quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A velhice e a mocidade/o texto poético



Embora a poesia tenha sua forma própria e seja gênero bem definido, ela ultrapassa o conceito formal para se revelar em espírito nos mais diversos textos, ainda que não formalmente poéticos. isto se dá pela correção da linguagem aliada a um modo de posicionar as palavras que terminam por emprestar um sentido inusitado, diverso, único, original a uma frase, a um parágrafo e, por vezes, a alguns vocábulos. Aí está a suprema arte: fazer poesia, ainda que em escritos continuados, sem perder de vista as regras gramaticais e sem perder o próprio gênero. Muitos, nacionais e estrangeiros, alcançaram esta habilidade. Entre nós podemos citar o mestre de todos, Machado de Assis. Por exemplo, em "Dom Casmurro", em seu inicio, quando Bentinho descreve a casa que fez construir no Engenho Novo, similar a da infância na Rua Mata-cavalos; reproduziu esta última em todos os seus detalhes e ao explicar porque assim o fez, Machado de Assis, pela voz do personagem faz uma conexão e uma comparação entre a velhice e a juventude:

"O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. O que aqui está é, mal comparando, semelhante à pintura que se põe na barba e nos cabelos, e que apenas conserva o hábito externo, como se diz nas autópsias; o interno não aguenta tinta. Uma certidão que me desse vinte anos de idade poderia enganar os estranhos, como todos os documentos falsos, mas não a mim. Os amigos que me restam são de data recente; todos os antigos foram estudar a geologia dos campos-santos. Quanto às amigas, algumas datam de quinze anos, outras menos, e quase todas crêem na mocidade. Duas ou três fariam crer nela aos outros, mas a lingua que falam obriga muita vez a consultar os dicionários, e tal frequência é cansativa.
Entretanto, vida diferente não quer dizer vida pior; é outra cousa. A certos respeitos, aquela vida antiga aparece-me despida de muitos encantos que lhe achei; mas é também exato que perdeu muito espinho que a fez molesta, e, de memória, conservo alguma recordação, doce e feiticeira. Em verdade, pouco apareço e menos falo. Distrações raras. O mais do tempo é gasto em hortar, jardinar e ler; como bem e não durmo mal."

Esta é, parece-me, uma página genial, se não mais, pela verdade da vida, pela comparação entre a velhice (tempos que passam) e a mocidade (tempos que passaram), pela poesia. Este texto nos toca a todos...bem, toca-o a mim, que estou na entresafra. Ainda não ficaria bem em "hortar, jardinar e ler", apenas fazer isso. Seria a morte! E também não tenho número de amigos que tenha ido "estudar a geologia dos campos-santos", um, bem me lembro (não consigo esquecer), entendeu por bem ir, mas tomou gosto por este estudo, ainda moço. Todavia, o que é a velhice e a mocidade, nos dias atuais? A entresafra, como disse, não me permite afastar os "encantos" da vida antiga, ainda os acho encantadores; e a vida que se aproxima (a largos passos para o meu gosto) parece vir com a receita de "como bem e não durmo mal". É pouco! O fato é que conservamos a juventude quando ainda temos a capacidade de apreciar a poesia, não só dos textos e dos poemas, mas da própria vida. E isto é tudo! Carlos Roberto Husek.

3 comentários:

  1. Professor, observei a inversão que deságua em Solrac! Algum significado específico ou uma apresentação de identidade poética? Forte abraço e parabéns mais uma vez!

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  2. Querido mestre!
    Serás eternamente jovem!!!! Sua alma ē nova, não envelhece nem envelhecerá nunca!!!!!

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