quarta-feira, 30 de janeiro de 2013


Para os anônimos e os revelados e para os leitores mudos (ainda bem que todos existem...), aqui vai outro soneto, este de Garcia Lorca - poema "A Mercedes em seu Vôo"

"Uma viola de luz, hirta e gelada
já eras pelas rochas lá da altura.
Uma voz sem garganta, voz escura
que soa em tudo, sem soar em nada.

Teu pensamento é neve resvalada
na infindável glória da brancura.
Teu perfil é perene queimadura,
teu coração é pomba desatada.

Canta já pelo ar, livre e serena,
a matinal flagrante melodia,
monte de luz e chaga de açucena.

Que nós outros aqui de noite e dia
teceremos no ângulo da pena
uma grinalda de melancolia."

É interessante notar que a poesia embora seja criada para uma determinada situação, vivenciada pelo poeta, serve, com o passar do tempo, para outras situações, ainda que diversas daquela que a gerou. Cada leitor deve saber em que medida um verso, uma estrofe, um poema o toca e para que serve a mensagem nele veiculada (o leitor é um poeta mudo). Afinal, quando pegamos da pena, diante da provocação da vida, talvez só tenhamos força mesmo, para tecer uma grinalda de melancolia. Todo poema, por mais alegre que se mostre na conformação de suas palavras, é sempre triste, porque lida com as contingências humanas, e o ser humano é temporal, física e espiritualmente, destinado que está a morrer - com o correr dos anos - em suas ações, em suas palavras, em seu desenho físico. A vida é um nada. Muitos morreram na boate do beijo (beijo da morte), fica a fumaça.

Muitos morreram na boate do beijo
beijo da morte, beijo do nada,
no infindável desejo,
de uma alegria desesperada
da juventude, na dança iniciada,
de um grande ataúde,
na música terminada.
Muitos morreram por tudo,
e ficaram com nada,
só deixaram caixões mudos
e mães petrificadas,
na busca de outros mundos,
em que o corpo não vale nada.

De que emoções tamanhas,
é feita nossa pena sem tinta?
Existem sonoridades estranhas,
e muitas cinzas, ainda.
..................................................
No sufoco das horas, uma via,
nos explica e afaga,
quando tecemos com esta adaga
uma grinalda de melancolia. 

Carlos Roberto Husek

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