sábado, 25 de março de 2017

Gostaria de ser...




Gostaria de nada ser
e navegar pura e simplesmente,
tendo sob os pés a madeira rangente
dos barcos judiados pelo sal do mar,
sobre a cabeça um céu profundo
e no horizonte a visão de um azul sem volta,
e assim estar com braços abertos, peito ao sol,
rosto marcado pelas vergastadas dos raios
que queimam de manhã à tarde,
só conversando com as ondas e os peixes
e escrevendo no líquido que bate nos costados,
com a ponta dos remos de madeira envelhecida,
palavras que se perdem de tão amorosas e verdadeiras
que não podem ser ouvidas pelos que vivem
longe nas intempéries dos prédios e das cidades;
não ter qualquer dom ou habilidade,
salvo a de respirar e dizer tudo o que sinto
no palco dessa solidão marinha e absorver o noturno
oceânico de estrelas cheio, até adormecer
embalado por ilusões e sonhos,
marejado pelas bolhas que salpicam das águas
para misturar no abismo do sono, as lágrimas
decorrentes dos sonhos impossíveis.

A vida está dentro de mim, onde tudo navega.

Por isso, posso dizer palavras tão doces
e inúteis, que jogadas ao vento, como sói acontecer,
criam asas e voam acima de tudo e se perdem.

Por isso sou frágil como as folhas soltas
e leve como a brisa,  porque não me sinto existir.


Carlos Roberto Husek


6 comentários:

  1. Poeta, veja se é por aí...
    Faço filosofia. Ser ou estar. Não, não é ser ou não ser, essa já existe, não confundir com a minha que acabei de inventar agora. Originalíssima. Se eu sou, não estou, porque para que eu seja é preciso que eu não esteja. Mas não esteja onde? Muito boa pergunta; não esteja onde. Fora de mim, é lógico. Para que eu seja assim inteira (essencial e essência), é preciso que não esteja em outro lugar senão em mim.
    Lygia Fagundes Telles

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  2. Não se se dói mais saber que ele deve morrer, mas não ter coragem de matá-lo ou ficar longe de quem mais se deseja ficar perto.
    Às vezes é preciso chorar a dor que avassala o coração, para no dia seguinte sorrir como se tudo estivesse perfeito.

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