quarta-feira, 8 de maio de 2013

Maria preta


Abaixo uma poesia que fiz - há algumas horas - quando soube da internação de uma serviçal (talvez, 90 anos de idade, ou mais...não se sabe... empregada, escrava..?) que trabalhava desde os 8 anos em uma casa de família, deixada que foi pelo pai, lá pelos idos de 1930.


Balada da Maria Negrinha



Maria preta,
       Maria negrinha,
que viveu como escrava,
  cada vez mais negra
             e sozinha.

Andar miúdo,
pequeno, arrastado,
   chinelos de tira,
o pé na meia enfiado,
Maria preta,
       Maria negrinha,
Maria do sobrado.

À noite sentava-se,
cotovelos apoiados,
segurando as têmporas,
     mãos do lados,
entre os dedos
cabelos carapinha,
Maria preta,
       Maria negrinha.

Mastigava detritos
nas gengivas nuas,
arrastava seus passos
entre os muros da casa,
   nunca nas ruas.

E servia os patrões,
e estes dela se serviam,
   quieta postava-se
nesta única via,
entre o quintal
          e o quarto,
o banheiro
          e a cozinha.

Roupas pendurava,
   o chão varria,
lavava louça,
a sujeira recolhia,
Maria preta,
       Maria negrinha.

Em torno dos olhos,
a pele de azeviche,
enrugada pelo tempo,
dobrada em folhas
a epiderme de piche.

Não era mulher,
       não foi menina,
o sexo não lhe contava
em nenhum braço
           se aninhava,
não era flor,
   e sim erva daninha,
Maria preta,
        Maria negrinha.

Só era uma sombra

entre o quintal
             e o quarto,
o banheiro
           e a cozinha.

Pobre Maria,
          Maria preta,
Maria negrinha...

Carlos Roberto Husek

Um comentário:

  1. É de se pensar a quantas pessoas são negadas o direito de existir por inteiro...

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