sábado, 21 de janeiro de 2017
Sofrência
Para os que perderam alguém
no caminho
Sofre-se de ausência
como se sofre
de uma cardiopatia,
de um diabete,
ou de qualquer
outra doença.
De pessoa que parte,
morta ou viva,
com ou sem
despedida.
E o mal se instala
desde a partida.
Um buraco
no estomago,
uma dor no peito.
Desorganizam-se
as horas
as noites e os dias.
E em tudo a pessoa
desaparecida
preenche a paisagem
sem ter vida.
Incorpora-se,
sem que se saiba,
como um fluído,
um gás,
etéreo e diáfano,
nos tecidos,
nas pedras,
nas plantas,
nas paredes,
nos quadros,
nas janelas,
nas portas,
nas escadas,
nos elevadores,
nos livros,
nos papéis,
nos perfumes,
ou nos odores vários,
como no santo sudário,
marca panos, lenços,
superfícies lisas,
acomoda-se
nos interstícios
de todo nicho humano
ou mineral,
dissolve-se no torrão
de açúcar
espalha-se
nas contas de sal.
Incorpora-se
pura e simplesmente.
Nos móveis,
sem ter vida.
Nos prédios,
sem ter vida.
Nas salas,
sem ter vida.
Nos quartos,
sem ter vida.
Nas chuvas,
sem ter vida.
Nas festas,
sem ter vida.
E nas longas tardes
de claridade doída,
em que sobe
do horizonte
uma fumaça
sem destino,
em que tudo
relembra a morta
ou desaparecida,
que se foi
sem despedida,
alguns caracteres
firmam-se de plano:
Olhos fundos,
corcova
acentuada,
pés
que caminham,
por qualquer
estrada,
a poeira
das horas
na respiração
ofegante,
as pálpebras
rebaixadas,
de instante
a instante,
olhar líquido
e brilhante,
gotejando
imperceptível,
e um tremor
nas mãos
cansativo,
de apalpar
no ar
os motivos
em revoada,
como
pássaros
sem ninhos
que fogem
por
longínquos
caminhos,
sem ponto
de chegada.
Não há remédio
conhecido
para quem sofre
de ausência,
talvez
se morra,
talvez
se viva,
abatido
e subjugado,
tornando sempre
presente o passado,
nas voltas
que o mundo dá,
anda-se só
embora
acompanhado.
É uma crônica
doença
que se instala,
e se incorpora,
e deixa um espaço
que dói
organicamente
- insidiosa serpente -
que se arrasta
sinuosa,
de repente,
retorcendo nervos,
esburacando o ventre
perfurando pulmão.
Se morta,
a pessoa,
leva consigo
um coração
ainda vivo,
daquele que fica
pesaroso
e cativo.
Dolorosa sina,
que fecha os olhos
para o mundo,
vai marmórea,
pequenina,
sem mais nada,
porque se morta
parte
e morta fica
para a condição
humana,
e no infinito
se precipita.
E os convivas
prosseguem após,
no dia a dia,
uma doença
de crônica
sofreguidão,
criando nisso
uma casca,
crosta,
de delicada
aparência
e imperceptível
subordinação.
Se desaparecida
viva,
a doença
permanece
grave,
e se propaga
alucinante,
sem entrave,
para contorcer
as entranhas,
e torturar
sem pejo
todo frustrado
desejo,
e toma o corpo
e a mente
como semente
de árvore
frondosa,
para
transformar-se
em espinho
pontiagudo,
de ponta
envenenada,
mortal
e dolorosa.
E a morte
do infectado,
após longa
vida
de sofrimento
com esta
referência,
será a única
cura
possível,
uma vitória
sobre
a pérfida
doença.
Existem também
alguns
sinais
do distúrbio,
para o qual
a prevenção
tem pouca força,
quando
há indiferença,
uma espécie
de
frieza
momentânea,
germe
da ausência
que será
destino,
causa
e consequência
do mal
sem tratamento
já revelado
no seu
endereçamento.
O nome
dessa
enigmática
enfermidade
que ataca
as células
do cérebro
e do coração
em essência?
SOFRÊNCIA.
Carlos Roberto Husek
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Maravilhosamente real!
ResponderExcluirParabéns por expressar tão bem o inexplicável!
NOITE DE SAUDADE
ResponderExcluir"A noite vem poisando devagar
Sobre a Terra,que inunda de amargura...
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura...
Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura...
E eu oiço a Noite imensa soluçar!
E eu oiço soluçar a Noite escura!
Por que és assim tão'scura,assim tão triste?!
É que,talvez,o Noite,em ti existe
Uma saudade igual à que eu contenho!
Saudade que eu sei donde me vem...
Talvez de ti,ó Noite!...Ou de ninguém!...
Que eu nunca sei quem sou,nem o que tenho!!"
Florbela Espanca
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Nossa! Perfeita !
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