quinta-feira, 7 de março de 2013

Sobre o nascimento dos poemas


João Cabral de Melo Neto


O Poema


" A tinta e a lápis
escrevem-se todos
os versos do mundo

Que monstros existem
nadando no poço
negro e fecundo?

Que outros deslizam
largando o carvão
de seus ossos?

Como o ser vivo
que é um verso
um organismo

com sangue e sopro
pode brotar
de germes mortos?

O papel nem sempre
é branco como
a primeira manhã.

É muitas vezes
o pardo e pobre
papel de embrulho;

É de outras vezes
de carta aérea,
leve de nuvem.

Mas é no papel,
no branco asséptico,
que o verso rebenta.

Como um ser vivo
pode brotar
de um chão mineral?"


Por vezes me vejo ( ou me encontro assim) escrevendo sobre as mais diversas superfícies. Quando o  verso se faz gestação, é necessário que ele se alimente pelo cordão umbilical dos sentimentos, das idéias, das palavras, mas, efetivamente, termina por "rebentar", nascer no papel em branco; branco leito onde os vocábulos já definidos (depois de alimentados em gestação durante algum tempo) podem dar seus primeiros vagidos, ou chorar silenciosos, ou mesmo vir calados como monólogos surdos, prontos para comunicar a quem os lê sua "silenciosidade". O nascimento do poema acontece para alguns (comigo é corriqueiro) nos momentos mais inusitados. Fecunda-os uma imagem, um olhar, uma possibilidade ou uma impossibilidade! Gestar poemas é ficar grávido a cada minuto de sentimentos, em princípio, incomunicáveis, e que virão para o mundo do ser, o mundo dos vivos, por uma conjunção de fatores mágicos que se utilizam da língua para dar forma ao que está na alma e tem sede no infinito. Os grávidos de poemas não se mostram por alguma característica física, mas por certo estarão em momentos delicados em que todo e qualquer gesto, toda e qualquer palavra (todo e qualquer susto) poderá fazer vir ao mundo antes do tempo, uma poesia prematura que mal se acomodará no corpo de frases e parecerá aos descostumados uma poema estranho. No entanto, todo poema é poema, e para quem o concebe, tem a beleza e a perfeição dos rebentos mais saudáveis e bonitos. Escrever poemas é trazer ao mundo novas crias. Fica a dúvida para os pais e mães desses seres etéreos, se vale a pena torná-los vivos, escondidos no papel, nos livros, nos cadernos, aprisionados e esquecidos? Talvez, os poemas devem ser gestados e nascidos no éter sem a mineralização da escrita..! Carlos Roberto Husek.      

Um comentário:

  1. Eis a maior dúvida ao gestar: escrever ou sacrificar? Mas estão se perderia o lado mais lindo da criação. Pois se sabe que o filhote é do mundo, não é da gente.
    Ao parir os sentimentos, eles se tornam outros, são apropriados por outrem, ganham novos significados, roupagens - e nos tocam, como jamais supunhamos ser possível.

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