segunda-feira, 5 de novembro de 2012
Latipac - A cidade e seus espelhos / antes algumas palavras
Algumas palavras:
Uma missa católica fez-me recordar os simbolos gregos das máscaras (a alegria, a raiva, a tristeza) e/ou as máscaras impassíveis japonesas, por trás das quais saem vozes, timbres, que falam dessas e de outras emoções, porque a homilia referiu-se a uma figura paterna, morta, de um amigo, como se a morte fosse um presente final que Deus nos proporciona, a nós, que cá permanecemos, entre os vivos.
E, no caso, realmente parece ter sido. Convenci-me. Clóvis Garcia, professor emérito da Escola de Comunicação e Arte de São Paulo, faleceu de sete para oito dias atrás e tal acontecimento propiciou uma revelação divina - e acredito que o seja - pelo menos para aqueles que não haviam despertado para tal revelação: Clóvis Garcia foi um presente de Deus para os seus familiares, amigos, estudantes e todos que partilharam de sua vida. Belas palavras!
Quem passeou pelo teatro, nos bastidores e no palco, e exerceu a crítica e a história, a história crítica e a crítica histórica ( pude quase ler, e ainda o leio, e parece que o farei ainda por alguns dias - leitura dinâmica - o seu livro "Os caminhos do teatro paulista") tornou-se um presente porque iluminou o palco da vida e os personagens que nela se movimentaram, por suas palavras e obras.
A própria missa, por fim, - nos perdoem os religiosos, também o sou, de certa forma - é um teatro que abre as cortinas da divindade e encerra-as nas exéquias sobre a figura daquele que partiu.
Partir, partir, partir: de partidas vivemos. O trem para na estação - cada residência, cada família é uma plataforma - abre as portas e no vagão, adrede preparado, o vivo sobe alguns degraus, olha uma última vez (quem não viu na retina do último instante, um olhar significativo?) e não mais retorna. Assim é a vida...assim é a morte: uma peça, em que a última cena pode ficar para sempre na memória.
Belmonte
(destacando Sosígenes Costa, versos grafados de "Abriu-se um cravo no mar")
"A noite vem do mar cheirando
a cravo"
nesta bacia de jade
que vive como um monge,
um poeta grave,
a amarelar a natureza,
com sua elegante realeza,
composta de palavras,
com sinfonias e rituais,
sempre de casaca,
fauna e flora e minerais.
(versos grafados de "O triunfo do amarelo")
na luta das cores do poente,
do bronze e da ametista,
na luta do amarelo contra o verde,
"no esforço de vencê-lo
e confundí-lo.
E assim derrama, esdrúxulo,
na flora
sépia, topázio, abóbora e berilo."
Há elegância nos versos e nas palavras e nas rimas. Não foi um poeta popular; de baile e de periferia, de voz no meio do povo, de suor e de gritos. Seus versos desfilam como se estivem nos salões do império em dia de gala; passos curtos, casaca, cabelos penteados, bengala ao braço, punhos de seda, sapatos de bico e um olhar distante, que vê sem enxergar. Entretanto, não deixa de ser um grande poeta. A arte é impar e inclassificável, e se incorpora no mais inesperado dos seres e nas mais impensadas formas e palavras. Carlos Roberto Husek
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