sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Latipac - A cidade e seus espelhos


Cuiabá

(destacando Manoel de Barros, versos grafados de "O Livro das Ignoranças")

só há clima,
     só há natureza plena,
e pujante,
     só há diálogos
                  improváveis,
só há figuras novas
                 e incontáveis,
     feitas de animais,
                 animáveis,
feita de ocasos,
feita de pequenos bichos,
    e de veios de água
que correm e se evaporam,
e se tornam céu
e se transformam em pedras
que também se convertem,
em garças e em uvas,
em maçãs que descansam,
            e dormem,
e no próprio homem
       e passa a ser coisa,
            a ser planta,
 a não ser somente
barulho, grito falante.  
"Quando o rio está
      Começando um peixe,
Ele me coisa
           Ele me rã
                   Ele me árvore
De tarde um velho
Tocará sua flauta
Para inverter os ocasos."


Manoel de Barros nasceu em Cuiabá, Mato Grosso, em 1916 e sua poesia, como não podia deixar de ser, foi influenciada pela paisagem de Corumbá e do Pantanal. Manoel de Barros inverte a lógica das coisas e da realidade, porque a realidade do poeta, do seu espírito, é outra. É possível assim "tocar a flauta para inverter os ocasos e tornar-se árvore". Poesia muito diversa das demais. Um poeta singular. Veja-se: "Gravata de urubu não tem cor.
               Fincando na sombra um prego ermo, ele nasce.
               Luar em cima de casa exorta cachorro.
               Em perna de mosca salobra as águas cristalizam.
               Besouros não ocupam asas para andar sobre fezes.
               Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina.
               No osso da fala dos loucos há lírios."

Pois é. Não me esqueço e acho que não devem esquecer aqueles que gostam de poesia que: o poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina e que no osso da fala dos loucos há lírios.  Lamber palavras é o que se faz. Penteá-las, namorá-las, e diante do resultado, dos seus efeitos, dos sons que fazem (no cérebro) quando combinadas em frases, se enlouquece, se alucina (uma boa alucinação, uma loucura que liberta). Os loucos têm a sua própria arrumação das coisas, que não é a mesma arrumação dos considerados "normais" (o que é normalidade?) e na sua fala ( a palavra é concreta, é dura, é óssea), e da sua fala resultam lírios (encantamentos, verdades, amorosidades). O poeta é sempre um lambedor de palavras, é sempre um louco e nos seus versos (por mais loucos e lambidos que sejam) observam-se lírios. Pode-se se ouvir a música que deles emana, embora o silêncio da leitura. Pode-se se sentir os sentimentos que deles advém. Pode-se sentir o odor (os versos quando feitos com a verdade da alma têm cheiro, odor). Carlos Roberto Husek

2 comentários:

  1. Yoshimi_ishida_06@yahoo.com.br23 de novembro de 2012 às 16:07

    Estou longe de poder conjugar os verbos lamber e namorar com as palavras, muito menos de realizar as arrumações aqui colocadas! Preciso estudar...

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