sábado, 2 de setembro de 2017
Quando a tarde morria...
Quando a tarde morria
nascia um sol
dentro do peito
e um rio de águas mansas
na borda dos olhos
corria,
quando a tarde morria.
Por cima dos prédios
apontavam-se luminosas
estrias,
e uma noite escura
no horizonte se reverteria,
eu, menino, triste sentia,
que em mim também
qualquer coisa remexia,
o esquecimento
de uma semana,
o esquecimento
de um dia,
no lusco-fusco da tarde,
quando a tarde morria.
Um dia de névoa
encobria
as primeira horas
da noite,
as primeiras horas
do dia,
e entrava um vazio
no meu coração
e se instalava,
sem prontidão,
numa vaga
e inesperada alusão,
de que a morte viria,
passividade,
sofreguidão,
tenuidade,
ah, quanta esperança,
em solenidade,
quando a tarde morria.
Não havia pássaros,
e se os havia,
cantariam tímidas notas,
assentados
nos fios da rua,
encorujados,
em seus pecados,
as penas amarfanhadas,
nuas,
de sombra
transpassados
porque em sombras
se vivia,
quando tocava o sino
do funeral da tarde,
quando a tarde morria.
Um vento
se introduzia,
de esgueira,
um leve sopro,
e depois ventania,
espalhando as folhas
desapegadas dos galhos,
sem companhia,
quando se findava triste,
quando a tarde morria.
Sentado entre mesas,
livros e máquinas
e uma luz sem estrelas
de repente se acendia,
e um vago torpor
no trabalho se movia,
rezando encomendas
para algum carinho
que em um sepulcro
transparente
de ar adstringente,
pairando jazia,
na pachorra do tempo
quando a tarde morria.
Senti que a morte
me entardecia
e entardeci sem surpresa
na encosta
dos meus ais,
que choravam lágrimas
ancestrais,
em plena melancolia,
e tudo, então passava,
e tudo, então se ia
quando a tarde
assassinada
agonizava,
quando a tarde morria.
Olhei para os campos,
e para árvores,
das quais solenemente
me ajoelhava e despedia,
senti que era tarde
o que renascia,
em mim uma bruma
sem forma de vida,
porque tal forma
desinformava-se
e ensandecia,
numa inexplicável,
e momentânea
misantropia,
ao final daquele
período,
quando a tarde morria.
Não haviam cavalos,
e se os havia,
relinchariam desejos
que só os equinos
os teria,
na mansidão
das campinas,
no eco das heresias,
ai, como falariam
os cavalos
se se soubessem
abandonados
em áreas de pastaria,
por certo se apoiariam
em suas patas e cascos
em prece, em romaria,
nessa tarde em sangue,
taciturna e langue,
quando a tarde morria!
Por que em face
do horizonte mais verde
do mar mais ameno,
do céu mais azul
com suas palavras e gestos
alimentou-me a esperança,
se já no livro das horas
de todas tristes horas sabia,
que no fim de toda tarde,
quando o sol mais não arde,
as palavras não teriam
qualquer serventia?
Esgotei-me em desejo
que só nas sombras
que vejo
alimentaria,
por que cri nessas ilusões
em plena luz do dia,
quando ao final da tarde,
em agonia,
escrevia sem escrever,
o que ler não lia,
sem o perceber
o que deveras acontecia,
quando vim a entender
que a tarde naquela tarde
morria.
Carlos Roberto Husek
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Lindíssimo poema!
ResponderExcluirTriste
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