segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Cruz do Espírito Santo

(destacando Augusto dos Anjos, versos grafados de "O lamento das coisas")


"...O verme - este operário 
              das ruínas -
Na frialdade inorgânica
              da terra"
É que aprimora sua oficina
na guerra, destruição,
a comer os epitélios
na louca escavação.
Tudo produz ruído, sons,
     surdos ou estridentes,
que as cidades multiplicam
e que perduram como um 
                 ranger de dentes,
o peota de negro vestido,
sente como  uma caixa
                 de ressonância,
desde a amargurada infância, 
todas as dissonâncias do gemido.
" Triste, a escutar, pancada
                           por pancada,
a sucessividade dos segundos"

Augussto dos Anjos, poeta singular, salvo engano,  não teve seguidores e não seguiu nehuma escola específica. Nasceu na Paraíba em 1884 e faleceu em 1914. Fez versos originais, repleto de imagens fortes e cruas sobre doença e morte, mais em seus aspectos físicos:

"Já o verme - este operário das ruínas -
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida, em geral, declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!"

As imagens, embora fortes, são belas, em termos de poesia. A poesia não tem um teor definido, uma matéria que lhe é própria. Pode-se fazer versos sobre a natureza, sobre as pessoas, sobre a vida, sobre a morte, sobre as catástrofes, sobre a filosofia (é possível filosofar por intermédio da poesia), sobre a história, sobre o amor, sobre a própria poesia, sobre o dia a dia, sobre o infinito, sobre pequenos insetos, sobre os grandes animais, sobre os velhos, sobre os jovens, sobre a tecnologia, sobre o sexo, sobre as raças, sobre os partidos políticos, sobre os esportes, sobre as angústias, sobre a felicidade, sobre Deus, sobre o diabo. Enfim, o olhar poético é, de início, um olhar interior sobre tudo que existe, que é visualizado, sentido, pensado, intuido. Carlos Roberto Husek

Um comentário:

  1. O poeta traz à tona a presença das coisas. Põe foco naquilo que costuma passar despercebido. É atento às entrelinhas. Ama o invisível. Carrega a consciência sensível de nossas humanidades ...

    ResponderExcluir