quinta-feira, 6 de junho de 2013

Arlequim, Pierrot, Colombina e as nossas necessidades


Menotti Del Picchia foi um gigante na poesia. Inspiradíssimo com sua poesias "Máscaras", "O Amor de Dulcinéia" e "Juca Mulato". Cada frase, cada verso vem repleto de musicalidade e nele é possível parar, fechar os olhos e sentir. Observe-se, por exemplo, o diálogo na poesia "Máscaras" (poesia-teatral/romântica), em que os personagens Arlequim, Pierrot e Colombina, revelam a velha temática do triângulo amoroso; ambos, Arlequim e Pierrot amam uma só mulher Colombina, que, embora seja a mesma mulher, física e espiritualmente, toma forma e descrição diversa para cada um dos amantes (aparece sensual a Arlequim e romântica a Pierrot), em compensação, ela também vê cada um dos admiradores com desejo específico e próprio e conclui necessitar de ambos. Alguns trechos são significativos:

"Máscaras"

Arlequim (falando a Pierrot sobre a Colombina que conheceu)

Eu fiquei, sob a noite estrelada,
decidindo a ousar tudo e não ousando nada...
Vinha dela, pelo ar, espiritualizado
Numa onda de volúpia, um cheiro de pecado...
Tinha a fascinação satânica, envolvente,
que tem por um batráquio o olhar de uma serpente,
e fiquei, mudo e só, deslumbrado e tristonho,
sentindo que era real o que eu julgava um sonho!

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Tremia de pudor a carne das orquídeas...
Os lírios senhoriais esbeltos como galgos,
abriam para os céus cinco dedos fidalgos
fugindo à mão floral do cálix longo e fino.
Um repuxo cantava assim como um violino
e, orquestrando pelo ar as harmonias rotas,
desmanchava-se em sons ao desfazer-se em gotas!
Entre a noite e a mulher, eu trêmulo hesitava:
se a noite seduzia, a mulher deslumbrava!

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Ingênuo! A mulher bela
adora quem lhe diz tudo o que é lindo nela.
Ousa tudo, porque todo homem namorado
se arrepende, afinal, de não ter tudo ousado.


Pierrot (falando a Arlequim sobre a Colombina que conheceu)

Eu também, Arlequim, nesta vida ilusória,
como todos Pierrots, eu tenho a minha história,
vaga, talvez banal, mas triste como um cântico...

Arlequim, sarcástico:

Não compreendo um Pierrot que não seja romântico,
branco como o marfim, magro como um caniço,
enchendo o mundo de ais, sem nunca passar disso.

Pierrot, continua:

É tão doce sonhar!...A vida, nesta terra,
vale apenas, talvez, pelo sonho que encerra.
Ver vaga e espiritual, das cismas nos refolhos,
toda uma vida arder na tristeza de uns olhos,
não tocar a que se ama e deixar intangida
aquela que resume a nossa própria vida,
eis o amor, Arlequim, misticismo tristonho,
que transforma a mulher na incerteza de
                                                  um sonho...

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Numa noite divina
como tu, num jardim, encontrei Colombina.
Loira como um trigal e branca como a lua.

Arlequim

Era loira também?

Pierrot

Tão loira como a tua...

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Era tal a expressão do seu olhar profundo,
que não pode existir outro igual neste mundo!
Felinamente ardia a íris verdoenga e dúbia,
como o sinistro olhar de uma pantera núbia.
Esses olhos fatais lembravam traiçoeiras
feras, armando ardis nos fojos das olheiras!
Tão vivos que, Arlequim, desvairado, os supus
duas bocas de trevas a erguer brados de luz!

Arlequim

Beijaste-lhe a boca.

Pierrot

Não...Para que beijar? Para que ver, tristonho,
no tédio do meu lábio o vácuo do meu sonho...
Beijo dado, Arlequim, tem amargos ressábios...
Sempre o beijo melhor é o que fica nos lábios,
esse beijo que morre assim como um gemido,
sem ter a sensação brutal de ser colhido...

Colombina (encontra a ambos e canta)

Esse olhar  (de Pierrot) deu-me o desejo
daquele beijo ( de Arlequim) encontrar,
mas nunca, reunidas, vejo
a volúpia desse beijo (de Arlequim)
e a tristeza desse olhar! (de Pierrot)

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Olha-me assim Pierrot...Nada mais belo existe
que um Pierrot muito branco e um olhar muito
                                                         triste...
Os teus olhos, Pierrot, são lindos como um verso.
Minh`alma é uma criança, e teus olhos um berço

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Arlequim! Tua voz quente e langue
tem lascivo sabor de pecado e de sangue.
O venenoso amor que tua boca expele
põe-me gritos na carne e arrepios na pele!

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A Arlequim (Colombina dirige-se ao Arlequim)

O teu beijo é tão quente....

A Pierrot (Colombina dirige-se ao Pierrot)

O teu sonho é tão manso...

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A história do amor pode escrever-se assim:

Pierrot (fala)

Um sonho de Pierrot...

Arlequim (fala)

E um beijo de Arlequim!"


É assim o amor e a vida: sonho, fantasia e sensualidade! O amor completo possui Pierrot e Arlequim, em igual dose, e a Colombina, mulher amada, anjo espiritualizado e ao mesmo tempo sedução. As duas faces estão dentro de nós. Hoje (Arlequim?), ontem (Pierrot?). Amanhã e sempre um Pierlequim. Um e outro são incompletos se não vierem unidos. As Colombinas que o digam, porque, salvo engano, necessitam de ambos. E os Pierrots e os Arlequins necessitam das Colombinas (duplas, românticas e sensuais), senão... não haverá vida e sim a morte, que até prova em contrário, é una. Carlos Roberto Husek.

2 comentários:

  1. Arlequim:

    O teu beijo é tão quente...

    A Pierrot:

    O teu sonho é tão manso...

    Pudesse eu repartir-me e encontrar minha calma dando a Arlequim meu corpo e a Pierrot a minh’alma! Quando tenho Arlequim, quero Pierrot tristonho, pois um dá-me o prazer, o outro dá-me o sonho!
    Nessa duplicidade o amor todo se encerra: um me fala do céu... outro fala da terra!
    Eu amo, porque amar é variar, e em verdade toda a razão do amor está na variedade...
    Penso que morreria o desejo da gente, se Arlequim e Pierrot fossem um ser somente,
    porque a história do amor pode escrever-se assim:

    PIERROT
    Um sonho de Pierrot...

    ARLEQUIM

    E um beijo de Arlequim!

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