sexta-feira, 1 de março de 2013
Meus Haicais ou Trovas ou Nada
No meu livro "O Cavalo da Escrita - Um caso de incorporação", tive a ousadia de escrever uns haicais que denominei "Haicais Ocidentais e Motivos Orientais", que não chegam, como se pode advinhar, a ser um Haicai (poesia japonesa, sobre a qual já falamos em uma de nossas postagens), e embora tenham alguma pretensão a Trova, não se dignam a vestir tal roupagem. São nada. Inclassificáveis. Aqui vão alguns:
Esticado sobre a grama,
braços em crus,
pobre esfarrapado
que atende por Jesus.
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Risca a faca o epitélio.
- O cirurgião?
- Não. O Hélio.
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Na juventude olhava o mundo
como quem admira e ama.
Agora?
Só controle remoto,
a televisão e a cama.
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Entardeço de manhã,
a tarde anoiteço,
amanheço madrugando,
aí - aconteço.
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Nada te diz meu poema?
Noite eterna e nua,
versos jogados na rua.
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Dou-te meus olhos:
É tudo.
Neles guardo um mar
infinito.
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Distância, distante
do olhar amigo
e a ditadura do passado
exigindo silêncio.
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Abro o compasso,
traço.
Fecho-me neste espaço,
e passo.
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Como um cão sem dono
meus pensamentos
cruzam ruas e calçadas
em busca de nada.
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Vejo a pedra
concretamente definida,
e me pergunto:
Isto é vida?
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Vejo-me como pedra
esfarelada
e me consolo:
Não é nada.
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Perdi-me.
Sou eu que proclamo
meu esconderijo,
aqui estou dentro,
deste abismo.
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Este silêncio
pode perder-se na geografia
do peito
e gerar descaminhos,
pelos caminhos da vida.
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Vejo teu corpo estendido,
em desuso,
teu corpo que foi tão rico
objeto de uso.
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Fico aqui acumulado
com meus trabalhos,
com meus ais,
a pensar que não brinco mais.
Estes são alguns de pequenos poemas que fiz, no livro mencionado. Nasceram repentinamente, como acontece com quase todos versos que faço. Por isso mesmo, talvez contenham algumas verdades (estão no inconsciente, e outros existem, provavelmente, em gestação). Escrever é uma forma de sair de dentro da prisão da vida, sem modificar a aparência física - quer dizer...para os que olharem com mais atenção para os que assim escrevem, podem perceber pequenas modificações, que não decorrem do envelhecimento, mas da libertação. Há movimentos imperceptíveis nas células, nos átomos, nos líquidos que percorrem o corpo, e tudo se transforma - eu sei; alguns sabem - mas poucos hão de perceber. Na verdade não somos os mesmos a cada hora, a cada dia. Embora este seja um blog de uma mesma pessoa, é fato que cada dia quem escreve é um outro; outra conformação, outro olhar, outra respiração, outra vida. Com o mesmo nome, no entanto, me apresento aos desconhecidos (que afinal, são todos): Carlos Roberto Husek.
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