quinta-feira, 4 de abril de 2013

Da repetição das palavras ou idéias na poesia/Ritmo


Na genial poesia O Corvo, de Edgard Allan Poe, o efeito das idéias e versos repetidos dá o ritmo da composição, beleza e mistério:

Com base na versão de Machado de Assis, pode-se ver esta estrutura no meio e afinal de cada verso. A história da poesia baseia-se numa pessoa solitária em sua casa, lendo vários alfarrabios e ouve uma batida na porta; abrindo-a várias vezes nada encontra (aqui há a repetição da expressão ou da idéia: de que não há niguém "nada mais"); numa dessas aberturas  entra um corvo, que ao se perguntado o que fazia e porque entrara, repete sempre a frase "Nunca mais", resposta que dá às preocupações do dono da casa. A figura do corvo, preto, grande e que repete a mesma resposta, de forma lógica às perguntas feitas dá um ar de mistério e confirma que a pessoa amada "Leonora" estava morta:

(dois últimos versos da 1a. estrofe)

"É alguém que bate à porta de mansinho;
 há de ser isso e nada mais".

(dois últimos versos da 2a. estrofe)

"Pela que ora nos céus anjos chamam de Leonora,
E ninguém chamará mais."

(dois últimos versos da 3a. estrofe)

"É visita que pede à minha porta entrada:
Há de ser isso e nada mais."

(dois últimos versos da 4a estrofe)

"Disse; a porta escancaro, acho a noite somente,
Somente a noite, e nada mais."

(dois últimos versos da 5a. estrofe)

"E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaço;
Foi isso apenas, nada mais."

(dois últimos versos da 6a. estrofe)

"Devolvamos a paz no coração medroso,
Obra do vento e nada mais."

(dois últimos versos da 7a. estrofe)

Trepa, no alto da porta, em um busto de Palas;
Trepado fica, e nada mais."

(dois últimos versos da 8a. estrofe)

"Como te chamas tu na grande noite umbrosa?
E o corvo disse: 'Nunca mais'".

(dois últimos versos da 9a. estrofe)

"Ouvir uma pergunta e dizer em resposta
Que este é seu nome: "Nunca mais".

(dois últimos versos da 10a. estrofe)

"Perderei também este regressando a aurora.
E o corvo disse: "Nunca mais'".

(dois últimos versos da 11a. estrofe)

"Só lhe ficou, na amarga e última cantiga,
Este estribilho: 'Nunca Mais'".

(dois últimos versos da 12a. estrofe)

"Entender o que quis dizer a ave do medo
Grasnando a frase: 'Nunca mais'".

(dois últimos versos da 13a. estrofe)

"De outra cabeça outrora ali se desparziam
E agora não se esparzem mais."

(dois últimos versos da 14a. estrofe)

"Eia, esquece, eia, olvida essa extinta Lenora
E o corvo disse: 'Nunca mais'".

(dois últimos versos da 15a. estrofe)

"Dize-me: existe acaso um bálsamo no mundo?
E o corvo disse: 'Nunca mais'".

(dois últimos versos da 16a estrofe)

"Essa que ora os céus anjos chamam Lenora!
E o corvo disse: 'Nunca mais'".

(dois últimos versos da 17a. estrofe)

"Que flutuam no chão, a minha alma que chora
Não sei mais, nunca, nunca mais".

No livro "A Filosofia da composição" de Poe, o autor afasta a inspiração e revela a transpiração da composição na busca do rítmo, da beleza, do estribilho, da mensagem, da idéia enfim. Segundo o próprio Poe, a referida poesia é mais um produto do cérebro que do coração. Raciocinou que o estribilho "nevermore" que dá rítmo ao poema não poderia ser falado por uma personagem ser humano, porque não teria lógica tal repetição, mas talvez na fala de um animal (de início de um papagaio, depois, melhor, para os efeitos da história, de um corvo), enquadrando-se no mistério e na beleza da situação.
Apesar do trabalho realizado no poema - (e todo poema, todo escrito, dá, efetivamente, algum trabalho) - ainda entendemos que a inspiração está na idéia inicial. O poeta se inspira com uma imagem, um fato,  uma fala, um pensamento, algo qualquer que é o mote para um grande ou um pequeno poema, uma saga poética, ou um simples haicai. O trabalho de raciocínio vem depois; escolha das palavras, das rimas, do rítimo, da vírgula, do ponto, ou da falta de palavras substituídas por espaços, por pontos, por sinais vários, ritmando, musicando, buscando dizer sem dizer ou dizer mais do que foi dito. Poesia é para poucos. Faz-se de instrumentos variáveis, nem sempre lógicos. A beleza que aparece em seu conjunto ou em decorrência de alguma estrofe, ou verso ou de uma idéia ou palavras repetidas, está num toque especial que o poeta sabe dar, mas não não entram nas considerações dos contistas,  romancista, novelistas e outros. Poesia é música. Carlos Roberto Husek

Nenhum comentário:

Postar um comentário