domingo, 23 de junho de 2013

Elos de uma espiral



Quando a chuva risca
o céu cinza e enublado
    recordo o passado.

Recordo o passado,
no passadiço do tempo,
no assovio do vento.

No assovio do vento
sopra a voz da natureza
com ecos de tristeza.

Com ecos de tristeza,
solto o canto morro acima,
   em palavra peregrina.

Em palavra peregrina,
como água morro abaixo
pendem sílabas e interjeições.

Pendem sílabas e interjeições,
que como rios após correm
sobre folhas mortas.

Sobre folhas mortas,
detritos, bolhas, cordas,
arrastados pelas bordas.

Arrastados pelas bordas,
palavras substantivas,
materializadas, ativas.

Materializadas, ativas,
   adjetivas palavras,
alegres, soturnas, bravas.

Alegres, soturnas, bravas,
   palavras em ação,
que provocam comoção.

Que provocam comoção,
no céu cinza e enublado
em chuva de riscado.

Em chuva de riscado,
olhos cegos enrugados,
  dobras do passado.

Dobras do passado,
cada ruga um sonho desfeito,
  um buraco no peito.

Um buraco no peito
e o ar que evoca canela,
  sonhos na cancela.

Sonhos na cancela,
de um patíbulo escuro,
  da janela ao muro.

Da janela ao muro,
de musgo úmida camada,
   natureza despreparada.

Natureza despreparada,
horizonte alaranjado
e o sol em declínio.

E o sol em declínio,
aos poucos se escondendo,
repartindo o dia.

Repartindo o dia,
morta ou desaparecida,
fechou-me a porta da vida.

Fechou-me a porta da vida,
      levantou muros,
em meus passos obscuros.

Em meus passos obscuros,
que claudicam entristecidos,
inchados, vermelhos, feridos.

Inchados, vermelhos, feridos,
o sangue a marcar compasso,
   jorrando em cada passo.

Jorrando em cada passo,
a pele já macilenta,
   marmóreo o rosto.

Marmóreo o rosto,
tudo endurece e esfria,
    solidão e agonia.

Solidão e agonia
que na treva renasce,
sem limpidez, sem realce.

Sem limpidez, sem realce,
uma sombra no mar sem vida,
   navegando perdida.

Navegando perdida
para o oceano aberto,
    em rumo incerto.

Em rumo incerto,
carregada de memórias,
somente histórias.

Somente histórias,
em rotas impensadas,
por mares fluídos.

Por mares fluídos,
translúcidos, azulados,
como nuvem flutuante.

Como nuvem flutuante
vai-se ao encontro do nada,
nem dia nem madrugada.

Nem dia nem madrugada,
um céu cinza e enublado,
em que recordo o passado.

Carlos Roberto Husek

3 comentários:

  1. O passado não reconhece o seu lugar: esta sempre presente.
    Mario Quintana
    Os fenômenos da natureza são fortes e inspiradores.... Aguçam sentimentos, emoções, sensações...Até são capazes de mudar nosso humor!! Que bom sentir isso, é sinal de vida!!!!

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  2. E recordando o passado
    Não percebo que o presente
    Já se tornou o futuro

    Bela poesia Professor!
    Obrigada por compartilhar.

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