sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013


Continuando a falar de Machado de Assis e das mulheres, afinal a história de Bentinho (postagem anterior, Dom Casmurro), gira em torno de Capitu, podemos verificar alguns perfis femininos das personagens de Machado e fazer alguma ilação.

Capitu

"Não podia tirar os olhos daquela criatura de quatorze anos, alta, forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma à outra, à moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo. As mãos, a despeito de alguns ofícios rudes, eram curadas com amor; não cheiravam as sabões finos nem águas de toucador, mas com água de poço e sabão comum trazia-as sem mácula. Calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que ela mesma dera alguns pontos."

Helena

"Era dócil, afável, inteligente. Não eram estes, contudo, nem ainda a beleza, os seus dotes por excelência eficazes. O que  a tornava superior e lhe dava probabilidade de triunfo, era a arte a acomodar-se às circunstâncias do momento e a toda a casta de espíritos, arte preciosa, que faz hábeis os homens e estimáveis as mulheres. Helena praticava de livros ou de alfinetes, de bailes ou de arranjos de casa, com igual interesse e gosto, frívola com frívolos, grave com os que o eram, atenciosa e ouvida, sem entono nem vulgaridade. Havia nela a jovialidade da menina e a compostura da mulher feita, um acordo de virtudes domésticas e maneiras elegantes."

Menina e Moça

"Está naquela idade inquieta e duvidosa,
Que não é dia claro e é já o alvorecer;
Entreaberto botão, entrefechada rosa,
Um pouco de menina  e um pouco de mulher.

Ás vezes recatada, outras estouvadinha,
Casa no mesmo gesto a loucura e o pudor;
Tem coisas de criança e modos de mocinha,
Estuda o catecismo e lê versos de amor.

Outras vezes valsando, o seio lhe palpita,
De cansaço talvez, talvez de comoção.
Quando a boca vermelha os lábios abre e agita,
Não sei se pede um beijo ou faz uma oração.

............................................................................

Dos cuidados da vida o mais estranho e acerbo
Para ela é o estudo, excetuando talvez
A lição de sintaxe em que combina o verbo
To love, mas sorrindo ao professor de inglês.

Quantas vezes, porém, fitando o olhar no espaço,
Parece acompanhar uma eterna visão;
Quantas  cruzando ao seio o delicado braço
Comprime as pulsações do inquieto coração!

Ah! se nesse momento, alucinado, fores
Cair-lhe aos pés, confiar-lhe uma esperança vã,
Hás de vê-la zombar dos teus tristes amores,
Rir da tua ventura e contá-la à mamã.

É que esta criatura, adorável, divina,
Nem se pode explicar, nem se pode entender;
Procura-se a mulher e encontra-se a menina,
Quer se ver a menina e encontra-se a mulher!"

São visões românticas, que não se coadunam com os dias atuais e com as necessidades do mundo moderno, mas as descrições são apreciáveis em termos de Literatura. É possível encontrar uma menina (Capitu, Helena, ou qualquer outra), na profissional empertigada, na administradora brava, na rigidez da juíza, na senhora de 80 anos. É que a criança que temos não morre nunca, talvez fique escondida pelo resto da vida, esquecida no inconsciente. Nós adultos, ao nos olharmos no espelho, não conseguimos lembrar que esta criança ainda existe. Em cada homem, também há um menino!  O mundo seria muito melhor se esta criança interior não fosse condenada a viver até os fins do dia num cárcere escuro. Os romancista e os poetas, como Machado de Assis, sabem disso. Carlos Roberto Husek.

Um comentário:

  1. Nessa toada, William Wordsworth, autor estadonudense no século XIX:
    My heart leaps up when I behold
    A rainbow in the sky:
    So was it when my life began;
    So is it now I am a man;
    So be it when I shall grow old,
    Or let me die!
    The Child is father of the Man;
    I could wish my days to be
    Bound each to each by natural piety.

    ResponderExcluir