sábado, 11 de março de 2017
O avesso do trabalho
Os olhos fixos
em alguma tela
a soletrar palavras,
e a visualizar frases,
- tecnicamente
situados,
profissionalmente
atarefados -
sem perceber
que por trás delas,
fantasmas
de outros olhos
escondem-se
nas letras,
no mar de águas
em degredo,
rebatidas
nas paredes
de um interno
rochedo.
(e tais olhos
indiscretos
querem
participar
da leitura
e do pensamento
que só na tela
parecem estar)
E olham,
e vigiam,
e se enternecem,
e lacrimejam,
se repelem
por conveniência,
talvez
se encontram
por desejo.
(e tais olhos
indiscretos
querem
participar
da leitura
e do pensamento
que só na tela
parecem estar)
O mundo material
é aparente,
a todos afigura-se
o único presente,
de conformidade,
fotografado,
por retinas
acostumadas,
cor, espessura,
altura,
e medidas
programadas,
na superficialidade
da vida,
abulicamente
decoradas.
(e tais olhos
indiscretos
querem
participar
da leitura
e do pensamento
que só na tela
parecem estar)
Neles, porém,
inserem-se
desejos,
infiltram-se
ideias,
afloram
lampejos,
no papel
em branco
ou no escrito,
não percebidos,
tons de outro canto,
cores de outra esfera,
palavras de outros
ditos.
(e tais olhos
indiscretos
querem
participar
da leitura
e do pensamento
que só na tela
parecem estar)
Imaterializados,
perturbando
a concentração
de quem trabalha,
pois na caneta
sem uso,
ou no lápis
sem grafite,
e na tela anoitecida,
respira
um ser escondido,
que sofre,
em grito surdo,
sem perceber
sucumbido,
que se desarvora
sangrando
entre papéis
esquecido.
(e tais olhos
indiscretos
querem
participar
da leitura
e do pensamento
que só na tela
parecem estar)
Mundo este
de energias
camufladas
que têm vidas
próprias
e criam
conceitos,
cruzamentos
não decifrados,
dores
não apaziguadas
do lado esquerdo
do peito.
(e tais olhos
indiscretos
querem
participar
da leitura
e do pensamento
que só na tela
parecem estar)
O que é isso?
Mera
presença
de marcantes
fantasmas,
que se mostram
em ausências,
e assim
se revelam,
impondo
presilhas
e guizos
acompanhantes,
ora viventes
de paraísos
libertários
e sufocantes,
de profundidades
mal percebidas,
em comunicados
delirantes,
e de vidas
que só resultam
admitidas
à aqueles
que amam
as amarras
que se constroem
perseverantes.
(e tais olhos
indiscretos,
cansados
de esperar,
depositam-se
em seus assentos,
lânguidos
e mortiços,
dormentes
de tais feitiços,
no fundo
do globo
ocular).
Carlos Roberto Husek
Assinar:
Postar comentários (Atom)
ResponderExcluirO que mata um jardim não é o abandono. O que mata um jardim é esse olhar de quem por ele passa indiferente… E assim é com a vida, você mata os sonhos que finge não ver.
Mario Quintana