sexta-feira, 5 de abril de 2013

Um pouco de Neruda/Um pouco de mim ou de nós


O Oceano

"Corpo mais puro que a onda,
sal que lava a margem,
e a ave lúcida
voando sem raízes."

Para todos

"De repente não posso dizer-te
o que te deveria dizer,
homem, perdoa-me, saberás
ainda que não escutes as minhas palavras
que não me pus a chorar nem a dormir
e que estou contigo sem te ver
desde há muito e até o fim."

Plenos poderes

"Assim do nada sou composto
e como o mar assalta o arrecife
com balões salgados de brancura
e desenha a pedra com as ondas,
assim o que na morte me rodeia
abre em mim a janela da vida
e em plena exaltação estou dormindo.
Em plena luz caminho pela sombra."

Tive alguma influência de Pablo Neruda nos meus dois últimos livros - não de sua grandeza, é claro; não de sua arte, é claro, não de sua sensibilidade, é claro -, mas do modo com que via as grandes e as pequenas coisas da vida: o céu, o mar, a solidão, a tristeza, as árvores, a terra. Tudo que nos envolve: paisagens internas e externas; a imensidão do mundo interior e a imensidão do mundo que vemos, com os nossos olhos particulares, pelas nossas janelas, pelos nossos mirantes, postados no alto dos nossos pés a olhar tudo e às vezes sem poder ter alguma comunicação razoável daquilo que vemos e que nos atinge. Isto, evidentemente sou eu; mas, aí está fronteiriço Neruda que se punha escrever assim, após enfrentar o caos das distâncias. Estamos sempre distantes de tudo o que nos cerca, porque estamos dentro de nós; e nossa origem é desconhecida. O corpo nos comunica e ao mesmo tempo nos separa. Quando fechamos os olhos (para descansar, para dormir ou para morrer), nossa essência está lá e o mundo continua fora. Será que nos comunicaremos de alguma forma, na forma etérea que nos tornaremos (afinal, nada se perde, tudo se transforma); um mundo à parte, ignoto, imprevisível e indecifrável? Eu e você, nós e os outros, somos tão desconhecidos e tão únicos, que por mais que vivamos em sociedade, nos guiam as inconsistências específicas de quem - como nós - mal sabem da própria verdade. Se há uma angústia no mundo? Há, a da nossa ignorância. O espelho nos engana e as palavras - ai, as palavras... - são meros instrumentos (imperfeitos, antigos; que necessitam de um aparelho fonador) da comunicação possível. O que fazer? Vamos continuar em nossos mirantes, como promontórios avançados no mar da vida, a olhar tudo sem o movimento adequado e a deixar que nossos pés sejam batidos e salgados constantemente pelas ondas.  Carlos Roberto Husek.











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