terça-feira, 16 de outubro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Praga

"Kafka sob uma capa negra,
paletó abotoado,
colarinhos brancos
                  e arredondados,
a gravata também sóbria,
leva em seus bolsos
breves frases a seu gosto,
de seus dias de tristeza,
 carregando no seu bojo,
fantasmas de personagens
      que se transformam
em insetos, em miragens."


Pouco espaço dei a Praga, em sua poesia. Faço-o agora. Deveria ser diferente, uma vez que minha família, por parte de pai, veio daquela região, da velha Tchecoslováquia, e também da Iugoslávia. Não sei porque não saíram mais versos, quando sinto no sangue alguma química de gerações antigas? Talvez, porque, por parte de mãe fale mais alto o sangue italiano. Este casamento, de três países, ou de muitos ( a região dividiu-se e subdividiu-se, entre a Tchecoslováquia e a Iugoslávia, no mínimo - se bem lembro - em sete novos países, que contemplam identidades antigas e plenamente separáveis) ou de um único país (não sei se este seria o termo certo), do antigo chamado Império Áustro-hungaro, que englobava toda aquela região. Conclusão: não sei, efetivamente, de onde vêm meus antepassados. Existiram, sem dúvida, mas sem cor definida, daí me sentir um cidadão do mundo. Os eslavos orientais (Grandes Russos, Ucranianos, Bielorussos), os ocidentais (Polacos, Tchecos e Lusácios), os meridionais (Eslovenos, Croatas, Sérbios, Bósnios e Montenegrinos, Macedônios e Búlgaros); uma única família eslava, todavia, muito diversa..
Hans Kafka, judeu eslavo, nascido em julho de 1883, em Praga, morto em junho de 1924, viveu, como é bem do nosso gosto, intelectualmente ativo e nas sombras. A casa de Kafka (estive lá), caminho da igreja, pequena (agora azul), com uma porta e janela que parecem de brinquedos, revelam um homem de baixa estatura. Lá dentro, cantos escuros (assim me pareceu), onde, provavelmente Kafka ficava pensando na vida, entre as sombras, escrevendo e saindo para o seu trabalho, confidenciando com um grande amigo, Max Brod, que o trai ao fazer vir ao mundo os escritos que lhe foram confiados, desautorizado de qualquer publicidade. Santa traição! Grande amigo! Tirou Kafka do anonimato e sobre ele direcionou um foco de luz. Veio ao mundo o inseto: " Certa manhã, depois de despertar de sonhos conturbados, Gregor Samsa encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso." Quanto de nós não se levanta metamorfoseado em um ser estranho? Só com o passar do dia é que nos encontramos. Eu, mesmo, confesso, até o final do dia, conservo algumas patas estranhas, algumas antenas insuspeitas, um corpo cascudo, alguns órgãos moles, e olhos que enxergam a paisagem humana em várias dimensões. Fico assim, inseto, até ser chamado à realidade. Realidade? Carlos Roberto Husek

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