terça-feira, 11 de junho de 2013

Murilo Mendes e a poesia surrealista


A poesia surrealista, um pouco esquecida, tem imagens - como não poderia deixar de ser - diferentes do que é usual esperar-se. O surrealismo faz aflorar o inconsciente e não se preocupa com a lógica das coisas, mesmo porque a lógica é só mais uma convenção. Admitir que a vida não é uma linha reta e o que vemos nem sempre é verdadeiro, e que passado, presente e futuro se encontram (às vezes o futuro vem antes do passado e o presente é este útimo que se imagina futuro...).  Isto é um tanto surreal, mas verdadeiro..! Ou não? Somos, quando abertos à vida, surreais, ou melhor, a vida é surreal. É o que a torna bela e rica, porque podemos descobrir "coisas", entrelinhas, lugares não convencionais.  Alguns exemplos de Murilo Mendes (nasceu em Juiz de Fora, em 1901 e faleceu em Lisboa, em 1975) são siginificativos:


"eu estou no meu corpo"
                  

"Mamãe vestida de rendas
Tocava piano no caos.
Uma noite abriu as asas
Cansada de tanto som,
Equilibrou-se no azul,
De tonta não mais olhou
Para mim, para ninguém!
Cai no álbum de retratos."
             

"O mundo começava nos seios de Jandira."

                                                
"Intimaremos Deus
A não repetir a piada da criação."


"Eu te proclamo grande e admirável eternamente


"Minhas mãos ficaram boquiabertas"


"Os loucos desdobram
Toalhas de sonhos."


"Deram-me um corpo, só um!
Para suportar calado
Tantas almas desunidas
Que esbarram umas nas outras,
de tantas idades diversas;
Uma nasceu muito antes
De eu aparecer no mundo,
Outra nasceu com este corpo,
Outra está nascendo agora,
Há outras nem sei direito,
São minhas filhas naturais,
Deliram dentro de mim,
Querem mudar de lugar,
Cada uma quer uma coisa,
Nunca mais tenho sossego.
Ó Deus, se existes, juntai
Minhas almas desencontradas."

É uma poesia diferente, verdadeira. É preciso ler nas entrelinhas (ou fechar os olhos e sentir a repercurssão das palavras, das imagens...). Feito isto, o mundo nunca mais será o mesmo. Posso dizer (um exercício de surrealismo):

As ruas da minha vida
encontram-se na encruzilhada.
Passo os dias a ler as placas.
Nenhuma direção é definitiva,
salvo aquela que escolhi...
Mas, mesmo nesta vejo
cancelas, faróis, obstáculos!
E tem alguns cruzamentos
que me fazem retornar ao inicio...
Desconfio que estou andando
                      em circulos...

É isso. Carlos Roberto Husek

5 comentários:

  1. Utilizo as palavras de Mário Quintana para expressar o que penso, pois como ele mesmo disse... Um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente...e não a gente a ele! É isso...

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  2. Um belo presente! Amo o surrealismo em todas as suas expressões!

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  3. Estou aqui lembrando de quando descobri que nem todas as pessoas eram imagéticas. A poesia é para poucos, por vários motivos, mas penso ser este um dos principais. Sem a imagem não se pode apreender toda a beleza que um poema pode conter, mas também sem as inquietações anímicas

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  4. o poema não nasce. Já sei (mesmo que só neste momento) a poesia é filha da imagem e da sensibilidade. Será? O surrealismo é filho da irreverência e do novo.

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  5. Assim que termino de escrever penso diferente. A poesia e o surrealismo são filhos de muitos óvulos e muitos espermatozóides, de modo que sua origem e seu fim sejam indeterminados. Não gosto de definições neste campo. Elas podem aprisionar, reduzir ... Que a poesia siga misteriosa e mágica, nos proporcionando todas estas experiências que tanto nos tocam! indiferente às nossas tentativas de classificá-la.

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