quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Um intervalo para os haicais


Hoje quero sair um pouco dos estreitos caminhos da minha poesia e dirigir o olhar, em especial,  para a poesia oriental, apesar dela já ter dito alguma coisa quando transcrevi parte de latipac sobre Tóquio e sobre Basho (poeta japonês).

Ocorre que levantei oriental, miúdo, afeto às pequenas coisas da vida, aos pequenos movimentos, às pequenas imagens, dando importância aos pequenos passos. Quando se tem o ofício (ainda que não profissional) de escrever e se acorda desse jeito, é melhor não contrariar a natureza. Nada se escreve com algum valor (sentimental) ou com alguma verdade, se não estiver de conformidade com nossa vontade interior.
Matsuo Basho nasceu em 1644 em Ueno, na província de Iga, e adotou o nome literário de Sobo. escrevia haikais (ou haicais), pequenos poemas curtos, por vezes satíricos, repleto de jogos de palavras (no caso de Basho, a introdução na concisão do poema, da filosofia zen, além dos demais caracteres), com alguma referência a uma estação do ano, ainda que de forma indireta (p.ex. para primavera, além desta mesma palavra, uma expressão equivalente, como "montanhas sorridentes"). Enfim, nas pequenas coisas (observação de um caminho, de um inseto, de uma gota de água, de uma folha caída, de uma flor, de uma nuvem, de um sorriso, de um olhar) ou mesmo de coisas grandes, mas a partir de observações solitárias (a via láctea, a Lua, o Sol, o mar,  o céu), tira-se uma nota, um acorde (tem muito de música em qualquer poesia) um pensamento, um ritmo, a percepção de algo, um "insight", uma revelação.
Alguns versos de Basho aí vão:

"solidão
após os fogos de artifício
uma estrela cadente!"

"murmúrio
marmóreo
  do mar"

"folhas tremulam
no campo queimado
à espera da lua"

"silêncio profundo
o sibilo da cigarra
perfura as rochas"


Um pouco antes de sua morte e sabendo que morria escreveu Basho:

"finda viagem
meus sonhos rodopiam
pelo seco descampado"

Percebam. Há uma fina observação do universo em torno do poeta. Há uma beleza singular, um efetiva musicalidade, que somente se observa ou se sente quando podemos parar (sair do azáfama da cidade, ainda que dentro dela) para a contemplação. É um exercício de eternidade (o tempo não conta, o tempo não existe).

Deixamos aqui, virtualmente, com ousadia, alguns de nossos haicais (ainda não publicados):

        janela fechada
 o sol penetra pelas frestas
   e deita raios no tapete.

 Como estão as flores
    no caixão em torno?
        ... Mortas.

       Já espraiado corria,
       o sangue na calçada.
   Um tiro. Era madrugada.

  Nuvens, garoa, riscados,
      a verdade presente,
      aflorando passados.
    
     É isso. Carlos Roberto Husek
    

 
   

    



6 comentários:

  1. Como é linda essa arte poética! Dr. Husek, agora "vejo" os haicais de forma diferente: são interessantes e remetem-nos à reflexão. Parabéns!
    Yoshimi

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  2. "O tempo todo caminha.
    Se para,
    acompanha-se
    de uma só linha
    era uma vez
    era uma vez
    era uma vez"


    "Domingo
    Canto dos passarinhos
    Doce que dá pra por no café"


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  3. Os anteriores e os que seguem são todos de Paulo Leminski

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  4. O tempo
    entre o sopro
    e o apagar da vela

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  5. Achar
    a porta que esqueceram de fechar
    O beco com saída
    A porta sem chave
    A vida

    Este dia
    este perverso dia
    que veio depois de ontem

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  6. a estrela cadente
    me caiu ainda quente
    na palma da mão

    beija
    flor
    na chuva
    gota
    alguma
    derruba


    lua de outono
    por ti
    quantos sem sono

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