10.1930 e morreu em Lima, Peru, em novembro de 1962. Destacou-se como jornalista e estudante de Direito em Belém do Pará. Seu livro "O Homem e sua Hora" preocupa-se com temas referentes à pureza, impureza, perdição e salvação, amor e morte, dualidades. Foi um grande intelectual, que sobretudo pensou no fazer poético, na comunicação:

"Para as festas da agonia
Vi-te chegar, como havia
Sonhado já que chegasses:
Vinha teu vulto tão belo
Em teu cavalo amarelo,
Anjo meu, que, se me amasses,
Em teu cavalo eu partira
Sem saudade, pena, ou ira;
Teu cavalo, que amarraras
Ao tronco de minha glória
E pastava-me a memória.
(...)
Não morri de mala sorte,
Morri de amor pela Morte"

Sua morte prematura não permitiu que este poeta e intelectual pudesse dar uma contribuição maior para as letras nacionais. Certamente alcançaria patamar invejável na literatura brasileira. Carlos Roberto Husek

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Um comentário a guisa de coisa nenhuma


Escrever é sempre um grande problema produto de vários outros, parciais e quase insolúveis no seu espaço e momento.
Trata-se de ofício solitário (aquele que lê...uma incógnita!), como lê (um mistério), o que lê (uma possibilidade...em princípio, o que está escrito), porque lê (talvez, um momento de abandono...por não ter nada melhor a fazer...por curiosidade...por simpatia...para exerce uma certa fiscalização sobre o eventual escriba...por ter atração pelo rídiculo e esperar que o escritor se safe ou não dessa possibilidade...para ver até onde vai o entusiasmo do pseudo comunicador, em um mundo que escrever -num blog, então... - é comunicar-se com todos e com nada. Não é diferente na escrita de um livro (quem o compra? por que compra? quando compra?, para quê compra? realmente o lê e se envolve e faz algum juízo crítico?) Novamente mistério! Diferente do facebook e outras ferramentas similares, em que se comunica a solidão de cada um (fatos comezinhos do dia, que em tese só tem interesse ao comunicante) e se responde - quando responde - também em perfeita sintonia solitária; um mundo de calados que preferem o virtual, embora concreto, ao diálogo concreto, embora por vezes virtualmente posto?!. É que este último leva em conta os olhos, o gesto, as possibilidades analógicas, os erros e os acertos da comunicação completa.
O blog não é muito diferente, salvo o fato de que, quem o escreve, efetivamente, não espera ser lido ou ter algum retorno (não espera...?). Bom, pelo menos o faz para dizer e não para ouvir (talvez, seja mais solitário ainda...!).
 Aqui, na tela (seja "e-mail", facebook, blog, twiter, e sei lá mais o quê) criamos um mundo e nos afastamos daquele que está ao nosso redor. No entanto, a utilização está sendo tão grande! Não pela minha geração (já estou avoengo), que fica sem saber a verdeira revolução que vem após a consolidação desses instrumentos: um mundo maravilhoso ou uma sociedade de estranhos, cujo o mínimo contato visual nos causará a cegueira temporária, ou permanente? Talvez estejamos caminhando para a comunicação mental (mundo futuro, aquele das ficções), em que o ser humano será uma enorme cabeça, corpo miúdo, braços e mãos sem musculatura, sem boca, lábios ou dentes, olhos sem íris, flutuante (andar é primitivo), a escutar-se e escutar outros pelo éter. Talvez, estejamos morrendo. Carlos Roberto Husek  

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos / antes algumas palavras


Algumas palavras:

Uma missa católica fez-me recordar os simbolos gregos das máscaras (a alegria, a raiva, a tristeza) e/ou as máscaras impassíveis japonesas, por trás das quais saem vozes, timbres, que falam dessas e de outras emoções,  porque a homilia referiu-se a uma figura paterna, morta, de um amigo, como se a morte fosse um presente final que Deus nos proporciona, a nós, que cá permanecemos, entre os vivos.
E, no caso, realmente parece ter sido. Convenci-me. Clóvis Garcia, professor emérito da Escola de Comunicação e Arte de São Paulo, faleceu de sete para oito dias atrás e tal acontecimento propiciou uma revelação divina - e acredito que o seja - pelo menos para aqueles que não haviam despertado para tal revelação: Clóvis Garcia foi um presente de Deus para os seus familiares, amigos, estudantes e todos que partilharam de sua vida. Belas palavras!
Quem passeou pelo teatro, nos bastidores e no palco, e exerceu a crítica e a história, a história crítica e a crítica histórica ( pude quase ler, e ainda o leio, e parece que o farei ainda por alguns dias - leitura dinâmica - o seu livro "Os caminhos do teatro paulista") tornou-se um presente porque iluminou o palco da vida e os personagens que nela se movimentaram, por suas palavras e obras.
 A própria missa, por fim, - nos perdoem os religiosos, também o sou, de certa forma - é um teatro que abre as cortinas da divindade e encerra-as nas exéquias sobre a figura daquele que partiu.
Partir, partir, partir: de partidas vivemos. O trem para na estação - cada residência, cada família é uma plataforma - abre as portas e no vagão, adrede preparado, o vivo sobe alguns degraus, olha uma última vez (quem não viu na retina do último instante, um olhar significativo?) e não mais retorna. Assim é a vida...assim é a morte: uma peça, em que a última cena pode ficar para sempre na memória.    

Belmonte

(destacando Sosígenes Costa, versos grafados de "Abriu-se um cravo no mar")

"A noite vem do mar cheirando
                              a cravo"
nesta bacia de jade
que vive como um monge,
um poeta grave,
a amarelar a natureza,
com sua elegante realeza,
composta de palavras,
   com sinfonias e rituais,
sempre de casaca,
   fauna e flora e minerais.

(versos grafados de "O triunfo do amarelo")

na luta das cores do poente,
do bronze e da ametista,
na luta do amarelo contra o verde,
"no esforço de vencê-lo
                              e confundí-lo.
E assim derrama, esdrúxulo,
               na flora
sépia, topázio, abóbora e berilo."

Há elegância nos versos e nas palavras e nas rimas. Não foi um poeta popular; de baile e de periferia, de voz no meio do povo, de suor e de gritos. Seus versos desfilam como se estivem nos salões do império em dia de gala; passos curtos, casaca, cabelos penteados, bengala ao braço, punhos de seda, sapatos de bico e um olhar distante, que vê sem enxergar. Entretanto, não deixa de ser um grande poeta. A arte  é impar e inclassificável, e se incorpora no mais inesperado dos seres e nas mais impensadas formas e palavras. Carlos Roberto Husek  

domingo, 4 de novembro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Belo Horizonte/Itabira/Ouro Preto

(destacando Carlos Drumond de Andrade, versos grafados de "O Lutador", e de "Com Licença Poética")

porque "lutar com as palavras
é a luta mais vão.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã."
Diferente de Drumond
quando nasceu
"um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta
anunciou:
vai carregar a bandeira."

(destacando Tomás António Gonzaga, versos grafados de Marília de Direceu)

Alguns morreram
e se foram, cabeças penduradas,
nos postes postadas,
como o alferes cujo corpo
não teve pousada
outros encarcerados,
desapareceram aos poucos,
apodrecidos e tristes,
e chorosos e loucos.
"Nesta sombria masmorra,
Aonde, Marília, vivo,
Encosto na mão o rosto,
Fico às vezes pensativo."

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Recife

(destacando versos grifados de João Cabral de Melo Neto em" A educação pela pedra e depois")


o sertanejo se posta na preamar,
e sua fala engana,
        suas palavras trituradas,
como minerais,
         de pedras lavadas,
de emoções desmotivadas,
"'as palavras de pedra ulceram
                                a boca
e no idioma pedra se fala
                               doloroso;
o natural desse idioma
                      fala à força.'"


(destacando versos grifados de Manuel Bandeira em Estrela da Vida Inteira/Desencanto)

Pelos canais, pelas pontes,
pelos prédios ancestrais,
pelos mares, pelas fontes,
pelas plantas universais,
pelas areias, pelos casarios,
pelos lagos, pelos rios,
pelas águas vicinais,
Bandeira, Bandeira,
uma face tristonha,
outra face pesada,
estrela da vida inteira,
a versejar na madrugada,
que faz '"versos como quem
                               chora
de desalento...de desencanto'"
e que pede para fechar o livro,
se não '"há motivo...
                   de pranto."
Tais versos "de angústia rouca"
que "dos lábios a vida corre,
deixando um acre sabor na boca"

Cabral de Mello Neto (1920 - Recife - 1999 - Rio de Janeiro), diplomata, de versos áridos como pedra e tristes como o sertão "Esta cova em que estás,
                                                com palmos medida,
                                                é a conta menor,
                                                que tiraste em vida.".

 Manuel Bandeira (1886 - Recife - 1968 - Rio de Janeiro), tísico, de versos em golfadas, como sangue  "Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
             Tristeza esparsa...remorso vão...
             Dói-me nas veias. Amargo e quente,
             Cai, gota a gota, do coração."

Basta?  Carlos Roberto Husek

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Homenagem a Drumond


Aniversário de Drumond, hoje (31.10.2012) faria, salvo engano 110 anos, nascido em Itabira, Minas Gerais, viveu no Rio de Janeiro  e escreveu para o mundo. Latipac, embora de forma indireta, sofreu, provavelmente, influência de um certo estado de espírito, presente em Drumond, que, como um bom poeta, era solitário, não de uma solidão romântica, mas de uma solidão social, uma solidão da cidade, produzida pela cidade, que envolve os citadinos, em decorrência de suas ruas, de suas avenidas, de seus prédios, de seus olhos em olhos amigos no interior das escolas, das firmas, das fábricas. Uma solidão em decorrência dos gestos e das falas entrecortadas. Uma solidão tão solitária e inexplicável, que nem sabe de sua própria existência, iludida pelo azáfama da cidade. Fala-se tanto, falamos tanto; age-se tanto, agimos tanto, sempre comprometidos com afazeres e metas que nos esquecemos!. Esta é a verdadeira solidão da cidade! Esquecemo-nos do que fomos, do que somos, do quer nossa alma e das pessoas que são ou nos foram caras, porque mesmo estas estão desaparecidas,  dentro de seus próprios corpos, e não as reconhecemos quando passam por nós e para nós se dirigem, formal e socialmente. Somos ilhas, quase incomunicáveis, de mata densa e práias virgens. Quem nos conhecerá ao final de cada dia, de cada semana, de cada mês, de cada ano? Temos que conviver com esta falta de comunicação.
Disse Drumond, nos seus versos de "Uma hora e mais outra": "ja teu passo avança
                                                                                                    em terra diversa.
                                                                                                    Teu passo; outros passos
                                                                                                     ao lado do teu."

ou, no verso do poema "América": "é possível distribuir minha solidão, torná-la meio de conhecimento,"

ou, a um conselho dado a um amigo: " Mas há que tentar o diálogo, quando a solidão é vício."

Hoje, ficamos por aqui. Carlos Roberto Husek

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Salvador

(destacando Castro alves, versos grifados em Navio Negreiro)

'"Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali'
A pele negra queimada,
                  pela água salgada,
pelo sangue dos ancestrais,
rema na madrugada,
algemada, mais e mais"

'"Quem és tu? Quem és tu?
És a glória talvez!
              Talvez a morte!...'
A luta incessante,
               a incessante lida,
e tudo se resume na força
                        do povo,
que torna a morte amortecida,
e tudo se resume na força
                        do povo,
que torna a morte sentida,
e tudo se resume na força
                        do povo,
que torna a morte aquecida,
pelas artes, pelos livros,
pela cultura criativa,
'Livros...livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n´alma
É germe - que faz a palma,
É chuva - que faz o mar.'"

Antônio de Castro Alves nasceu em 14 de março de 1847 e morreu em 6 de julho de 1871. poeta baiano que viveu boa parte de sua vida em São Paulo, como estudante da faculdade de Direito do largo São Francisco. Não terminou o curso - morreu aos 24 anos - não terminou a vida, somente terminou - parece - sua poesia, social "Senhor Deus dos desgraçados!
                                                              Dizei-me vós, Senhor Deus!
                                                              Se é loucura... se é verdade
                                                              Tanto horror perante os céus...
                                                               Ó mar! por que não apagas
                                                               Co`a esponja de tuas vagas
                                                               De teu manto este borrão?...
                                                               Astros! noite! tempestades!
                                                               Rolai das imensidades!
                                                               Varrei os mares tufão!...

e romântica "A vez primeira que eu fitei Teresa,
                    Como as plantas que arrasta a correnteza,
                    A valsa nos levou nos giros seus...
                    E amamos juntos... E depois na sala
                    "Adeus" eu disse-lhe a tremer co`a fala...
                    E ela, corando, murmurou-me: "adeus".
alcançando um grau de genialidade jamais observada por um poeta nacional. Não há necessidade de dizer mais nada!

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Buenos Aires

(destacando Jorge Luis Borges, versos grifados de Obras Completas, Milonga para os Uruguaios)

Nas ruelas da Recoleta
há fantasmas de ricos e abastados,
e nomes de formosura,
e grandes túmulos ancestrais,
de escritores, políticos,
     de artistas,
que deixaram suas marcas,
que ficaram no passado,
'"Ombro a ombro ou peito a peito,
Quantas vezes combatemos,
Quantas vezes nos venceram,
Quantas vezes venceremos!'"
no passado, a estação
mais propícia á morte.

'"Um só homem sentiu no paladar
o frescor da água,
o gosto das frutas e da carne'"
este homem
na sua cega anatomia,
percorria e percorria,
as ruas que se banhavam
na luz de sua ousadia,
um Jorge Luis Borges,
nos alforjes forjado,
nos contos fantásticos,
nas reais fantasias,
nas poesias que planaram
em sua futura agonia,
de não ver o rio e a cidade,
de suas filosofias

Os meus versos antecedem ou continuam alguns versos dos autores consagrados, como é possível ver nesta e noutras poesias. Uma espécie de parceria, sem licença para tanto ( se soubessem me acionarem na Justiça em todos os países e cidades que citei). Mas busco, na verdade, revelar um pouco do autor e da cidade respectiva ou das cidades respectivas. No caso de Borges, como todos sabem, cego, professor de literatura inglesa e que tinha uma predileção em andar pelas ruas de Buenos Aires, sem enxergá-las por completo ou de todo e que, talvez por isso, encontrou na sua imaginação o fantástico (contos fantásticos; poesias um pouco mais de acordo com a realidade, mas fantásticas - toda poesia o é). O fantástico impera em nossas vidas (já repararam?). O que é a realidade, senão a nossa interpretação daquilo que enxergamos (ou não enxergamos), em construção diária!? O mundo é mágico e Jorge luis Borge soube por essa magia no papel ( como escreveu no seu conto sobre o outro, que encontrou em um banco de jardim e que não era senão ele mesmo...!) Borges, nasceu em Buenos Aires, em 24.8.1899; morou em Genebra, na Suiça e na Espanha - Madri, se não me engano, provavelmente também na Inglaterra (admirava a literatura inglesa), e morreu em Genebra em 1986. Entre o mundo visível e o mundo invisível (sua cegueira) descreveu o seu verdadeiro e nos deu páginas de beleza e de inquietude não só poética, mas, principalmente, filosófica. Carlos Roberto husek

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Havana

(destacando Dulce Maria Loynaz - Queira-me inteira)

Há os vivos que
            caminham,
e os que fumam
e refundem seus ossos
e seus músculos,
e suas peles tostadas,
para as suas moradas,
suas revoluções
            particulares,
por suas paixões coletivas
       e individuais,
'"Se me queres, queira-me
                      inteira
Não por zonas de luz
        ou sombras.
Queira-me toda...
     ou não me queiras!'"


domingo, 21 de outubro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Nova Iorque

(destacando Edgard A. Poe, versos grifados de O Corvo)

'"Nunca , nunca,
           nunca mais'
disse o corvo, cabeça lisa,
corpo preto, olhos negros,
no quarto de Poe,
como somente soem
ser os corvos anunciantes,
de verdades delirantes,
à meia-noite na madrugada,
após a brisa desperta,
com dois toques vagabundos,
assustando quem dormia,
com esta sinfonia de duas notas,
e uns olhos fixos e profundos,"

(destacando Walt Whitman, versos grifados de Folhas de Relva)

'"A fisiologia, o que vai da cabeça
          aos pés, eu canto.
O homem moderno eu canto'
E de tanto cantar-se a si mesmo,
     cantou-se no seu encanto,
a barba branca emplumada
     de sabedoria e espanto,
de tanto cantar-se a si mesmo,
     encantou-se no entanto,
de barba branca emplumada,
     no rosto a marca do pranto,
     no rosto a marca da vida,
     no rosto as folhas secas,
                           caídas,
     no rosto as folhas de relva,
                           perdida,
     no rosto luz e sombra,
                           aquecidas,
     no rosto a marca do tempo,
               arrependida,
               visualizada,
               querida,
     coberta com o musgo
das folhas enverdecidas."

(destacando Emily Dickinson, versos grifados de Poemas)

'"Morre a palavra
Quando é falada,
       Dirão.
Digo:- Só então
Ela começa a 
             Viver'.
É a palavra o veículo
    que leva em seu bojo,
o significado social,
de que vem embuída,
e o seu significado pessoal
que o interlocutor
           mal desconfia."

(destacando Edward E. Cumming, versos grifados de XIX Poemas)

'"assim a razão
         venceu o instinto e
a matéria se tornou
         escrava do espírito;
assim a virtude
         triunfou sobre o vício.'

(destacando Thomas S. Eliot, verso grifados de A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock)

'"Sigamos então, tu e eu,
Enquanto o poente
no céu se estende,
como um paciente
anestesiado sobre a mesa.'
Este binômio eficiente,
que encerra o mundo todo,
no universo de dois,
e deixa o fim dos tempos
para um tempo depois."

Nova Iorque teve estes e outros poetas. A cidade do mundo, a cidade de pedra, a cidade de espelhos, a cidade dos automóveis, a cidade das lojas, a cidade dos restaurantes, a cidade das luzes, a cidade dos pedestres, a cidade dos extremos, a cidade das quadras, a cidade dos ícones, contém vielas solitárias, ruelas inexpressivas, homens e mulheres comuns, pobres e sofridos, e cachorros abandonados e crianças que buscam na imaginação outras realidades e vários e vários estrangeiros em passos perdidos. Carlos Roberto Husek.

sábado, 20 de outubro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Santiago/Isla Negra

(destacando Pablo Neruda, versos grifados, em Canto Geral)


'"Eu quero terra, fogo, pão,
                     açucar, farinha,
mar, livros, pátria para todos,
          por isso ando errante.'
Fustigou contra as ditaduras
e acariciou o povo pobre,
que nisso aproximou-se de Hugo
embora com outra têmpera
embora com outra vontade.
Restou Santiago,
   pela conquista de valdívia,
   a serviço de Pizarro asfixiando
                a revolta indígena,
   cruzando os vales de Copiapó
                           e Coquinho,
e de posse de Mapocho,
criou a cidade e seus arredores.
Hoje resta de sua gênese,
de seu rio, de suas nevadas,
de seus Nerudas e de suas estradas,
uma cidade motorizada,
de gigantescas torres de pedra,
de profusões de solos amestrados,
de jardinagem em cada morada,
de uma coleante e viva fila
de mulheres e homens,
         em busca da moeda,
em busca da conquista,
em busca da excelência,
          gerencial, administrativa,
uma cidade igual às outras,
a Latipac esfriada pelos andinos."


Pablo Neruda, chileno, poeta, diplomata, universal, mas sua poesia tinha o gosto da terra de seus amores, da terra que o viu nascer, de sua natureza, e riqueza de suaa comunicação descritiva e poética, que pode ser sentida e entendida pelos diversos povos, porque, afinal, somos todos herdeiros dos mesmos átomos, espalhados pelo planeta:
"Escrevo para uma terra recém-secada, recém-
fresca de flores, de pólen, de argamassa,
escrevo para umas crateras cujas cúpulas de giz
repetem seu redondo vazio junto à neve pura,
opino de imediato para o que apenas
leva o vapor ferruginoso recém-saído do abismo,
falo para as pradarias que não conhecem nome
além da pequena campânula do líquem ou o estame queimado
ou a áspera mata onde se inflama a água."

Isto é Neruda. A poesia escorre pelas veias, pelos olhos, pelo coração, pela pele. Somente um poeta pode escrever para as pradarias que não conhecem nome e para uma áspera mata onde se inflama a água. Carlos Roberto Husek

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Praga

"Kafka sob uma capa negra,
paletó abotoado,
colarinhos brancos
                  e arredondados,
a gravata também sóbria,
leva em seus bolsos
breves frases a seu gosto,
de seus dias de tristeza,
 carregando no seu bojo,
fantasmas de personagens
      que se transformam
em insetos, em miragens."


Pouco espaço dei a Praga, em sua poesia. Faço-o agora. Deveria ser diferente, uma vez que minha família, por parte de pai, veio daquela região, da velha Tchecoslováquia, e também da Iugoslávia. Não sei porque não saíram mais versos, quando sinto no sangue alguma química de gerações antigas? Talvez, porque, por parte de mãe fale mais alto o sangue italiano. Este casamento, de três países, ou de muitos ( a região dividiu-se e subdividiu-se, entre a Tchecoslováquia e a Iugoslávia, no mínimo - se bem lembro - em sete novos países, que contemplam identidades antigas e plenamente separáveis) ou de um único país (não sei se este seria o termo certo), do antigo chamado Império Áustro-hungaro, que englobava toda aquela região. Conclusão: não sei, efetivamente, de onde vêm meus antepassados. Existiram, sem dúvida, mas sem cor definida, daí me sentir um cidadão do mundo. Os eslavos orientais (Grandes Russos, Ucranianos, Bielorussos), os ocidentais (Polacos, Tchecos e Lusácios), os meridionais (Eslovenos, Croatas, Sérbios, Bósnios e Montenegrinos, Macedônios e Búlgaros); uma única família eslava, todavia, muito diversa..
Hans Kafka, judeu eslavo, nascido em julho de 1883, em Praga, morto em junho de 1924, viveu, como é bem do nosso gosto, intelectualmente ativo e nas sombras. A casa de Kafka (estive lá), caminho da igreja, pequena (agora azul), com uma porta e janela que parecem de brinquedos, revelam um homem de baixa estatura. Lá dentro, cantos escuros (assim me pareceu), onde, provavelmente Kafka ficava pensando na vida, entre as sombras, escrevendo e saindo para o seu trabalho, confidenciando com um grande amigo, Max Brod, que o trai ao fazer vir ao mundo os escritos que lhe foram confiados, desautorizado de qualquer publicidade. Santa traição! Grande amigo! Tirou Kafka do anonimato e sobre ele direcionou um foco de luz. Veio ao mundo o inseto: " Certa manhã, depois de despertar de sonhos conturbados, Gregor Samsa encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso." Quanto de nós não se levanta metamorfoseado em um ser estranho? Só com o passar do dia é que nos encontramos. Eu, mesmo, confesso, até o final do dia, conservo algumas patas estranhas, algumas antenas insuspeitas, um corpo cascudo, alguns órgãos moles, e olhos que enxergam a paisagem humana em várias dimensões. Fico assim, inseto, até ser chamado à realidade. Realidade? Carlos Roberto Husek

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos



Calcutá/Mumbai/Nova Délhi


"tudo se enfraquece,
                  desaparece,
se esfuna,
e Rabindranath Tagore,
com seu poema,
não vai a parte alguma,
poque os túmulos
                  permanecem,
na vida e após a vida,
       de terra e pó
       e fenecem
os corpos em cada caverna,
       com a laterna
       da eternidade,
pelos passeios empoeirados,
       da cidade,
pelos passeios empoeirados,
       da superios bondade,
pelos passeios empoeirados,
       sem consumismo,
       ou vaidade,
nos lençóis brancos
                     enrolados."

É interessante notar que nas cidades mencionadas ao longo de Latipac, com destaque de alguns poetas e alguns versos, e, principalmente com a busca do espírtito de cada cidade, que no fundo é o mesmo em todas elas, os versos são sempre versos em branco e normalmente sem rima (emparelhadas, alternadas, cruzadas, intercaladas, encadeadas, continuadas, misturadas; pobres, ricas, preciosas, e etc). A rima é apenas uma possibilidade no conjunto da obra. O que interessa - creio - não é a rima ou a contagem clássica das sílabas (métrica - versos pentassílabo, octossílabo, eneassílabo, decassílabo e outros), e sim o RITMO. O ritmo é tudo na poesia, pelo menos na poesia de Latipac.
Mesmo a estrutura estrófica  (dístico, terceto, quadra, quintilha, sextilha, sétima, oitava, nona, décima) merece um lugar nas considerações poéticas e em alguns momentos do poema foi levada em conta, mas sem qualquer precisão, porque somente se importante ao ritmo é que tiveram alguma preocupação. O ritmo tem por base a harmonia sonora, e mais a harmonia da idéia, a musicalidade que está presente no som, na falta de som específico ao ouvido, mas de som específico ao espírito. Sentir é necessário, explicar é supérfluo. Em Latipac, o ritmo  está na poesia como um todo. Infelizmente há necessidade de ler do primeiro ao último verso e de sentir, mesmo os espaços em branco ( o espaço em branco e a forma do verso, começando em espaços diversos, em cada linha), para se concluir que há um ritmo. Difícil? Não para quem possa estar aberto ao sentimento. Espero sempre falar aos corações. Aí está o ritmo. Carlos Roberto Husek

domingo, 14 de outubro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos

Em continuidade ao nosso livro destacamos:

Varsóvia/Moscou

(versos grifados de Mandelstam - Fogo Errante)

'"Nas alturas abruptas,
      Fogo errante!'"
      incessante,
e nas alturas a estrela,
     de cristal,
do cristal quebrado,
que do espelho se observa,
     pertido pelo lado,
e que reflete a imagem,
da vela sobre o prato."

( versos grifados são de Mayakóvski - Poemas)

'"eu faço versos alegres
          como marionetes
e afiados e precisos
como palitar dentes.'"
por sua força,
por sua audácia,
por sua mão de ferro,
fechado o punho,
           em desafio,
            morreu,
como morrem
os passarinhos"

Damasco


( versos grafados são de Rûmi - Maulâna Djalal ad-Din Rûmi - A Sombra da Amada)

"Do Nada que é matéria,
                         artéria,
                         estrada,
do tudo, deste mundo,
que é gestado,
no ventre da inércia,
no ventre dos buracos,,
no ventre do vazio,
onde tudo repousa,
o próprio repouso
..............................
'"Ah! Cessa esse murmúrio
                   de palavras:
escuta o silêncio
               a voz de Deus'"

Os poemas russos  (Óssip Mandelstam e Vladmir Mayakóvski) e o de Damasco (Rûmi) representam o ser humano em sua força intrínseca; os primeiros voltados para a sociedade e para a sua luta, os últimos para o mistério da vida. As cidades, não importa a situação geográfica, produzem no citadino a ilusão de poder e de fracasso e ele se volta para a mensagem, por seus atos, por sua fala, por sua escrita e também para o invisível, na busca de explicações, ou simplesmente de silêncio. As cidades buscam nos homens suas artérias e suas cosntruções; os homens buscam nas cidades a vida que acreditam ter, independentemente de suas lutas. Há, efetivamente, um silêncio, um diálogo surdo entre as cidades e o homem, entre este e o universo. Parece que as cidades gritam nos ruídos das matérias e o homem silencia nos seus ruídos internos. Carlos Roberto Husek  

sábado, 13 de outubro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos

Continuamos a destacar algumas partes de nossa poesia no capítulo "Das Urbes"

Pequim/Xangai

(destacando Ai Qing - em A neve cai sobre a Terra da China)

"Do mar profundo
à montanha mais alta,
'"A neve que cai sobre
a terra da China,
enregelada pelo frio.'"
Da aldeia querida,
no seio de uma colina,
tão iluminada,
quase purpurina,
de pinheiros coberta,
encobrindo as aldeãs,
que nos seus afãs,
lavam legumes e roupas,
      logo de manhã."

Ai Quing nasceu na China, em 1910. Obteve tradução de seus poemas em diversas linguas, inglesa, francesa, alemã, malaia, espanhol, portuguesa e etc. É considerado um representante da poesia moderna da China.  Ai Quing foi amigo de Pablo Neruda e de Jorge Amado. Não sei se encontrar-se-ia alguma influência em seus versos brancos e sem rimas, dessas amizades.
Há uma ingenuidade nos versos de poetas chineses em geral, em relação à vida. Tal ingenuidade vem traduzida, por vezes, em imagens de profunda beleza: "Ó Rio Dayen, neste dia de neve penso em ti!/ Penso no teu túmulo coberto de ervas murchas debaixo da nevada."

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Londres


(destacando John Milton/ Paraíso Perdido)

"Perdidos, Adão e Eva
      ouviram a serpente,
cobiçaram a maçã,
      a fruta comeram,
que caía saborosa ao lado,
e disso nasceu o fruto,
desarmonioso e bruto
      do pecado."


(destacando George Gordon Byron/Trevas)

'"Tombavam, desfaziam-se
- e estralando os troncos,
Findavam num estrondo
- e tudo era negror.'"

"Morreu cedo, e sempre tarde,
que todo poeta na pira arde,
de uma essencialidade,
de uma humanidade infeliz."

Com sempre, o que transcrevo em negrito são versos do próprio poeta, no caso Byron, que incorporei na minha poesia ao falar sobre Londres.


Tóquio

(destacando Basho)

"Basho triste canta,
nos seus haicais,
'" folhas tremulam
No campo queimado
À espera da lua'".
O som sobe o vulcão
de neve derretida,
e petrifica-se."
"

O transcrito em negrito são versos de Basho, em poema composto no templo de Kashima. A poesia japonesa tem a delicadeza do olhar, e, principalmente os haicais, revelam em poucas palavras e versos simples a profundidade da paisagem ou do sentimento. As folhas tremulam no campo queimado à espera da lua é de beleza impar. Só um poeta ( e um poeta japonês, versejando em haicais) poderia em poucos vocábulos situar o campo de visão - campo queimado - folhas que têm vida - folhas tremulam - esperando a Lua. Quem pode esperar a lua em um campo queimado? Nós, humanos, poderíamos fazê-lo, e talvez o façamos, no mais simplório dos mortais, que solitário e esquecido e lutando com e contra a vida, tira o seu sustento da terra, longe dos grandes centros e espera ao final do dia o céu estrelado e a Lua. Os citadinos não desconfiam que exista essa vida, esse olhar, essa possibilidade. A humanidade aí se encontra na figura solitária do ser humano e/ou das folhas trêmulas, ou, como o nosso Mário Quintano, que disse em alguma prosa poética: " Fumar é um jeito discreto de ir queimando as ilusões perdidas.", ou, ainda, "O verdadeiro poeta faz poesia com as coisas mais simples e corriqueeiras deste e dos outros mundos."  
Até mais. Carlos Roberto Husek