quarta-feira, 13 de abril de 2016
Meu romance em versos Cap. IV
Assim, passavam os dias.
Gostava de andar
pelos arredores,
desde que voltara
há um mês
de seu voluntário exílio.
Exílio que só veio
a perceber como tal,
depois que seu marido
falecera.
Retrilhou caminhos antigos
e desandou por pensamentos
que escaparam
por campos infinitos,
como cavalos selvagens.
Sentia-se velha,
como não podia
deixar de ser,
mas ao mesmo tempo
em seu coração
ainda fagulhas
espocavam em pequenas
línguas de fogo
que cruzaram os dias
e as décadas,
e atravessaram
convenções sociais,
e relações familiares.
Algo a atraía
por aquelas andanças;
algumas casas
coloridas: portões azuis,
paredes amarelas,
telhados vermelhos,
que enfileiradas
olhavam o pôr-do-sol,
que todas as tardes
escondia-se por trás
de montanhas verdes.
É o que de forma objetiva,
via com os olhos do corpo,
embora nem sempre
assim enxergassem
os olhos da alma.
Talvez, fosse o mar,
sempre presente
quando a areia da praia
avançava sobre as águas?
Talvez, fosse o centro
da cidade com seus prédios
cinzas e seu asfalto preto?
Talvez fosse o ar
que envolvia objetos
e pessoas,
ou a familiaridade,
e a cumplicidade
da gente do local
que, afinal, era a sua gente?
Embora não reconhecesse
mais ninguém,
tanto tempo se passara!
Sentia-se recebida
e acarinhada
e o passado
se fazia presente,
como um quadro,
impressionista,
ainda que em sépia,
em claros e escuros,
sem contornos
perceptíveis,
borrões
que se alternavam
e por vezes,
transformavam-se
em cores vivas,
e nestes momentos,
observava-se leve
e até bonita!
O João da padaria,
o Perseu,
vizinho da frente,
e o Júlio, o Júlio
que aparecia
nos fins de tarde
e ficava postado
na calçada,
à frente de sua janela,
e ela indiferente,
braços cruzados,
a olhar rua!
Na verdade.
ali ficava, horário certo,
e em dias determinados,
pois, sabia-o, de passagem
naquela hora!
Júlio, sempre alegre
e atencioso
e ela, sempre faceira
e falante!
E como falava, falava,
reconhecia-o,
coisa que não fazia mais,
à medida que o tempo
ia passando e as palavras
rareavam.
Seu vocabulário
diminuíra,
a capacidade de falar
estava ligada
à capacidade
de se surpreender,
de ter planos,
e de sonhar.
A cada ano
falava menos,
a cada ano
ousava menos,
a cada ano
surpreendia-se menos,
a cada ano
aborrecia-se menos,
a cada ano
chorava menos,
a cada ano
ria menos,
a cada ano
envolvia-se menos.
Não possuía motivações,
e razões não encontrava
para pertencer a grupos,
para declarar
amizades eternas,
para adotar filosofias
e filiar-se a partidarismo
político-ideológicos
e a simpatias,
a previsões astrológicas
e às bisbilhotices
da vizinhança,
que funcionam
como jornais dos bairros.
Os anos, pensava,
tiram-nos os anseios,
os receios,
os enleios, os devaneios,
e nos posicionam
nas mesmices
como regras
a serem seguidas,
sem cor,
sem ideias, sem luz.
Porém, havia
no fundo da alma
uma fagulha
que crepitava
fragilmente,
mas crepitava;
por onde andaria o Júlio?
Na sua velhice,
com a sua sombrinha,
com o seu vestido cinza,
ainda gostaria de vê-lo,
ele, que a olhava
no quadrilátero da janela,
embevecido!
Parou diante
de um casarão,
e uma outa senhora
comentou: Magnífico, não!
- Mora alguém aí?
- Um misantropo,
é o que sei.
Não fala com ninguém,
não sai à rua,
somente se aproxima
da janela
e olha fixo
para a paisagem,
durante longos minutos
ao final do dia,
depois se recolhe.
- Conhece-o?
- Ninguém o conhece.
Só sei que se chama Júlio.
O coração disparou...
Carlos Roberto Husek
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