segunda-feira, 4 de abril de 2016
Meu Romance em Versos Cap. I
I
Colunas levantam-se
sustentando arcos,
mármores lisos
da cor do malte,
nas pontas, frisos,
arabescos, florais,
e o teto côncavo
com pinturas em relevo,
superpostas de cores
quentes: vinho, roxo
intenso, vermelho sangue,
tapetes escuros,
móveis pretos,
fechos prata,
cortinas espessas
de veludo bordô.
No exterior, pedras,
umas sobre as outras,
disformes e irregulares
de cimento aparente,
tudo cinza
constituindo paredes.
No entorno, uma floresta
onde o sol não penetra
e um rio de águas pardas
serpenteando caules grossos,
e cercado de folhas perdidas,
que alcatifam as margens
de verde garrafa.
Não é um castelo,
mas uma velha construção,
para os que se perderam
no tempo.
Ao fundo um grupo
de montanhas se perpetua
no horizonte, como um muro
de terra e mato.
O céu cai abruptamente
fazendo uma curva
acentuada.
É sempre noite
e sem estrelas.
Dentro, um ancião curvo
sentando em uma poltrona
verde, marrom pálido,
amarelo queimado
sem definição de luz,
tem a cabeça pendente
e os lábios esgarçados
a gotejar saliva,
murchos e disformes,
os dentes mal assentados,
poucos, outros melhores,
mas frouxos, a quase escapar
das gengivas que sangram
à mastigação mínima.
Dorme, não sonha,
a respiração entrecortada,
funga sobre o pano
que envolve a garganta.
Um relógio da sala,
velho cuco,
dá badaladas de hora em hora,
e em tudo arfa o coração
das coisas inanimadas.
Entre suas pernas,
uma antiga bengala
de madeira escura
equilibra-se encostada
no chinelo de dedos e meia
branca, amparada
superficialmente
pela palma enrugada,
folha de pele quebradiça,
repleta de manchas
de onde saem dedos grossos
e ossudos e pontiagudas
unhas amarelas.
Há uma mecha fugidia
de cabelo caída pela testa
vinda da base da testa
e acima no crânio desnudo,
melanoses senis,
algumas a purgar um líquido
oleoso, que escorre
pelos fios de cabelos
laterais das têmporas.
O sol que penetra no ambiente
é fraco e só faz levantar
partículas de poeira
que o meio produz.
Há os que cruzam o passeio
público olhando a mansarda,
invejosos de seus habitantes,
sem desconfiarem
que lá um velho apodrece
aos poucos, cercado
de coisas mortas.
Quando nasceu a criança,
já continha o velho,
agora - triste sina - é o velho
que contém o menino na curva
das pálpebras.
Lá pelas tantas, fim de tarde,
levantou-se,
com as dificuldades
que esta fase da vida impunha,
algo girando em torno
de cinco longos minutos,
e caminhou para a janela
que parecia a meia légua
de distância.
Chegou esbaforido
apesar de seu andar diminuto
e trôpego, afastou o pano
amarelo-esverdeado da cortina
e estendeu o olhar,
na medida do possível,
ao horizonte negro,
que se vislumbrava pelos vidros.
Ficou assim alguns minutos,
equilibrando-se sobre a bengala
e uma das pernas encostadas
num cômodo de madeira pesada.
Sabia, que se ficasse assim,
parado,
conseguiria com o passar
dos minutos,
vislumbrar alguma coisa.
Esperava este momento,
ansiosamente,
porque da imaginação
atrelada ao visível,
é de que vive a velhice.
A distância curta
do que se mostrava perceptível,
era suficiente para a alegria,
dos minutos.
Passava a ver com clareza,
pensava, os contornos
da natureza,
e uma árvore perto do jardim
tinha a exata forma de mulher,
de uma linda mulher,
com o desenho de curvas,
em ancas cobertas de folhas,
e possíveis declives
que escondiam segredos,
e de montes que revelavam
dois pomos sobre um regaço liso,
e de pernas, lateralmente vistas,
que desciam do último galho
às raízes, pés e dedos fixados
no chão.
Admirava-se ver tudo isso,
de forma tão límpida,
sabedor de sua imaginação,
fora pintor quando da juventude,
mas nunca houvera
feito tal ilação com um vegetal;
é que na sua idade,
disso tinha noção,
as mulheres escassearam
e delas apenas ficou o retrato
que podia distinguir
em noites sem luar,
só com o esforço da fantasia.
Era este o seu momento,
de profundo e delicado amor.
Aquela bela árvore,
nas manhãs de sol e luz,
olhava-o com cumplicidade.
Talvez soubesse que ele
a amara por longos minutos
na noite anterior.
Carlos Roberto Husek
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